Formação educacional brasileira, em diversos setores, segue linha
da administração pública e esbarra no assistencialismo
(imagem: vob-clip.com)
 
As diferenças que separam as grandes capitais brasileiras dos rincões interioranos são vistas nas mais diferentes esferas, seja na saúde, infraestrutura urbana e viária, educação e, da mesma forma, na hotelaria. Não só pela segregação financeira dos que têm condições de ali entrar ou não, mas, primeiramente, em sua estrutura interna e como ela acaba por reproduzir as mesmas falhas de seu ambiente externo. Tomando-se, por exemplo, a questão do treinamento como comparativo, o paralelo torna-se mais visível.
 
O tão almejado serviço de qualidade – peça-chave da hospitalidade – é resultado do trabalho dos colaboradores e das condições que o empreendimento dá para sua atuação. Veem-se, então, dois cenários: um hotel de uma grande rede instalado em São Paulo e um resort situado fora da zona urbana. O primeiro tem dificuldades de contratação por conta de sua alta exigência. Ali, para atender toda clientela, é preciso falar pelo menos duas línguas estrangeiras. O oposto ocorre no segundo empreendimento. O processo de seleção dos candidatos esbarra na falta de preparo da população local.
 
As soluções apresentadas? Em São Paulo, farta oferta de treinamento para aqueles que conseguirem, finalmente, encaixar-se nos pré-requisitos necessários. No resort, a questão da carência da população é grande, faltam cursos superiores e, muitas vezes, mesmo educação básica na região, de modo que, para manter sua operação, o empreendimento precisa oferecer capacitação para seus colaboradores. Desde os preceitos básicos da hotelaria até, pelo menos, uma iniciação em inglês e espanhol.
 
Muitas vezes, o que acontece é o funcionário ser treinado mecanicamente para atender os clientes mais exigentes. “Não é porque você é de origem humilde que não pode ter uma atitude profissional”; “É preciso jeito para convencer os trabalhadores locais de que não é assim que as coisas são feitas aqui dentro do hotel”; “Até oferecemos aulas de inglês, mas não exigimos porque a parcela de estrangeiros que recebemos é pequena”. Muitas vezes, o que é chamado de capacitação é apenas o apontar do caminho da subserviência, ressaltando ao colaborador sua posição inferior em vez de primar pela obtenção de um bom serviço por meio do desenvolvimento profissional.
 
Não se trata, aqui, de cobrar da iniciativa privada que se tome frente de um problema que é, antes de tudo, da esfera pública. Mesmo porque os grupos hoteleiros e turísticos têm, em alguns locais, grande poder de influência nos setores governamentais da região, bastando apenas querer exigir deles melhores condições para os municípios vizinhos aos empreendimentos. É preciso, no entanto, evitar que os erros de uma administração pública sejam perpetuados por empresas que têm recursos – inclusive financeiros – de proporcionar capacitação de qualidade.
 
No momento em que os hotéis exigem primor no atendimento, mas buscam apenas “convencer” seus colaboradores de que isso é a essência da hospitalidade, esta já foi perdida. Quando se oferece boas oportunidades para quem já as têm por perto, e educação paliativa e retrógrada para quem poderia aproveitar uma oportunidade de construir uma vida profissional, dá-se apenas continuidade na construção do abismo social brasileiro. Faz-se o que se condena o governo por fazer: assistencialismo, no lugar de soluções concretas.
 
Muito se ouve falar em como alguns empreendimentos levam progresso para determinadas regiões do País, exatamente essas onde o governo sequer fornece saneamento básico. Muitos se vangloriam das oportunidades ali criadas e de retirar a população de um sofrido trabalho rural. O turismo, como atividade econômica, tem de fato este enorme poder de geração de empregos – motivo primeiro pelo qual se defende sua maior valorização frente à esfera pública. Mas pouco se questiona como faz, então, a hotelaria para se instalar nessas regiões ainda pouco desenvolvidas.
 
O treinamento, a capacitação e a reciclagem dos colaboradores são vitais para que a atividade turística se desenvolva em todo seu potencial. A educação é, na mesma medida, necessária para que cruzemos para o lado correto a tênue linha que separa o Brasil como um destino internacional do País que funciona a base do pão e circo e sobrevive dos clichês do futebol, praia e Carnaval.