(foto: deviantart.com/Adriannnn)

Quartos e banheiros compartilhados e, mesmo assim, a presença da hospitalidade. Este é o conceito que os albergues buscam oferecer aos novos hóspedes e aos habitués. Trata-se de um setor que, ainda hoje, recebe pouca atenção, mas que ao mesmo tempo virou tendência mundial e ganha mais e mais adeptos em destinos de lazer e de negócios brasileiros.

Longe do clichê mochileiros com pouco dinheiro, o mercado de albergues tem sido apontado como preferência, tanto de jovens que buscam conhecer novos destinos a preços menores, quanto de executivos que, após um dia de reuniões e assuntos burocráticos, fogem do clima – também burocrático – da hotelaria convencional.

De acordo com Maria José Giaretta, presidente da Apaj (Associação Paulista de Albergues da Juventude), doutora, professora, alberguista desde a adolescência – e carinhosamente apelidada de Zezé -, “Eles não querem ser tratados como senhor ou senhora no final do dia”. Desta forma, este público encontra nos albergues um clima descontraído, boas refeições, novas culturas e, ainda sim, a hospitalidade.

A reportagem do Hôtelier News conferiu a realidade de alguns desses empreendimentos em São Paulo, que, como em grande parte das capitais brasileiras, têm se mostrado exemplos de negócios rentáveis.

Por Thais Queiroz


Zezé acredita que o conceito de hospitalidade
sempre esteve presente nos albergues
(foto: Thais Queiroz)

“Vejo que o setor de hospitalidade no Brasil é regido por fases. Com os hostels não foi diferente: tudo o que não se encaixava no conceito de pousada, resort ou hotel fazenda era taxado de albergue. Daí veio a necessidade de criar um órgão que tivesse força para qualificar este tipo de segmento”, explica.

O termo albergue foi tido, por muitas gerações, como um retrato de hospedagens de baixa qualidade, ou ainda, de alojamento para desabrigados. Maria José conta que data de 1969, no Rio de Janeiro, a criação do primeiro no País. Um ano depois, foi criada a FBAJ (Federação Brasileira de Albergues da Juventude), que na época contava com 120 empreendimentos credenciados. Em meados de 1990, a marca HI (Hostelling International) chegou ao Brasil e se afiliou à FBAJ, colocando assim as unidades nacionais na lista mundial de filiadas e implantando nelas conceitos e padrões de qualidade internacionais.

Neste cenário, a pesquisadora revela que a nomenclatura internacional hostel deveria ter sido adotada desde o começo. A explicação é que esta simples mudança poderia ter evitado tantos anos de preconceito com estes meios de hospedagem, fazendo assim com que o mercado tivesse se desenvolvido mais rapidamente.

A partir de 1992 o movimento tomou força no cenário brasileiro. Nesse ano, a HI estendeu para o País o sistema unificado de reservas.

Para Zezé, o conceito do bem-receber sempre esteve presente nos hostels. Os grandes diferenciais – além da estrutura de menor porte – em relação aos hotéis tradicionais são os conceitos estabelecidos, que basicamente podem ser resumidos em troca de culturas, sustentabilidade e hospitalidade.

“A cozinha de um albergue é um dos espaços mais multiculturais que eu conheço. Eu como abacate com açúcar, o outro come com limão, o outro com feijão. Quem estiver naquele espaço aprende coisas tão particulares que só um contato desses permite”, brinca a presidente.

Os quesitos entram em prática desde a abertura do empreendimento: a contratação de locais é via de regra. No geral, são escolhidas pessoas com perfil comunicativo, que tenham conhecimento da região e das diversas atividades turísticas que podem ser indicadas aos hóspedes. Os afazeres mais burocráticos normalmente ficam a cargo dos proprietários – que costumam ser alberguistas.

Economia de água e luz, uso de iguarias locais nas refeições e conscientização dos clientes também fazem parte da rotina dos albergues, que hoje fogem à regra dos perfis jovem, solteiro ou turista de lazer.

A presidente da Apaj destaca que, por conta desta diversidade, os empreendimentos passaram a oferecer quartos para casais, com ou sem filhos, e quartos compartilhados com e sem banheiro privativo. Estes quesitos, aliás, fazem parte de alguns dos pontos exigidos pela FBAJ, que incluem ainda limpeza diária, segurança, atendimento bilíngue 24 horas. Caso o hostel não siga as determinações, ele não recebe a bandeira e não pode entrar para a lista de empreendimentos da Hostelling International.

Um dos quartos compartilhados do Sampa Hostel, filiado da HI
(foto: divulgação)

Cenário atual
Se em 1980 a FBAJ tinha 120 hostels credenciados, hoje o número não passa de 105 empreendimentos. Zezé argumenta que isto é um reflexo do comportamento do mercado que, por sua vez, tem tomado rumos nem sempre satisfatórios.

Em São Paulo, o cenário é mais complicado. São apenas 16 unidades e 900 leitos no Estado. A cidade conta apenas com quatro empreendimentos na região metropolitana e 345 leitos. No Rio de Janeiro a concentração é a mesma. Ambos os Estados concentram a maior quantidade de unidades em relação ao restante do País.

Uma simples busca na internet permite notar que a oferta de hostels na capital paulista é muito superior a quatro – não há um número oficial, nem exato, sobre quantos empreendimentos operam em São Paulo. No entanto, segundo a especialista, poucos se adaptam aos requisitos da associação, e outros tantos preferem fazer um gerenciamento próprio, sem a ajuda ou divulgação de uma bandeira internacional.

Para ajudar, Maria José explica que nos últimos anos houve um crescimento desorganizado do setor. “O brasileiro começou a viajar mais para outros países e lá ele conhece a cultura dos hostels. Porém eles regressam ao País achando que aqui vão conseguir fazer dinheiro fácil com este tipo de negócio, e assim acabam usando de forma equivocada a ideologia do segmento”, critica.

Nesta situação, Zezé ressalta que os problemas podem ser refletidos na falta de tato com o cliente, que já está habituado a utilizar o serviço em outros hostels, resultando na queda de qualidade dos serviços. Com isto, todo o trabalho feito para banir a imagem negativa destes empreendimentos pode, com o tempo, cair por terra.

“Há também os que não acham necessário levar a bandeira da associação para não ter custos”, acrescenta. O valor para o credenciamento é de, em média, R$ 5 mil – que podem ser pagos em dinheiro, ou gradualmente com pernoites mensais, que dão direito a constantes capacitações e consultoria.

O quarto privado do LimeTime
(foto: divulgação)

Junto e misturado
De acordo com a Apaj, os hostels da grande São Paulo recebem alberguistas nacionais e estrangeiros na mesma proporção. Este cenário mostra uma espécie de mudança de comportamento no perfil deste público – já que, até os anos 2000, turistas internacionais costumavam preencher 70% das acomodações disponíveis nestes empreendimentos.

Da mesma forma, se antigamente o hostel era sinônimo de jovens mochileiros, hoje é comum perceber a presença de executivos engravatados desfilando entre os frequentadores.

Questionada sobre o assunto, Zezé conclui que esta mudança é resultado da imagem jovem e descontraída que faz parte da filosofia dos hostels. Segundo ela, a leitura combina com quesitos relacionados a conceitos e valores de imagem, que agradam à sociedade contemporânea – vide o sucesso indiscutível das redes sociais -, fatos diretamente atrelados a questões de tendência e comportamento.

“Ser alberguista é um estilo de vida, mas hoje virou moda e sinônimo de pessoas descoladas. Muita gente quer fazer parte disto. Quando eu estou dando aula, alunos tiram fotos e em segundos a minha imagem está postada na página de uma rede social de um terceiro. A conexão e o compartilhamento de sensações, de ideias e de imagem entre as pessoas são símbolos presentes em perfis que não são mais separados por sexo, idade nem classe social”, analisa a especialista.

A sala de TV do Gol Backpackers, que tem o futebol como temática
(foto: divulgação)

A voz de quem faz
O tal modismo citado pela presidente, em tese, reverbera bons índices para o setor. A reportagem conversou com responsáveis por três albergues da grande São Paulo: Sampa Hostel – que possui a bandeira HI -, GOL Backpackers e LimeTime Hostel. Num comparativo, todos apresentaram números equivalentes.

A ocupação média anual corresponde a 70%; a permanência costuma ser de três dias; e a idade fica entre 20 e 35 anos, para ambos os sexos. Em todos os casos, os proprietários são ou foram alberguistas e reuniram experiências obtidas durante as hospedagens para montar o próprio negócio.

Alberto Azevedo, proprietário do LimeTime, avalia que o mercado atingiu a maturidade, mas ainda vê problemas na forma como o brasileiro enxerga os hostels que, segundo ele, pode ser resumida em “hospedagem barata”. “Recebemos um casal de cerca de 40 anos, que chegou de carro importado para uma conferência e optou ficar num dormitório de oito camas. Como eu sabia que eles não iriam se adaptar, dei um upgrade para o quarto de quatro camas, que estava vazio”, cita.

De acordo com Azevedo, este é um exemplo de clientes que procuram estes empreendimentos pela localização e pelo preço. “A gente tenta evitar estes hóspedes, pois eles não acrescentam nada para os que realmente conhecem e gostam do conceito de albergue”, ataca, acrescentando que o LimeTime não aumenta as tarifas desde fevereiro de 2009, época em foi aberto.

Deborah Cavalieri, proprietária do Sampa Hostel, e Ralph Nicoliche, um dos sócios do GOL Backpackers, têm opiniões semelhantes. Para eles, o setor está caminhando bem, mas a profissionalização – ou a falta dela – ainda é um dos maiores problemas.

“Muitos ainda não são hostels, são pousadas ou hotéis desfalcados que não contam com ambiente e a estrutura adequada para os mochileiros. Eles se dizem hostel para iludir e vender mais. Outros são guest houses, onde o dono comanda o empreendimento de maneira menos profissional, o que pode ser muito bacana, mas desenvolve pouco o mercado”, diz Nicoliche.

Para Deborah, ter à disposição do hóspede funcionários experientes é um dos pontos importantes para o bom funcionamento do albergue. O Sampa Hostel conta com cinco funcionários, sendo três na recepção, um na cozinha e outro na limpeza. “Na recepção todos precisam falar inglês e espanhol fluentes e, de preferência, ter morado fora do País e conhecer outros hostels”.

No que tange à qualidade das unidades brasileiras em relação às estrangeiras, a opinião é unânime: hoje São Paulo acompanha sim o desenvolvimento de importantes mercados estrangeiros.

A diferença apontada pelos proprietários é que, apesar de as influências serem basicamente europeias, o modelo de hostel nacional teve, obviamente, que ser adaptado à cultura e ao perfil do brasileiro.

Nessa linha de pensamento, os empresários apontam a necessidade de trabalhar continuamente a imagem dos albergues para o público doméstico, já que hoje eles representam proporção igual ou maior em relação ao estrangeiro na ocupação anual.

“Abrimos o hostel para trabalhar com estrangeiros, e este público deu uma sumida, principalmente os mais jovens – entre 18 e 24 anos, por vários fatores”, diz Azevedo. Ele conta que o hóspede internacional passou de 90 para 50%, enquanto o nacional aumentou de 10 para 50% ou mais nos últimos anos. Com imagem positiva ou não, os hostels parecem estar caindo no gosto brasileiro.

Serviço
www.hostel.org.br
www.alberguesp.com.br
www.limetimehostels.com
www.golbackpackers.com
www.hostelsampa.com.br