(foto: abrasce.com.br)
 
Segundo a Organização Mundial de Saúde, deficiência é o termo usado para definir a ausência ou disfunção de uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica relacionada à biologia da pessoa. No entanto, para designar este público utilizamos a expressão pessoa com deficiência, com a ressalva de que, em contextos legais, ela é utilizada de forma mais restrita e refere-se a indivíduos que estão sob o amparo de uma determinada legislação.

O termo deficiente caiu em desuso e é considerado inadequado, já que carrega uma carga negativa ou depreciativa. OK. Então como chamar esta pessoa? O consultor de inclusão social Romeu Kazumi Sassaki desenvolveu um estudo de como este público foi e pode ser chamado sem causar nenhum constrangimento. O escritor é autor de obras como Construindo uma sociedade para todos e Inclusão no lazer e Turismo: em busca da qualidade de vida – clique aqui para conhecer o estudo. Contudo, um dos entrevistados do Hôtelier News salientou que o termo pessoa com deficiência é bem aceito e utilizado. Esta explanação dá início a uma matéria investigativa que teve como base o tema Acessibilidades para a hotelaria, um assunto polêmico, mas que está atrelado aos bons conceitos de inclusão social das grandes redes hoteleiras.

Polêmico, pois de acordo com a legislação brasileira todos os hotéis devem contar com parte de seus apartamentos adaptados para estas pessoas, assim como suas instalações devem, obrigatoriamente, ser de fácil transição e acesso para os mesmos. A lei existe, mas nem sempre é aplicada.

Por Gabriel Guirão


(imagem: appacdm-fundao.blogs.sapo.pt)

A rotina de acordar, pegar um táxi, entrar no avião, se locomover pedindo ajuda para alguém que passa pela rua, encontrar o hotel, trabalhar, sair para um happy hour e depois retornar para o hotel para algumas horas de descanso, lazer e higiene é lógica, certo? Partindo do pressuposto que não temos nenhum tipo de dificuldade para enfrentar esta situação, sim. Porém já pensou como um deficiente faz para pegar um táxi? Para pedir informação porque  está perdido? Como ele utiliza o apartamento e o banheiro de um hotel? Ou até mesmo um idoso e uma grávida nessa situação…

Imagine-se com os olhos vendados, com a boca amordaçada, com as pernas amarradas ou até mesmo sem o movimento dos braços. E agora? A situação continua sendo corriqueira?

Pensando neste público é que muitos meios de hospedagem espalhados pelo Brasil desenvolvem projetos de inclusão social, adequação de instalações e serviços especializados.
 
“A vida sem luta é um
mar morto no centro do
organismo universal”
(Machado de Assis)

Escolhemos aleatoriamente alguns empreendimentos para serem entrevistados sobre como é trabalhar com este público.

Airton Dornelas, gerente geral do Holiday Inn Parque Anhembi, na capital paulista, e José Fernandes, proprietário do Hotel Campo dos Sonhos, no interior do estado, comentaram suas experiências com este segmento.

Hôtelier News: Quantos apartamentos o hotel disponibiliza para as pessoas com deficiência?
Airton Dornelas: Do total de 780 UHs disponibilizamos 13.
José Fernades: Contamos com cinco chalés no Campo dos Sonhos e este mês inauguramos mais um empreendimento com 20 unidades habitacionais, sendo 14 adaptadas totalmente, quatro parcialmente e um chalé, ou seja, será um hotel pensado neste público, mas que poderá ser utilizado por todos.
 

Holiday Inn Parque Anhembi, em São Paulo
(foto: divulgação)

HN: As instalações comuns correspondem ao que é de direito por lei às pessoas com deficiência?
Dornelas: Sim, todos os apartamentos contam com adequações. Nosso hotel foi projetado e construído pensando neste público. Além disso, investimos R$ 15 mil na sinalização em braile.
Fernandes: Com certeza. Pensamos em todos os detalhes e a consultoria que contratamos foi eficaz nas adaptações, tanto no parque quanto no hotel. Também disponibilizamos cadeiras de rodas motorizadas, entre outros equipamentos, para facilitar a locomoção pelos ambientes.

 
HN: Parte dos colaboradores do hotel são portadores de deficiência?
Dornelas: Já contamos com sete colaboradores, o que representa 3% do nosso total. Até o final do ano pretendemos completar este espaço, mas a mão-de-obra é difícil de ser encontrada.
Fernandes: Nós concluímos nossas obras para atender a este público há poucos dias e a partir deste ano iremos contratar um time de pessoas com deficiência.
 

Algumas das atividades praticadas no
Hotel Campo dos Sonhos, em Socorro (SP)
(fotos: divulgação)

HN: Algum colaborador fala libras, a língua dos surdos e mudos, no hotel?
Dornelas: Ainda não, mas este é um serviço que queremos disponibilizar. Os projetos já estão em andamento.
Fernandes: Os colaboradores da recepção aprenderam libras durante um curso de capacitação realizado no ano passado.

HN: Quais reformas o empreendimento fará a fim de melhorar a qualidade de atendimento para este segmento?
Dornelas: Estamos instalando um sistema de som nos elevadores para suprir as necessidades do nosso público com deficiência auditiva.
Fernandes: Concluímos todas as necessidades apresentadas durante o estudo que desenvolvemos junto a pessoas com deficiência. Investimos R$ 80 mil em reformas, entre o parque e o hotel, e R$ 900 mil na construção do novo empreendimento, que foi pensado para este segmento.

HN: Com que freqüência portadores de deficiência se hospedam na unidade?
Dornelas: Eles não chegam a 1% do total de turistas. Acredito que a dificuldade no transporte até o hotel seja um ponto negativo para eles. Vale citar que nossas equipes de recepção, eventos e A&B são totalmente capacitadas.
Fernandes: Em 2007 nós recebemos, em média, 20 pessoas com deficiência por mês. Um número alto, tendo em vista que não aplicamos nenhuma ação de marketing. A divulgação foi no boca-a-boca. É muito bom receber esses hóspedes, pois na maioria das vezes eles viajam com a família e a taxa de ocupação agradece.
 

(foto: saude.rn.gov.br)

Atuantes

Que existem hotéis adequados nós sabemos, mas quem são eles? Uma das operadoras responsáveis por atender este mercado é a FreeWay. Localizada em São Paulo, a empresa começou a prestar este serviço há quatro anos e atualmente 1% de suas vendas é representada pelo segmento. “A maioria dos produtos são voltados para cadeirantes e o destino mais procurado é Itacaré, na Bahia, devido à infra-estrutura apresentda. Outro destino que começa a despontar no mercado é Bonito, no Mato Grosso do Sul”, explica Sonia Werblowsky, diretora da operadora.
A executiva diz que os pacotes acabam sendo um pouco mais caros, por isso as vendas ainda não são tão significativas.

Como não poderia faltar, foram entrevistadas três pessoas com deficiência: Dadá Moreira, advogado, jornalista e fotógrafo profissional, que desenvolveu um site com roteiros turísticos especializados para pessoas com deficiência; o deputado Leonardo Mattos, do Partido Verde, que prestou declarações como ativista político e pessoa com deficiência; e Edison Passafaro, consultor hoteleiro. Confira abaixo as entrevistas.

 

“A vida é maravilhosa,
se não se tem medo dela”
(Charles Chaplin)

 

Hôtelier News: Qual é a sua deficiência e como ela se desenvolveu?

Leonardo Mattos: Sou paraplégico, vítima de acidente automobilístico ocorrido há 30 anos.
Dada Moreira: Tenho ataxia, problema neurológico que afeta o equilíbrio, a coordenação motora, a fala e a visão. No entanto, pratico esportes de aventura.

Edison Passafaro: Também sou paraplégico, vítima de um tiro acidental aos meus 20 anos.

HN: Como é se hospedar em um hotel?

Mattos: Já foi muito ruim, mas tem melhorado. Alguns hotéis já contam com acesso razoável para os usuários de cadeira de rodas. Entretanto, apenas os hotéis maiores e nas grandes cidades possuem alguma acessibilidade. Nas pequenas ou médias cidades e nos hotéis menores, hotéis fazenda ou localizados em estradas (muito importante), esta situação não se verifica ainda.

Moreira: Atualmente alguns hotéis já ouviram conselhos de pessoas com deficiência e conseguem suprir nossas necessidades. Infelizmente há hoteleiros que não se preocupam com este público.

Passafaro: Se os hotéis não mudarem, eu tenho que me adaptar. Sempre viajo e noto que alguns empreendimentos tentam suprir as necessidades. As coisas estão muito melhores que antigamente.


Leonardo Mattos, deputado federal
pelo Partido Verde (PV)
(foto: pv.org.br)

HN: A infra-estrutura destes hotéis é suficiente para atendê-lo bem?

Mattos: Na maioria das situações eu preciso de alguém para me ajudar porque as adaptações não são feitas visando a atender um deficiente com certa autonomia. Apesar de haver norma para a padronização das adaptações, poucos a seguem por desconhecimento ou outro motivo, talvez econômico.

Moreira: Como eu consigo ficar de pé e me locomover – com dificuldade, mas consigo -, a vida em um hotel fica um pouco mais fácil que para outras pessoas.

Passafaro: Por eu ser cadeirante, muitas vezes preciso de ajuda para transitar de um espaço para o outro do hotel. Isso também acontece quando os banheiros são pouco adaptados.
 
“É um grande privilégio
ter vivido uma vida difícil”
(Indira Gandhi)

HN: Quais são as dificuldades encontradas para um portador de necessidade especial nos hotéis?
Mattos: Depende do grau da deficiência. Na minha situação, com lesão na T8, são a insegurança nos banheiros e a falta de comando das lâmpadas na cabeceira da cama.
Moreira: Como não existe um padrão específico para todos os deficientes, sempre há alguma carência em algum setor do hotel.

Passafaro: Às vezes o banheiro é gigante, mas falta segurança, e o espaço do quarto fica reduzido. Os pisos por onde transitamos também não são adequados, o que nos leva a ter dificuldades.  
 

HN: Com que freqüência que você se hospeda em hotéis?

Mattos: Viajo toda semana e passo pelo menos uma noite em hotel.
Moreira: Todo mês eu viajo para dar palestras e ainda arrumo tempo para fazer minhas viagens de aventura e lazer.

Passafaro: A média é duas vezes por mês, porém já viajei duas vezes na mesma semana para aplicar cursos para arquitetos, palestras e seminários.

 

HN: O senhor se sente tratado de maneira diferente dos outros hóspedes? 

Mattos: O tratamento não me parece diferente, apesar de desconhecê-lo com relação aos demais hóspedes.

Moreira: Antes de ser portador de deficiência, sou um ser humano. Às vezes sou tratado com mais atenção do que outras pessoas.

Passafaro: Diferente, mas sempre para melhor. A atenção é redobrada conosco e isso é muito de bom agrado.

 


Dadá Moreira fazendo um rapel
(foto: divulgação)

HN: Qual é sua sugestão para os hotéis? O que falta na estrutura e no atendimento?

Mattos: Padronizar seus acessos de acordo com as normas da ABNT. Penso que precisam também de um incentivo por meio de renúncia fiscal por parte do poder público para realizarem as obras.

Moreira: Dentro do site que criei são disponibilizadas algumas plantas sugestivas para hoteleiros e empresários. (Clique aqui para visualizar)

Passafaro: Como sou instrutor da ABNT para acessibilidades sustento todos nossos padrões de adequações, assim como a lei 10.098 decreto 5296/04 que define que 5% das UHs do hotel devem ser adaptadas.

 

HN: Como o senhor avalia uma viagem para um portador de necessidades? Desde o transporte, passando pela hospedagem, até as ruas.

Mattos: Talvez o transporte seja o principal gargalo de um cadeirante que deseja viajar. Mesmo que resolva ir de carro próprio, encontrará muitas dificuldades pelas estradas do país.

Moreira: A dificuldade está por todos os lados. É preciso ter muita força de vontade para conseguir se locomover considerando os itens questionados.

Passafaro: Avalio o Brasil como amador. Quando existe a facilidade para um, prejudica-se o outro. Nosso governo deveria entender que 15% da população, cerca de 27 milhões de pessoas, tem algum tipo de deficiência. 

 

HN: O senhor acredita que o país tem estrutura para receber uma para-olimpíada?

Mattos: Não. Quando realizamos os menores campeonatos de basquete em cadeira de rodas, por exemplo, não conseguimos encontrar cidades com estrutura para acolher o evento. Imagine uma para-olimpíada.

Moreira: Sim e em um futuro bem próximo, já que a experiência com o Para-Pan foi excelente.
Passafaro: Se todos os estados conseguirem adaptar sua estrutura, assim como os hotéis e os espaços de competição, com certeza. Caso contrário, não.


Edisson Passafaro durante uma de suas palestras
(foto: divulgação)

HN: Na sua opinião, qual é o melhor hotel e a melhor cidade para um deficiente visitar?

Mattos: Temos bons hotéis em Brasília, São Paulo, Rio e até Belo Horizonte. O difícil é conciliar preço e qualidade de hospedagem, transporte coletivo urbano e acessibilidade das vias. Uberlândia é uma ótima cidade para se visitar. Curitiba também.

Moreira: Ainda não encontrei um destino que possa avaliar como o melhor, mas o Hotel Campo dos Sonhos, em Socorro, no interior de São Paulo é muito bom mesmo. Existe um parque de esportes radicais próximo ao empreendimento, o Parque dos Sonhos, que conta com diversas atividades para nosso público.

Passafaro: Hotel não me recordo de nenhum, mas destino considero os Estados Unidos o melhor porque lá somos tratados com muito respeito e eles enxergam que as pessoas com deficiência representam uma possibilidade de mercado e lucros, já que quanto mais pessoas participarem da economia maior será o crescimento deles. Falo isso porque acabei de retornar de uma viagem chamada Rota 66, na qual desci no aeroporto de Chicago, aluguei um carro e dirigi por nove estados, cerca de 8 mil Km e 200 cidades, até Los Angeles e não senti dificuldade em nenhuma parada. Tanto nas cidades mais pequenas quanto nos hotéis de beira de estrada.
 

“Não acrescente dias à sua vida,
mas vida aos seus dias.”
(Harry Benjamin)

 

HN: Como é sua atuação na política em prol dos portadores de deficiência?

Mattos: Atualmente estou sem mandato. Tenho me dedicado à manutenção do basquete brasileiro porque sou presidente da Confederação Brasileira de Basquete. Tenho proposto ainda a realização de política de inclusão de deficiente a partir de sua própria residência. Estou desenvolvendo um projeto de adaptação de moradias de deficientes carentes e tenho considerado bem interessante.

Moreira: Já trabalhei junto ao Ministério do Turismo, com algumas prefeituras e hotéis. Desenvolvi diversos projetos e disponibilizo todas estas facilidades no meu site Aventura Especial.

Passafaro: Desenvolvi um projeto para a ABIH Nacional em 2006, mas ele não foi concretizado. No ano seguinte, um projeto mais maduro foi apresentado na abertura de um evento da entidade, junto à ministra do Turismo, porém ele não foi aplicado. Como não está sendo executado, continuo prestando assessoria para empresários interessados.
 

Cegos, surdos, mudos e pessoas com deficiência
.
Todos têm direito à qualidade de hospedagem

(imagem: toninelo.blogspot.com)
 

Responsabilidade, lembra?
Em 2007, durante a 49
ª edição do Conotel, a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH) apresentou sua intenção de iniciar um projeto de inclusão social junto ao mercado do turismo e da hotelaria. Você se lembra? Clique aqui para ler a matéria. No entanto, Passafaro, quem preparou o projeto, disse que este foi aceito, mas nunca implantado.
 
Questionados sobre o motivo desta saudosa iniciativa não estar em vigor, representantes da associação preferiram não se manifestar. Durante três semanas seguidas a redação do Hôtelier News procurou a direção da ABIH Nacional, porém não teve êxito.

Entramos em contato com o ex-presidente da associação, Eraldo Álvares da Cruz, que afirmou não ser ético falar sobre a instituição, já que, atualmente, é membro da Confederação Nacional de Comércio. No ano passado o executivo falou à nossa equipe e salientou que alguns esforços seriam promovidos a partir daquele ano. Clique aqui e leia a matéria.

 
Outro fato que nos levou ao questionamento deste projeto foi a declaração durante o Festival de Turismo de Gramado de 2007. Clique aqui e entenda.