A primeira vez que pisei no Anavilhanas Lodge foi há um ano, pouquíssimo tempo depois de sua inauguração. Dei de cara com um casal bonito e jovem, vindo de São Paulo. Estava aqui para relaxar como turista, mas foi difícil não fazer algumas perguntas. A idéia de uma reportagem ficou na minha cabeça.Fui embora, o tempo passou, mudei de país e eis que finalmente estou de volta aos solos amazônicos. Começo a escrever este texto de dentro do salão principal do hotel. Desta vez, estou aqui como jornalista – o Anavilhanas Lodge não poderia ficar de fora das páginas do Hôtelier News.

 

Por Karina Miotto

Vista do flutuante do hotel
(fotos: Karina Miotto)
 

Depois de três horas e meia de viagem, cheguei ao Anavilhanas Lodge. O hotel fica a 200 km de Manaus, faz parte do município de Novo Airão e está em frente ao Arquipélago de Anavilhanas, o maior arquipélago de água doce do mundo. Chover no molhado é dizer que o lugar é simplesmente maravilhoso.

 

Um dos passeios que podem
ser feitos: Praia do Tirica

Voadeiras, barcos e afins: meio de transporte oficial

O Rio Negro tem cor de chá mate!
Rio Negro. Ao fundo, Arquipélago de Anavilhanas
Em qualquer passeio que você fizer
em qualquer mata, lembre-se:
a beleza também mora nos detalhes
Encontrei esta flor em um cantinho da trilha. Ela me fez pensar sobre a beleza da vida… e da morte!

Arara, ave tão comum na imensidão amazônica
O boto-rosa é dócil. E muito, muito bonito
O que você vê?
Na Praia do Tiririca, um pássaro solitário na imensidão da floresta me leva para dentro de mim mesma
Os buracos mais negros na beira do rio são rastros de arraias
Precisamos mesmo proteger esta floresta…! Afinal, as próximas
gerações merecem ver o que vemos agora. Praia do Tiririca

O melhor de viajar a Amazônia é a própria Amazônia. Dizem que ela não é mágica, mas a magia…
Encontrei com Guto e Fabiana no final de minha estada. A pergunta que me veio à cabeça quando pisei aqui pela primeira vez não ficou esquecida: como tudo isso começou? O que leva um casal jovem como este a largar tudo em São Paulo para administrar um hotel de selva na Amazônia?
Antônio Augusto Orcesi da Costa Filho e Fabiana Caricati
Boaretto, mais conhecidos como Guto e Fabi
São Paulo, Pinheiros e boteco “pé sujo”, nas palavras de Guto, compunham o cenário do casal e de mais uma amiga que, cansados da vida corporativa, sonhavam com um algo a mais na vida, um negócio próprio. Guto e Fabiana se conheceram na faculdade e naquela noite pareciam ter encontrado a parceria ideal para criar algo inusitado no mercado. Mas o quê?
Flutuante do hotel, visto por outro ângulo. Nascia um sonho…
Este é o salão de descanso, onde dá para ver TV e usar
internet wireless
Tempos atrás, Guto havia viajado mais de 21 dias de barco na Amazônia, na companhia de um amigo. Pegaram o famoso “recreio”, barco onde os passageiros viajam ouvindo forró durante o dia e dormem em redes à noite. Tipicamente regional. Viagem raiz, para quem quer conhecer a Amazônia de verdade.

 

Durante a conversa no bar em São Paulo, a viagem voltou à memória e, como Guto mesmo diz, fez questão de “vender a idéia direitinho”. A amiga não virou sócia, mas o padrasto dele sim – ele é o único que mora em São Paulo.

Área da piscina com o Rio Negro lá embaixo, de fundo…
Bonito, né?
Cadeiras para tomar sol
Caminhada que vai da piscina às demais áreas

 

Não foi fácil começar. O casal enfrentou dificuldades desde as obras, que duraram nove meses ininterruptos para folgas a ambos. Os primeiros 60 dias de operação exigiram muita atenção, chegaram a passar por situações constrangedoras com hóspedes (“recebemos muitas críticas”). Isso sem contar a adaptação a um novo clima e à nova cultura.

 

Apesar de tropeços que todo bom caminho tem, dois anos e meio depois de um papo informal regado a cerveja, o Anavilhanas Lodge saiu do papel há um ano e meio para cair nas páginas dos principais jornais internacionais e no gosto de turistas.

 

Não somos fugitivos de São Paulo, gostamos da cidade. Eu queria ter essa proximidade com a Amazônia e ver de perto a relação entre o homem e a natureza. A Fabi veio comigo e hoje nós dois estamos felizes com a escolha que fizemos”, diz Guto.

 

É uma experiência muito realizadora, me sinto completando mais um desafio da vida. Não uso mais terninho e nem sapato social, tive a chance de ter meu próprio negócio, de conhecer outras pessoas, me reaproximei da natureza. Antes, tinha medo de barata. Hoje, poderia ter uma cobra. Cresci em todos os aspectos”, complementa Fabiana.

Com a recente contratação de um gerente geral, eles conseguiram mais tempo para o descanso e, como bons e jovens empreendedores (têm apenas 27 anos), já começaram a se perguntar qual será o próximo passo. Talvez a resposta apareça em uma nova conversa informal regada a cerveja, desta vez tendo como cenário uma noite estrelada em frente ao Arquipélago de Anavilhanas.

 

No caminho da sustentabilidade
A decisão de se tornar um hotel de selva diferenciado, cuja administração faz o que pode para ter opções e ações sustentáveis, foi uma das razões que levou o Anavilhanas Lodge às páginas do
The New York Times em setembro do ano passado. De acordo com Samuel, faz parte da filosofia do empreendimento seguir a trilha da sustentabilidade o máximo possível. O terreno de 49 hectares tem apenas 0,3% de área construída.

 

Nas estantes do salão de descanso,
encontramos livros sobre a Amazônia
Mesas para sentar, jogar, bater papo
No mesmo espaço, há um pequeno bar
Mais decoração regional

 

O hotel, inaugurado no começo de 2007, tem 16 quartos. Todos possuem ar-condicionado split, camas box, frigobar e varanda com rede. Nada de telefones ou televisão. De dentro do quarto, o único som possível vem de calangos e insetos.
Os quartos dividem-se em suítes para casal…
…como esta
E de solteiro

A decoração é similar, mas simples e de muito bom gosto

 

Mais importante: a madeira é certificada,
vinda de áreas de manejo
Os banheiros são muito simples
O lavabo fica separado da área
onde toma-se banho

Devido ao pedido de muitos hóspedes, somente mais quatro suítes (diferenciadas das demais) serão construídas. Guto, um dos proprietários, afirma que no total poderão haver no máximo 20 quartos e que não passará disso. “É melhor assim, pois não lota nem o hotel e nem os passeios. Desta forma, todos podem ser atendidos com muito mais qualidade”, completa Samuel Kruchin, gerente geral.

Vale lembrar que, em se tratando de hotéis de selva ou localizados em locais mais preservados que afirmam ser ecologicamente corretos, o termômetro mais rápido para saber se isso não passa de greenwashing é perguntar o número de quartos. Quanto menos, melhor. Aliás, conheci pessoas aqui que afirmaram ter escolhido o Anavilhanas Lodge justamente por esta razão. “Pude observar que o que eles falam, fazem. Como falamos em inglês, they walk their talk“, diz Joaquin Santos, um americano que veio de Los Angeles, Califórnia.

 
Os objetos de decoração são regionais
Como este aqui…

e o teto de palha de palmeira

 

Os quadros ficam na área do restaurante.
Aqui, vemos um indígena
Onça…
…e um objeto utilizado para certos rituais de tribos indígenas
Será que aqui vemos um jacaré?
E este, será que é uma arara?
Esta borboleta estava no meu banheiro!

 

O hotel trata o esgoto e possui fossas sépticas. Guto explica que a madeira utilizada para a construção do empreendimento veio de áreas de manejo para driblar o comércio ilegal, uma das causas do desmatamento da Amazônia. Há, também, separação de lixo orgânico e de materiais recicláveis. O empreendimento não recicla, mas doa restos de alimentos a um criador de porcos e os recicláveis a uma senhora, que revende o material. Ambos são de Novo Airão.

 

O Anavilhanas Lodge tem 20 funcionários fixos (18 nativos) e cerca de 10 esporádicos (todos amazônidas), cuja prestação de serviços varia de acordo com a ocupação – julho, agosto, dezembro, janeiro e fevereiro são os melhores meses, quando o fluxo de hóspedes gira em torno de 80%.

 

O valor da diária média é de aproximadamente R$ 400 para brasileiros e estrangeiros. A grande maioria do público é estrangeiro. Inglaterra lidera o ranking de visitas ao lodge. “Como o preço das passagens para a Amazônia é muito caro, temos a impressão de que os brasileiros não têm muito interesse em conhecer a região. Se houver uma promoção de viagem para Miami e outra para Amazônia, com certeza irão para o exterior. Talvez com a alta do dólar isso dê uma mudada, mas o destino Brasil, especificamente Amazônia, infelizmente não é muito valorizado pelos brasileiros” afirma o gerente geral Samuel Kruchin.

Samuel Kruchin

 

Atividades
Em três noites e quatro dias, participei de muitas atividades. Pude nadar com botos cor-de-rosa, conhecer a loja de artesanatos dos indígenas Waimiri Atroari, passear brevemente pela mata, percorrer de barco o arquipélago, fazer focagem de jacarés durante a noite, ir à praia Tiririca, fazer canoagem em igarapés do Rio Negro e visitar a comunidade Tiririca. Só não assisti ao nascer do sol às cinco da manhã do último dia por causa de uma inesperada tempestade gostosa e tipicamente amazônica.

 

Indo para a comunidade Tiririca

 

 
Na chegada, já é possível ter uma idéia
de como as pessoas vivem

Par de havaianas – super pequeninhas
Uma das casas da comunidade

 

O cachorro estava indo se refrescar,
caminhava entre o rio e a praia

 

O ritmo de atividades pode ser intenso – ainda bem que o cardápio das três refeições diárias é reforçado. A mistura de pratos regionais com não regionais gera uma alimentação leve e equilibrada. Não pesa no clima quente e, outro ponto importante, é sempre uma delícia e feita com capricho pela cozinheira Anaíza. Apesar disso, confesso, adoraria se tivesse tido a chance de provar o famoso açaí na tigela.
Por fora, os chalés são assim
Estas escadas dão no restaurante…
…que é aberto e super arejado

 

Mais cliques…
…do que foi dito acima

Naquele dia, a alimentação variada e leve veio parar no
meu prato: alfaces, baião de dois, lasanha de legumes,
empadão de ervilha e batata, cenoura e beterraba

 

No restaurante é proibido fumar (ainda bem!)

 

As atividades são feitas no intervalo entre as refeições. Os guias que conheci são bons e simpáticos. Ozi me ensinou como faz para pegar jacaré e, bem da ponta do barco, onde estávamos, comentamos o quanto apreciar a noite estrelada da Amazônia vale mais à pena do que pegar o próprio bicho.
Bem que o guia Ozi falou: o melhor do passeio da noite é a
própria escuridão às margens dos rios na floresta
O Ozi não me deixou perder a hora

 

O Raimundo teve a santa paciência de repetir mais de quatro vezes o nome de madeiras nativas que encontramos e que variam de cor em seu interior – branco (Marupá), preto (Itaúba), marrom (Amarelinho) e roxo (Roxinho).
José, Helinho e Raimundo

 

Helinho, companheiro de ida á praia Tiririca, me explicou várias coisas sobre arraias – quem pisar nelas vai tomar uma ferruada e lembrar da dor para o resto da vida. Para minha surpresa, ele achou uma camuflada na areia (foi a primeira vez que vi arraia) e me advertiu, sob sol de 40 graus, quando tudo o que eu mais queria era mergulhar: “aqui não é seguro para nadar”. Por causa disso, me levou para o meio do Negro, onde me refresquei sem notar que a correnteza me carregava 500 metros rio abaixo.
Helinho, guia que não me deixou mergulhar
(obrigada!)
A todos os colaboradores, obrigada!
Os demais colaboradores também são prestativos e atenciosos. Não tem como não se sentir em casa.

 

Impossível não se sentir grato. Momento perfeito
para agradecer, refletir, pensar em Deus

 

Dicas para aproveitar melhor os passeios

– Quanto menos pessoas por perto na hora de nadar com os botos no pequeno píer do restaurante flutuante, melhor. Não precisa ter medo dos botos, eles são muito dóceis.

 

– Vale a pena conhecer as lojas de artesanatos locais. Os preços são acessíveis, o turista pode voltar para casa com peças amazônidas e ainda ajudar moradores locais.

 

– Passeio pela mata só vale se o caminhante reparar nos detalhes. A Amazônia aparecerá de verdade aos olhos do bom observador.

 

– Passear de barco pelo arquipélago é muito melhor quando a mente se cala e o olhar e a alma se voltam completamente à beleza misteriosa da floresta.

 

– Focagem de jacarés à noite é interessante, mas gostoso mesmo é quando o barqueiro desliga o motor da rabeta. Bem-vindo à noite com céu estrelado, à sinfonia de insetos e ao perfume das flores.

 

– Dê-se um tempo para conversar com os moradores e nunca se esqueça de que é respeitoso pedir licença antes de fotografá-los. Afinal, você está na casa deles. Outra dica: se quiser ajudar a comunidade, o turista pode comprar artesanatos vendidos lá mesmo.

 

– Não há nada melhor do que nadar no Rio Negro. Aproveite a chance. Claro, olho aberto para não pisar em arraias.

 

– Vale à pena madrugar para assistir o sol nascer. Em passeios pela floresta, ouve mais quem fala menos. O silêncio é o melhor companheiro.


Serviço
Anavilhanas Lodge
Escritório em Manaus:
Edifício Manaus Shopping Center
Av. Eduardo Ribeiro, 520 – sala 304
CEP 69058-400
Tel.: 92 3622-8996
Fax: 92 3234-7679
[email protected]
www.anavilhanaslodge.com