Por Gabriela Otto*
 
Gabriela Otto
(foto: arquivo pessoal)

 
Seu mundo online foi invadido por sites de compras coletivas? Pois saiba que você não está sozinho.
 
Como estou orientando um TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) sobre o assunto e, assim como você, não consigo mais navegar um minuto sem me deparar com milhares de ofertas de 90% de desconto, resolvi falar (e desmistificar) os sites de compras coletivas. Eles são a inovação do E-commerce ou somente uma moda passageira?
 
Como funciona? É muito simples. Uma oferta (entre 50% e 90% de desconto) é anunciada e tem um número mínimo de compradores para ativá-la em um determinado período de tempo (geralmente 24 horas). Caso esse número não seja atingido, a promoção é cancelada e o pagamento devolvido. Por isso a denominação “compra coletiva“, e a necessidade de tanta divulgação. Começou a entender o porquê da enxurrada de publicidade na internet?
E a estratégia é sensacional, pois tira proveito de duas tendências de comportamento online:
1) Pesquisa por descontos e promoções
2) Participação em redes sociais
 
Histórico
Não é possível comentar sobre a história dos sites de compras coletivas sem falar do Groupon. A ideia saiu da deficiência de conexão que existia entre o comércio tradicional e a internet. O próprio nome já identifica como foi criada essa ponte: Groupon (group + coupon, algo como, grupo + voucher ou cupom).
Estou falando de um site criado em 2008 por um jovem de 29 anos (para variar…) e que deve faturar US$ 1 bilhão em 2011. Além disso, acabou de recusar uma proposta de compra milionária feita pela Google e já é considerado pela Forbes como a empresa que mais cresceu na história da web. Quem chegou mais perto foi o YouTube, que continua patinando para encontrar em forma de ser rentável.
O Groupon já bateu os 25 milhões de assinantes em 29 países e, mesmo já com 300 concorrentes, ele continua (de longe) sendo o maior.
Como ele ganha dinheiro? Simples: 50% de cada item vendido “fica” para o Groupon. Tentou fazer um cálculo rápido?
 
No Brasil
Em março de 2010 três jovens montaram o Peixe Urbano, copiando o modelo do Groupon aqui no Brasil. Já são 4,5 milhões de usuários, mais de 40 sites, estimativa de movimentar mais de 300 milhões por ano no mercado brasileiro e mais acessos que sites tradicionais de comércio eletrônico.
E, pasmem, os brasileiros gostaram tanto da ideia que já surge um novo site de compras coletivas a cada 15 dias no país.
Os maiores do país são:
1º) Peixe Urbano
2º) Clube Urbano
3º) Qpechincha
4º) Clickon
5º) Imperdível
 

(foto: 2.bp.blogspot.com)
 
Vantagens
Como disse o criador do Peixe Urbano: “Nós ganhamos a comissão, os clientes pagam menos pelo produto e os parceiros conseguem um retorno em larga escala para seus serviços ou produtos”.
 
Para o consumidor
– Usufruir de produtos e serviços que, em uma comercialização normal, não teria condições de comprar.
– Oportunidade de conhecer um serviço ou produto e, mesmo ficando decepcionado, não haverá a sensação de ter sido enganado (afinal, o preço foi muito baixo).
– A sensação de “ganho” que, entre outros fatores, compõe uma boa experiência de compra.
 
Para a empresa
– Abrangência de público na introdução um novo produto no mercado.
– Vender grande quantidade em um curto período de tempo.
– Usando a internet, é possível mobilizar o consumidor para conhecer fisicamente o estabelecimento.
– Com alguma diminuição calculada da margem de lucro, é possível trazer um público enorme – por um preço baixo de divulgação, se comparado com as propagandas tradicionais – que pode se tornar fiel, caso tenha boas experiências.
 
O que pode dar errado?
Vamos aos fatos… O site Reclame Aqui já possui um número considerável de reclamações das empresas que oferecem os serviços.
 
O grande apelo da compra coletiva é estimular a compra por impulso, pois os serviços e, principalmente, os descontos oferecidos, transmitem a sensação de algo “imperdível”, “compre agora”, “única chance”.
 
Na pesquisa para compor esse artigo, encontrei vários relatos de clientes de sites de compras coletivas, além de uma pesquisa interessante do site IDG Now!
 
Vejam alguns exemplos:
– Discriminação – Atendentes lidando com clientes do Peixe Urbano: “Esses peixes só dão trabalho”, “Vamos fazer um meia boca nesse peixe e tá muito bom”. Ou uma cliente que foi proibida de retornar à cadeira a qual ela iniciou o tratamento em um Spa Day porque ela era ‘peixe’.
 
Falta de contato – Não existe telefone para reclamações no Brandsclub, apenas um chat (com mais de 30 pessoas para serem atendidas ao mesmo tempo).
– Compra cancelada – Novamente foi com a Brandsclub. Simplesmente a empresa promoveu um produto e o estoque acabou.
 
Voucher perde a validade – Aconteceu com o Clickon. Uma consumidora em BH ligou para marcar seu horário em um salão de beleza e, como não havia mais horários e seu voucher venceria no dia seguinte, ela não recebeu pelo serviço que pagou.
Geralmente, os sites de compras coletivas, quando não conseguem resolver um eventual problema, devolvem o dinheiro. Porém, cada site tem suas próprias regras. Aliás, eles alegam que essas situações de descontentamento são exceções.

(foto: atualizado.com.br)
 
Os Sites de Compras Coletivas e a Hotelaria
Caso 1 – O próprio IDG Now! comprou um voucher de duas diárias em uma pousada no litoral norte de São Paulo. De acordo com o site, a oferta foi encerrada com 1.034 vendas. Uma semana depois, ao ser questionada por e-mail sobre datas para reserva em fins de semana, a pousada informou: “A promoção foi por diárias e não só fim de semana. No período em questão temos 36 fins de semana e 300 dias. Para fim de semana, só temos para promoção os meses de julho e agosto de 2011.” O voucher é válido até 23/8/2011 – daqui a 267 dias, portanto – e, até lá, eles terão que acomodar, em média, cerca de três ofertas por dia.
Caso 2 – O presidente do Clickon revelou em entrevista que colocou à venda uma diária de fim de semana em um chalé no interior de São Paulo. Cada cota custava R$ 80 e, em 24 horas, vendeu 7 mil tíquetes. Vou repetir: sete mil finais de semana! Nem peguei a calculadora para saber quanto tempo essa pousada receberá clientes do Clickon.
Bem, eu tenho algumas perguntas para esses hoteleiros:
1) Vocês “realmente” estão fazendo contas? Inclusive a “perda” (se houve) está sendo calculada?
2) Existe uma estratégia de Revenue Management por trás dessas ofertas?
3) Tais vendas estão atreladas ao seu planejamento de marketing?
4) Essa ação está dentro da sua estratégia de posicionamento de marca?
5) Você está calculando o retorno não só em receita, mas em fidelização e relacionamento de longo prazo com seu cliente?
Se você respondeu que sim a todas essas perguntas, vá em frente. Se não, veja alguns exemplos estudados pela The Wharton School (Índia) e publicado em um artigo excelente (único com uma visão mais ampla sobre o assunto).
 
Vamos fazer algumas contas:
Exemplo 1 – Você é um hotel e negocia com um site de compras coletivas (50% da sua diária é dele e 25% é para pagar seu custo operacional). Se você oferece 50% de desconto em uma diária de R$ 100,00 por exemplo, a venda seria de R$ 50,00 por cliente e o site de compras coletivas leva R$ 25,00, certo? Isso deixa o hotel com R$ 25,00.
Com esse tipo de “ganho”, em muitas empresas, isso é sinal que o negócio vai mal ou até estão perdendo dinheiro. Mesmo assim você acha que vale a pena uma perda (calculada) para divulgar seu hotel? Então vamos ao segundo exemplo:
Exemplo 2 – Você é um restaurante e, mesmo com muitos descontos e promoções, seu negócio não vai bem. Então, você acredita que um acordo com um site de compras coletivas vai te ajudar. Você sabe que pode existir perda (de receita), mas acredita que o fluxo de clientes vai compensar a perda a longo prazo.
Bem, se seu restaurante não tem uma boa reputação na cidade, você terá um “surto de caçadores de descontos” em busca de uma refeição barata e que nunca mais voltarão.
As questões aqui são: por que o mercado não sabe que você é bom se já está há tanto tempo no mercado? Por que você acha que os clientes vão cair de amores por você depois de uma promoção?
Será que um novo chef, uma decoração mais contemporânea ou um cardápio renovado não teriam um impacto mais consistente?
Mesmo que você não queira ter lucro e deseje só divulgar sua marca (como fez um hotel de luxo de Búzios que vendeu 700 pacotes de final de semana e somente “cobriu os custos”), não custa nada questionar algumas coisas antes: Tem certeza que esse é o seu cliente? Eles irão voltar pagando uma diária normal do seu hotel? Como seus clientes tradicionais e fiéis entenderão essa ação? 
Bem, pesquisas mostram que a maioria dos clientes dos sites de compras coletivas são “caçadores de descontos” e vão clicar no próximo voucher com a melhor barganha.
Hotéis de Luxo
Antes de tudo, lembrem-se que vocês vendem “personalização” e estamos tratando aqui de “escala”. Pensou na sua segmentação de mercado? No seu posicionamento de marca? Se coloque no lugar do seu cliente, do “embaixador” da sua marca. Será que nenhuma outra ação de vendas e marketing poderia resultar em um ganho financeiro e de imagem a médio prazo?
 
Educação do mercado
Os estudiosos de Wharton advertem: O que acontece quando os consumidores são treinados para esperar grandes descontos? Se não encontrarem um negócio atraente em um site, vão pular para o próximo. O resultado é a erosão da rentabilidade para os hotéis. “Você está treinando os clientes a fazerem coisas que não são atraentes para o seu próprio negócio”, disse David Bell, professor de marketing da Wharton. E ele ainda ressalta: “Acho importante as empresas não entregarem seu produto de mão beijada só por um ganho a curto prazo”.
 
O Futuro
Especialistas dizem que sites desse estilo precisam de uma boa marca e reputação. Provavelmente não serão todos que sobreviverão. Os consumidores vão escolher alguns bons sites para acompanhar ao invés de inscreverem-se em dezenas deles. Como todo negócio atual, os pequenos acabarão sendo adquiridos pelos grandes. Mas, o impacto na economia digital é profundo, isso não tem como negar.
 
Para terminar, gostaria de deixar claro que admiro a “sacada” dos sites de compras coletivas e o poder passando para as mãos dos clientes cada vez com mais força. Ao mesmo tempo, acho importante alertar os hoteleiros para não se perderem na ilusão do ganho a curto prazo em detrimento de um trabalho de qualidade e estratégia de longo prazo. Aproveitem todas as oportunidades do mercado, inclusive os sites de compras coletivas, mas com ESTRATÉGIA, RISCO CALCULADO e muito PÉ NO CHÃO, ok?!
 
Um abraço e boas vendas!
 
* Gabriela Otto é Diretora de Vendas e Distribuição da Rede de Hotéis de Luxo Sofitel para a América do Sul, Professora de Hotelaria do SENAC, MBA em Gestão de Hotelaria de Luxo na URM e do MBA de Marketing da Rio Branco. Também mantém o Blog Propagando o Marketing e é Consultora de Luxo.