Adeus, Rua Augusta!
Como foram as últimas horas de funcionamento
do hotel Caesar Park São Paulo, fundado em 1976

Claudio Schapochnik – texto e fotos

Na última sexta-feira, dia 7 de novembro de 2003, o Caesar Park São Paulo, ícone da hotelaria paulistana de luxo, fechou definitivamente as portas após 27 anos de funcionamento no número 1.508 da tradicional rua Augusta. Tinha 173 apartamentos e três suítes.
Luis Calle, diretor de Vendas para a América do Sul do Grupo Posadas, proprietário da marca Caesar Park, disse que a decisão do fechamento ?está vinculado ao processo de expansão da empresa no Brasil e à busca da sintonia com os nossos clientes?.Fundado em 1976, o hotel foi o primeiro de categoria luxo a ultrapassar os limites do centro. A abertura do empreendimento pode ser analisada ainda como o início da hotelaria de luxo da região da avenida Paulista, de onde ficava a apenas uma quadra e meia. O outro cinco estrelas, o Maksoud Plaza, localizado na alameda Campinas (a uma quadra da Paulista), só iria ser inaugurado três anos depois do Caesar Park, em 1979.
O novo Caesar Park São Paulo volta a operar em um novo endereço, a rua das Olimpíadas, na Vila Olímpia (zona sul), em maio de 2004. Leia a seguir como foi o último dia de funcionamento do Caesar Park São Paulo.

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Prédio que abrigou o hotel: mercado diz
que será de uso residencial

Cheguei no hotel às 14h45. Alguns minutos antes, tinha acabado de fazer fotos do prédio e do emblemático ícone do hotel ? que reproduz o capacete dos antigos soldados romanos. Entre uma foto e outra, a constatação de que nem tudo mudou em 27 anos de operação do hotel. Os tróleibus (ônibus elétricos) continuam a passar em frente do hotel nas duas faixas da rua Augusta.
Assim que entro no lobby, me dirijo à recepção e pergunto pela Cláudia Coelho, que iria me acompanhar para fazer o último site inspection. ?Ela ainda não chegou, senhor?, disse-me uma das recepcionistas. ?Tá ok. Vou aguardar, então. Obrigado?, respondi.
Sentei-me em uma das cadeiras do lobby e comecei a recordar de várias passagens do hotel como um filme. Na entrada, lembrei-me da última reportagem. Era para cobrir a Festa Julina do Grupo Posadas no ?arraiá? em Guarulhos para o Hôtelier News. Os ônibus que levaram os agentes de viagens e jornalistas saíram em frente ao Caesar Park


Logo da marca: tradição hoteleira que
conquistou brasileiros e estrangeiros

Entrada do Caesar Park, na movimentada
rua Augusta, com bandeiras de países

No lobby propriamente dito recordei de dois eventos que participei entre 1994 e 1997. Nunca me hospedei no hotel. Vinha apenas em eventos culturais e a trabalho, como jornalista. Um desses eventos foi um coquetel de abertura da exposição do talentoso pintor Gregory Fink. A outra lembrança foi a inauguração do restaurante árabe Mandalum. É… O Caesar Park já teve uma casa árabe no lobby. O Mandalum, que funcionava na região dos Jardins, fechou as portas e veio para o hotel. Houve coquetel e exibições de dança do ventre.
No local também entrevistei o então gerente geral Dagoberto Alves da Silva, em 2000. Trabalhava no então site Hotel News ? Noticiário Hoteleiro Online. Hoje o profissional é o gerente geral do Holiday Inn Parque Anhembi, que abre no primeiro trimestre de 2004, também em São Paulo.
Entre essas imagens, um fato me chamou a atenção. De fato, o clima era de fim de festa. Entre um atendimento telefônico ou a um hóspede, as recepcionistas ?desapareciam? atrás da parede da recepção e o flash da máquina fotográfica disparava. Houve isso várias vezes. Era a importância do registro, do trabalho, do companheirismo, do local de trabalho.


O mensageiro João Mello entre as
recepcionistas Bianca Castiglione
Maria Rita Mulinari: idéias e planos

Check-out de um dos últimos hóspedes

Retorno à recepção e pergunto novamente pela Cláudia Coelho. ?Senhor, ela ainda não chegou?, falou-me a recepcionista. ?Está bem, vou continuar a esperá-la?, disse.Nessa altura já comecei a conversar com os mensageiros e as recepcionistas. ?Esse foi o primeiro dos cinco estrelas da cidade, é um prédio que tem muita história?, contou-me João Mello, mensageiro havia um ano e dois meses. ?A gente se apega muito, é a nossa segunda casa?, completou num tom melancólico


O lobby do hotel: local de festas, coquetéis,
vips e até um restaurante árabe – Mandalum

A joalheria Amsterdam Sauer que, como
o hotel, tinha o atendimento em japonês

Ao mesmo tempo, Mello já fazia planos. ?Talvez vou para Buenos Aires estudar espanhol ou trabalhar num hotel do Grupo Posadas em Cancun, no México. Vou saber a resposta ainda hoje. A recepcionista estagiária Bianca Castiglione, havia três meses no hotel, tinha certeza no que iria fazer. ?Vou para a Disney, onde já me chamaram, e vou ficar três meses?, afirmou.
O Caesar Park São Paulo foi o primeiro emprego de muitas pessoas. Entre elas a recepcionista Maria Rita Mulinari. ?Entrei em março deste ano e foi o meu primeiro emprego profissional e na área hoteleira?, disse ela com alegria. ?Vou querer trabalhar no Caesar Business Paulista, em março do ano que vem?, revelou.

Última tabela de câmbio do hotel

Moeda
Compra
Venda
Dólar (US$)
2,73
2,88
Libra
4,55
Euro
3,08
Yen
0,02

Fonte: Caesar Park São Paulo.

No bar Chariot: contando a última caixinha ? Com a chegada da Cláudia Coelho, me apresentei e disse que queria fazer fotos dos ambientes do térreo. Ela autorizou e assim entro no bar Chariot (carrinho, em francês). Que tristeza! Nenhum freguês, nenhum hóspede, nenhum músico. Apenas dois simpáticos funcionários no ambiente pouco iluminado pelas arendelas acesas. No bar, as prateleiras ainda estavam cheias de garrafas. ?Cumé, ainda tem Wersteiner??, perguntei. ?Tem sim, senhor?, respondeu-me o garçom Jorge, aliás, Josinaldo. ?Jorge foi o apelido que me deram?, explicou.


O garçom Josinaldo, que era chamado de Jorge,
simulando a retirada de um chopp Wersteiner
no bar Chariot

Também no bar Chariot, o garçom Vilson Luzini
da Silva contou a última caixinha

Jorge trabalhava havia cinco anos e nove meses. Entrou com 22 anos no hotel. Ele vive há dez anos em São Paulo e veio de Pernambuco. ?Estou triste, pois fiz muitos amigos aqui e aprendi muito, aqui a gente aprendia de tudo?, contou ele. Perguntei quem ele já tinha servido de gente famosa. Ele abriu um sorriso e começou a dizer: ?já atendi o José Sarney [grande habitué do Caesar Park], a Xuxa, a Thalia (cantora colombiana), a Marta Suplicy e a Fernanda Montenegro?.
O garçom disse que José Sarney é ?um homem muito simples e educado?. De Fernanda Torres, disse que adorou conhecer a atriz e elogiou a atuação em Central do Brasil. ?Ela é super simpática e parecia que eu a conhecia há muito tempo.?
O outro garçom que estava no Chariot era Vilson Luzini da Silva. Ele estava contando as moedas e as notas da última caixinha do bar. ?Esse aqui é o nosso ganha-pão?, disse ele se referindo à preciosa gratificação que, muitas vezes, deixa o salário oficial de muitos garçons no chinelo. Perguntei há quanto tempo ele trabalhava lá. ?Vou fazer três anos no dia 6 de dezembro?, respondeu Silva. Iria.
Ainda no Chariot, o garçom Jorge viu uma pessoa passar pelo corredor que dava para o restaurante Le Caesar. ?Esse é patrimônio da casa!? Ele falava do maître Eladio de Souza.
No restaurante Le Caesar ? Fui ao salão onde ainda funcionava o restaurante Le Caesar. Já estava praticamente desmontado. Lembrei-me de ter ido a um lançamento de um livro sobre a cozinha da Máfia e saboreado, há alguns anos, um delicioso brunch. Os últimos a almoçarem por lá foram o gerente de Operações, Maarten Van Sluys, e os diretores da Amsterdam Sauer, Vitor Botelho e Giovanni Rossini. A grife de jóias tinha uma loja no lobby


O stewart Genival preparando o rechaud para
a última confraternização dos funcionários

Restaurante Le Caesar desmontado: espaço da
alta gastronomia deixou de existir

Conversei com o Genival, com dois anos de casa, que colocava um réchaud. Mal conseguia dizer algo. ?Tá difícil de falar, dá um aperto no coração.? Depois fui à cozinha. Muita gente estava por lá. Os funcionários da área faziam e fritavam salgadinhos. Haveria uma festa de despedida. O clima era ao mesmo tempo de melancolia e de alegria


O pessoal da cozinha preparou sanduíches e
salgadinhos para a festa de despedida

Pessoal que preparava diariamente as refeições,
do restaurante e do room service do hotel

Maître Eladio, patrimônio da casa ? Voltei ao salão e vejo o maître Eladio, de 46 anos e natural de Tauá, no Ceará. Fomos ao Chariot para conversar. Não era a toa que o garçom Jorge disse sobre ele ? ?patrimônio da casa?. Perguntei há quanto tempo está na casa. ?Amanhã, faria 26 anos de Caesar Park. Entrei no dia 8 de novembro de 1977, um ano depois de aberto.? No dia do fechamento, ele era o funcionário mais antigo do hotel.


Maitre Eladio simulando o atendimento no
Le Caesar

O mais antigo da casa: o maitre Eladio completaria
27 anos de Caesar Park no dia seguinte ao
fechamento


Perguntei como estava o coração dele. ?Está apertado, o hotel hospedou muitos vips, foi o melhor de São Paulo por muito tempo e faz parte da história da cidade?, afirmou Eladio, com emoção. ?Não era um hotel que tinha muito lazer, mas tinha sim muito serviço, as pessoas se sentiam em casa graças ao calor humano?, completou.
Ele entrou no hotel como ajudante de garçom, depois garçom, chefe de fila, segundo maître e primeiro maître ? nesse posto desde 1987. ?Aqui em São Paulo conheci minha esposa e tivemos dois filhos, Rodrigo e Eluana?, afirmou, com os olhos marejados.
Eladio também se lembrou dos vips que atendeu. O primeiro nome que veio à memória é o do cantor e compositor Roberto Carlos. ?Ele foi o que mais me emocionou. Uma vez, ele ficou 15 dias na suíte 801 e servia todos os dias o almoço dele?, recordou. ?Ele não chamava a gente pelo nome, mas sim de ?cara? ou ?bicho?, tipo ?o bicho, me traz uma água por favor?. Pelo privilégio de atender o ?Rei?, os colegas de hotel do maître sempre pediam para ele levar discos e fitas para que Roberto as autografasse. E ele levava, ?e o Roberto autografava?.
Outra pessoa de sua lembrança foi o ex-presidente João Figueiredo, que governou de 1979 a 1985. ?Fui escolhido para servi-lo. Era o garçom exclusivo das três refeições e fiz até um crachá da segurança dele para ter acesso à suíte?, lembrou Eladio. ?O Figueiredo não era como na TV, mas sim uma pessoa sem frescura, simples. Gostava de suco de pitanga, bife com fritas ou legumes e sopas.?
O profissional relembrou com carinho de outro ex-presidente, José Sarney. ?Vai ficar na saudade?, disse. Há também o empresário Emílio Odebrecht. ?Havia uma relação de confiança com ele, que sempre me perguntava o que há de bom para comer e beber, sem pedir o cardápio.?
Outra pessoa, habitué do Le Caesar, que ficou na saudade de Eladio, é o rabino Henry Sobel, presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista (CIP). ?Há dois dias ele veio jantar aqui e adora tomar guaraná com rodelas de laranja?, contou. ?Ele é um ser humano maravilhoso. Sempre que me via, me abraçava, e freqüentava o restaurante há muitos anos.?
Na cobertura ? Depois desse bate-papo emocionante com o maître Eladio, acompanhado pelo mensageiro Marcio Alexandre Rosa, havia um ano e oito meses no hotel, fui à cobertura. Lá estava a área de lazer do Caesar Park ? saunas, piscina, sala de TV e o antigo restaurante japonês Mariko, que marcou época na cidade. Só o conhecia de nome, pois na época de funcionamento ainda não conhecia as iguarias japonesas.
Não deu para visitar nenhum apartamento. Os que estavam desocupados, já haviam sido desmontados. Ficou na lembrança a sala de estar e a sala de jantar da suíte presidencial, local da entrega de um prêmio aos melhores parceiros do Grupo Posadas de 2002. Naquele evento revi dois amigos. Um foi o Eduardo Camargo, que na época ocupava um cargo na área de Vendas do Grupo Posadas. Ele já havia atuado no Crowne Plaza São Paulo, foi gerente geral do L? Hotel e do Radisson São Paulo, trabalhou na Anhembi Turismo e Eventos da Cidade de São Paulo, na gestão de Eduardo Sanovicz, e há alguns meses está na rede Slaviero, do Paraná. O outro foi o Ricardo Ramirez, expert em informática e sistemas. Trabalhei junto com ele no Instituto Internacional de Hotelaria e Gastronomia (IHG), entidade criada pelo hoteleiro e consultor Celso Martinelli que já fechou as portas


A piscina do hotel ficava na cobertura,
junto ao fitness center

Entrada do antigo restaurante Mariko, de
gastronomia japonesa, também na
cobertura

Bem, e os apartamentos que estavam arrumados, ainda tinham hóspedes e, por isso, não foi permitida a entrada. No primeiro andar, estava o business center e as salas de eventos. Naquela sexta-feira, houve um último evento. A sala maior estava em formato ?U?. Tudo vazio.


O último evento anunciado nas dependências
do hotel foi da Unilever

A área de eventos ocupava todo o primeiro andar

Lembrei-me de um evento do Grupo Posadas, em 2002, que vim cobrir para o Jornal Panrotas. Era um workshop dos hotéis do grupo em todo o País. Foi bacana porque também falei ao telefone com o Marcelo Pretti, gerente geral do Caesar Business Lagoa dos Ingleses, em Nova Lima (MG). Estava justamente no estande do hotel dele. Grande profissional, o conheci quando ele gerenciava o então Sol Bienal, da rede Sol Meliá, na avenida Sena Madureira, em São Paulo. Também reencontrei, pessoalmente, a Catia Bandeira. Ela ficou pouco tempo no Caesar Park São Paulo. A conheci quando ainda trabalhava no Grupo Pão de Açúcar, em 1999. Hoje, a competente Catia é gerente nacional de Vendas do SuperClubs Costa do Sauípe.

Última tabela de tarifas-balcão*
Apartamento superior
R$ 436
Apartamento luxo
R$ 495
Suíte júnior
R$ 703
Suíte executiva
R$ 755
Suíte presidencial
R$ 1.320
Suíte imperial
R$ 5.001

*Todos apartamentos DBL
Fonte: Caesar Park São Paulo.

Música, salgadinhos e lágrimas ? Eram quase 16 horas quando a festa de despedida dos funcionários começou no salão do Le Caesar. Alguns funcionários ainda estavam de traje de trabalho e outros não. Muita descontração, salgadinhos no réchaud, refrigerante e cerveja.


O mensageiro Marcio Alexandre Rosa
carregou muitas bagagens

Uma foto atrás da outra na festa dos
funcionários: para recordação

Os flashes das máquinas fotográficas não paravam de disparar. A personagem Darlene, da novela Celebridade, interpretada por Déborah Secco, iria adorar se estivesse por lá. Os funcionários não se cansavam de fazer poses. E nessas ocasiões que surgiam os abraços e, muitas vezes, as lágrimas rolavam soltas.
Acho que os funcionários mais sentiam não era, em primeiro lugar, a perda do emprego. Pelo clima de amizade que estava no ar, o que mais eles sentiam era a possibilidade de aquele time não estar mais junto.


O gerente operacional Maarten Van Sluys
entre duas funcionárias: despedidas

Não faltou nem violão na festa de
despedida dos funcionários

Ainda fui à loja da Amsterdam Sauer e registrei as duas últimas funcionárias ? Marina Doyu e Dinah Ko. Marina, como fez questão de frisar, é uma vendedora fluente em japonês. A língua japonesa foi muito importante no Caesar Park. O hotel sempre recebeu hóspedes japoneses e, nos áureos tempos, o staff fluente em japonês era bem grande. ?Nesse ultimo dia, a senhora vendeu alguma jóia??, perguntei à Marina. ?Ainda não, mas o senhor vai comprar uma agora, não vai??, respondeu com outra pergunta, sorrindo para mim. ?Não, obrigado. Infelizmente não dá nesse momento.?


Cena da última festa: final de um marco
na hotelaria de São Paulo

Bem, era hora de voltar à Redação do Hôtelier News. Nesse momento, Eladio voltou com uma verdadeira relíquia para mim. Tinha pedido um cartão e ele me trouxe um que tem muitos anos. Ainda trazia o número de telex e o nome ?Westin Hotels & Resorts?, rede que o hotel integrou ? depois é que o empreendimento passou a fazer parte da rede Caesar Park, administrada pela dama da hotelaria brasileira, a empresária Chieko Aoki.
No cartão também está o logo da The Leading Hotels of the World, entidade que o hotel fez parte por muitos anos. Trata-se de um presentão para quem adora estudar e escrever sobre hotelaria. Agradeci o Eladio e o Maarten Van Sluys e fui embora, em direção à avenida Paulista.
Fiquei sabendo que o último hóspede deixou o hotel às 21 horas. E o prédio, até um pouco antes de maio de 2004, continua como escritório corporativo do Grupo Posadas no Brasil. E que, dizem, a construtora InPar comprou o edifício e vai transformá-lo em um prédio residencial.