Caio Sergio Calfat Jacob
(fotos: Juliana Albino)
 
Há mais de 20 anos atuando no setor imobiliário e hoteleiro, Caio Sergio Calfat Jacob, coordenador da área de Empreendimentos Hoteleiros e Imobiliário-Turísticos do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP) e fundador da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Nordeste Brasileiro (ADIT-NE), é o idealizador do livro 100 Anos de Hotelaria e Turismo no Brasil, do Hotel Avenida aos Resorts do Nordeste, que deve ser lançado nos próximos meses.
 
Calfat é formado em Engenharia Civil, pela Universidade de Mogi das Cruzes, e atua como professor de Análise de Projetos de Hotéis e Resorts, do curso de Especialização em Desenvolvimento Imobiliário, da FUPAM-USP, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP; o executivo também é professor de Planejamento e Desenvolvimento de Empreendimentos Hoteleiros, do curso de Especialização Lato Sensu de Gerenciamento de Empreendimentos da Construção Civil, na Universidade Mackenzie; além de estar à frente de sua consultoria Caio Calfat Real Estate Consulting.
 
O autor dos 100 Anos de Hotelaria, desenvolveu um capítulo especial para a hotelaria do centro de São Paulo, e aponta que em 1890, a população da cidade era de 65 mil habitantes e cinco anos depois chegava aos 130 mil. No ano de 1900, alcançava o patamar de 240 mil habitantes com a vinda de imigrantes. O crescimento começou acontecer vertiginosamente e atualmente já temos 11 milhões de habitantes, 410 hotéis e um pouco mais de 42 mil apartamentos.
 
“O meu objetivo foi lançar um livro relatando sobre os progressos, por qual passou a hotelaria do País. O capítulo em especial dedicado à hotelaria do centro paulista, aborda um paralelo da evolução dos hotéis que foram surgindo ao longo do século até os dias de hoje, desde o desenvolvimento urbano da cidade, econômico, político e arquitetônico”, declara.
 
Ele ainda acrescenta, “esta é uma forma de mostrar o quão importante era a hotelaria que se concentrava na região central, e o quanto representou no progresso da cidade, e que atualmente encontra-se em processo de revitalização realizado pelo governo e  iniciativa privada. Salve algumas redes que investem no centro como é o caso da Accor, Bourbon, dentre outras que já enxergam um novo potencial da região”, enfatiza.
 
Para conhecer um pouco mais sobre Calfat, acompanhe abaixo a entrevista com o consultor.
 
Por Juliana Albino

 
Hôtelier News: Como se projetavam os hotéis do século passado, na cidade de São Paulo?
Caio Calfat: No início do século os empreendimentos contavam com 40 a 70 apartamentos, em um estilo que incorporava a arquitetura francesa e inglesa. Um fato curioso é que nas acomodações não existiam banheiros, esses por sua vez eram comunitários.
 
Em meados de 1810, a área econômica e hoteleira da cidade se concentrava na Rua Direita e 15 de Novembro, onde todo o comércio era projetado na região. No ano de 1853 surgia o primeiro hotel da cidade, denominado de Hotel Palm, situado no Largo São Francisco, ele foi construído de tijolos, e deve ter sido um dos primeiros edifícios de alvenaria da cidade.
 
O Hotel Palm se destaca no centro do vilarejo

(fotos antigas: arquivo pessol/Caio Calfat)
 
HN: É possível fazer um panorama histórico da evolução hoteleira do centro, do início do século até os anos 50?
Calfat: São Paulo até 1890, era uma cidade provinciana de 65 mil habitantes, 10 anos depois já tinha 240 mil habitantes. Nesta época, o centro acoplava restaurantes, cafés, bares e hospedagem, e atraia um enorme fluxo de pessoas por ser uma das principais rotas para o Porto de Santos, o que contribuia muito para hotelaria da época.
 
Abaixo aponto algumas datas importantes para a hotelaria paulistana:
 
1878 – Surge o Grand Hotel, na Rua São Bento. Este empreendimento no início do século foi considerado como um dos melhores do País, recebendo diversas personalidades.
 
1901 – É inaugurada a Estação Ferroviária da Luz, e os hotéis começam a surgir no entorno da estação, como o Grande Hotel da Paz, Grande Hotel Paulista (um dos mais luxuosos da cidade, com
banheiro de águas aquecidas, que fugia aos padrões da época), ambos na Rua São Bento, como também o Hotel Suisso, no largo Paissandú, sem contar com o conjunto hoteleiro construído no entorno da Rua Mauá, próximo à estação.
 
Grande Hotel São Paulo, na Rua São Bento
 
 Este era um dos hotéis situado próximo a Estação da Luz 
 
1911 – Surge o Teatro Municipal, um marco na vida cultural da cidade, e em 1915 acontece a construção do Hotel d’ Oeste, no Largo São Bento, que funciona até 1955, quando é demolido para ampliação da Rua Boa Vista. A esquina da Rua São Bento na época era um local muito importante do ramo hoteleiro.
 
1923 – O Hotel Esplanada foi símbolo do apogeu da era do ouro e café, os principais produtos econômicos da época. Durante 30 anos este hotel tornou-se referência e ponto de encontro de políticos, artistas, reis e rainhas, mas foi fechado em 1957.
 
Lord Hotel, que futuramente seria o San Raphael
 
1929 – A inauguração do Edifício Martinelli, que abrigava o Hotel São Bento, projeto do húngaro William Fillinger, que construiu sua casa no topo do edifício, com 1.267 dependências incluindo salões, apartamentos, restaurantes e cassinos.
 
Anos 40
Inaugurados o Plaza Marabá Hotel (1940), Hotéis Lord (1942), atual San Raphael; Hotel Excelsior (1943); Hotel São Paulo, o primeiro empreendimento da família do grupo Othon na cidade; além da criação da ABIH-SP. 
 
 
HN: A partir dos anos 50 em diante, como figuravam os empreendimentos, e quais as evoluções até os dias de hoje?
Calfat:  Com a verticalização dos prédios do centro e a influência de Le Corbusier, os novos projetos atendiam a esta demanda por edifícios altos, grandes vãos livres e pilotis, e os projetos dos hotéis acompanhavam esta tendência.
 
Em meados de 1954, foi construído o principal hotel da década, que é o Hotel Jaraguá, situado na 186 apartamentos foi uma das referências nas duas décadas seguintes.
 
Daí também surgem o hotel Ca’d’Oro, o primeiro cinco estrelas da cidade, e nos anos 70 o São Paulo Hilton Hotel, que foi um dos últimos hotéis de luxo do centro da cidade; e também Hotel Eldorado, Hotéis Castelar e Hotel Nobilis.
 
HN: Quando de fato acontece a migração do segmento hoteleiro do centro para outras regiões da cidade?
Calfat: Com a ascensão das novas regiões que passaram a concentrar o centro financeiro da cidade, como as avenidas Paulista, Faria Lima, e recentemente a Berrini, passa acontecer o surgimento de hotéis como Novotel Morumbi (1977), o primeiro a se instalar na zona sul da cidade, e depois com a operação do Maksoud Plaza, na avenida Paulista, acontecia o prenúncio da mudança do parque hoteleiro da região. 
Até 1980, muitos hotéis ainda se concentravam no centro, mas já havia indícios de degradação urbana, o que provocou, por décadas, o êxodo de moradores para os bairros mais afastados, a desocupação dos escritórios e comércio e a conseqüente queda de qualidade nos tipos de hóspedes e dos hotéis da região central. 
  
HN: Depois desse panorama histórico, e vindo agora para os dias atuais se constata uma reformulação do centro. Alguns hotéis estão tendo um retrofit completo, e redes voltam a explorar a  região. Este é o início da reurbanização da hoteleira central?
Calfat: Já temos registro de alguns hotéis que passaram e estão passando por reformulações. A exemplo, o Pergamon, na Rua Frei Caneca, que acabou de investir na modificação de seus apartamentos e áreas úteis; assim como o Hotel Ca’d’Oro, na Rua Augusta, que terá parte de sua estrutura abrigando um prédio de uso misto (comercial e hoteleiro), onde os primeiros 18 andares serão compostos por 396 salas de escritórios, e os outros 10 andares superiores de um hotel de 153 apartamentos.
 
 
Um outro exemplo é o Hotel Marabá, que desde a fachada até os apartamentos, e cinema, situado na parte debaixo do prédio passou por um processo de repaginação, e trouxe novamente para a região da avenida São Luís, que ainda se mantém como ícone do turismo paulista, uma esperança de que o processo de melhoria urbana no centro está acontecendo de forma gradativa, mas com qualidade.
 
Vale ressaltar, que todas as redes que trabalham com a hotelaria econômica e midscale tencionam ter um hotel no centro da cidade; inclusive temos realizado consultorias para investidores e redes hoteleiras para projetos nesta região, o que não ocorria há alguns anos. Além disso, outros pontos centrais, como a Rua Anhandava, onde estão localizados restaurantes como a Famiglia Mancini, foi totalmente reurbanizada e tem trazido turistas e um novo movimento para o centro. 
 
 
 
HN: Na sua opinião as ações do governo tem sido pertinentes para sanar os problemas da região?
Calfat: Acredito que muitas ações tem sido realizadas, mas muito isoladamente e pontuais. Precisamos de um planejamento urbano na região e pensando no centro de uma forma macro, já estamos  no início de recuperação, que precisa ser ampla e mais rápida. 
 
Uma das ações do governo, que finalmente devem sair do papel é o Projeto Nova Luz, que tem como objetivo nos próximos 10 anos ter a região da antiga ‘cracolândia’ revitalizada, com construção de empreendimentos residenciais, comerciais, shoppings centers, hotéis, boulevares, polos culturais, entre outros atrativos.
 
Dentre os pontos negativos, destaco o aumento do número de moradores de rua – cujas soluções de abrigo o governo precisa apresentar – e os assaltos, ainda em grande número, cuja solução também fica a cargo de órgãos públicos. Estas ações são extremamente necessárias e a viabilidade de um novo centro passa pela realização de ações que visem as soluções para estes problemas.
 
HN: Como focar a qualidade e não a quantidade no número de hotéis para a Copa?
Calfat: Mais do que quantidade, o nosso maior problema é a qualidade. O parque hoteleiro de São Paulo com seus 42 mil novos ou renovados apartamentos, e projetados novos 30 mil UHs, pode suprir tranquilamente a demanda do evento.
 
Já o Rio de Janeiro que possui 30 mil acomodações, dos quais – ao meu ver – sete mil são de boa qualidade e o restante é formado por unidades em hotéis velhos e em mau estado de conservação. Os cariocas precisam, urgentemente, desenvolver alternativas para suprir a demanda da Copa e Olimpíadas.
No Nordeste não existe acomodações suficientes em nenhuma das cidades sede da Copa, assim como Belo Horizonte (MG) que está oferecendo nova legislação municipal, com o objetivo de incentivar a construção de hotéis.  
 
HN: Para onde caminha a hotelaria nos dias de hoje?
Calfat: Prossegue para a profissionalização, não mais amadora e familiar. Os grandes grupos hoteleiros de todo o mundo estão de olho no Brasil e veem com formação da mão de obra qualificada internacional, produtos adequados e serviços profissionais.
 
Falamos de uma nova história na hotelaria brasileira, que daqui alguns anos será como os Estados Unidos e Europa, com redes como Hilton, Hyatt, Marriott, Choice, Sheraton, NH, Meliá, Accor, explorando cada vez mais o mercado do País inteiro, em todas as capitais e principais cidades de todos os estados brasileiros. 
 
E os hotéis familiares vão ter que oferecer algo diferenciado sem perder a sua essência. Hoje não dá para ter um hotel sem uma TV de LCD 32″, fechadura eletrônica, ar-condicionado split, aquecimento central, tratamento acústico e sonoro, proteção contra incêndio, entre muitos outros itens. Os pequenos meios de hospedagem precisam se adequar ou serão engolidos pelas redes.
 
 
HN: O que um investidor hoteleiro busca quando prospecta uma região para atuar diretamente? 
Calfat: No segmento econômico, as redes buscam investimentos em cidades do interior de estados em desenvolvimento, com economia forte em exploração de petróleo, mineração, agroindústrias, parques industriais ou empresariais. Na categoria midscale, há as cidades médias com economia forte mais diversificada. E no segmento de luxo, algumas das melhores capitais brasileiras podem receber unidades com grande número de apartamentos
 
HN: Com todos os envolvidos no segmento turístico e hoteleiro podem ajudar na capacitação do setor?
Calfat: De alguma forma temos ajudado no aprimoramento do segmento. No Secovi-SP trabalhamos há vinte anos o Projeto Ampliar, onde trabalhamos diretamente com adolescentes em condição de risco, que ao sair das ruas apreendem uma formação hoteleira e podem atuar no segmento futuramente.