Igreja de São Francisco de Assis, um dos
pontos fortes do turismo de Ouro Preto
(fotos: Neno Vianna / divulgação Assessoria
de Comunicação de Ouro Preto)

 
A famosa arquitetura colonial de Ouro Preto, cidade mineira comumente citada como “museu a céu aberto” e Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, perdeu os holofotes por esses dias e deu lugar a uma enxurrada de drama ocasionada pelas chuvas que vêm ocorrendo desde o início do mês. Havia mais água do que gente por lá. A estrutura local pouco foi abalada, dizem os munícipes, mas inevitavelmente o burburinho dos temporais afastou os turistas que fazem o vaivém nas ruelas do município por esta época.
 
Tal cenário submeteu todos à espera de que a chuva minguasse, o que ocorreu por esta semana. Ainda assim, os problemas de uma barragem que deslizou já haviam se convertido em desconforto para os turistas que aproveitariam suas férias por aquelas paragens e, diante do infortúnio, precisaram cancelá-las.
 
As estimativas de perda, ao menos para o mercado hoteleiro, variam de acordo com o tipo de hotel ou pousada. Empresários estipulam o decréscimo em 50, 60%. Outros dizem que a aguaça não inundou os números – e que a ocupação média permanece dentro do previsto. Há ainda os times do “janeiro é fraco mesmo” e do “no verão, brasileiro quer ir à praia”, que dizem esperar apenas melhora no Carnaval e nas férias de julho.
 
De qualquer forma, o que se vê é sintomático: em grande parte dos hotéis e pousadas, figuram os poucos hóspedes que restaram pechinchando descontos – e hoteleiros aliciando-os por um preço minimamente lucrativo. Nos demais comércios do município, o páreo é o mesmo: sobram mesas em bares e restaurantes; lojas de artesanato e joias estão vazias; e nas feiras de rua é possível encontrar mais vendedores do que compradores.
 
Nesta reportagem, o Hôtelier News ouviu empresários e associações locais para entender quais são – se é que são – os possíveis estragos que a água desenfreada pode ter causado para o mercado hoteleiro da região.
 
Por Dênis Matos
 
Teatro Municipal de Ouro Preto

 
Pensando na famigerada ocupação média dos hotéis, é certo que o número tem rareado neste janeiro em Ouro Preto. Todavia, as leituras são díspares. Sonia Viana, presidente da ABIH-MG Regional Circuito do Ouro (braço local da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis de Minas Gerais), estima que o índice nos empreendimentos do entorno deve fechar o mês na casa dos 30% – o que, nos outros anos, costumava ficar em 80%. Francisco Assis, secretário de Turismo de Ouro Preto, é mais otimista e acredita que a ocupação média não vá tão abaixo e seja reduzida pela metade, coisa de 40%.
 
“A ocupação hoteleira de Ouro Preto tem sido de cerca de 70%  nesses últimos anos. Neste mês, a estimativa é de queda para 50%”, prevê Raimundo Saraiva, proprietário do Luxor Ouro Preto Hotel, diretor de Turismo do Convention e presidente da Associação Comercial e Empresarial do município.
 
Para Saraiva, o dano final pode chegar aos 25%. “Como ainda temos alguns dias para o fechamento do mês e as coisas já estão melhorando com o volume de reservas já voltando ao normal, esperamos que este prejuízo seja minimizado. Muitos hóspedes entraram em contato para prorrogar a data de entrada. Muita gente protelou a viagem para a segunda quinzena de janeiro. Poucos foram os cancelamentos com devolução de pré-pagamentos”, conta.
 

Igreja de Nossa Senhora do Pilar
 
Rodrigo Alex Moraes, supervisor de Reservas do Grande Hotel Ouro Preto, um dos maiores do entorno, com 35 apartamentos, diz que o estrago ainda é incalculável, mas que a média de ocupação – que em janeiro do ano passado chegou aos 60% – deve perder cerca de 10 pontos percentuais. “Estamos remarcando novas datas para aqueles que já sinalizaram suas reservas”, diz.
 
A representante da ABIH garante que o município pouco foi afetado pelas chuvas e que a normalidade já se faz presente. O que acirrou o caos, ela diz, foi que no início do mês parte da rodoviária da cidade foi atingida por um deslizamento de terra e desabou – vitimando duas pessoas, que morreram soterradas. Isto, somado aos problemas ocorridos nos municípios vizinhos, fomentou a imagem de que Ouro Preto não poderia atender os turistas. “Tiradentes também sofreu com isso, teve alagamentos e tudo ficou fechado por muitos dias. E aí se associa o problema a Ouro Preto”, revela.
 
Vista parcial da rua São José com entrada para
rua Teixeira Amaral, na região central
 
Mais fumaça do que fogo
Paula Quaranta Ema e Figueiredo, proprietária da pousada Caminhos da Liberdade, segue a mesma leitura. “Hoje, sofremos com a propaganda negativa que foi divulgada. Realmente tivemos problemas durante as chuvas, mas tudo foi remediado com muita rapidez. Estávamos sem tráfego pela rua principal, porém tudo já foi liberado. A cidade tem condições de receber o turista, não tivemos abalos na região central”, assegura.
 
O resultado disso, diz Paula, é que a ocupação média de seu estabelecimento, que no mesmo período do ano passado chegou a quase 100%, não passa de 10%. “Temos oito apartamentos. Mas não estou conseguindo manter nem dois deles ocupados. O prédio da pousada é alugado, e, este mês, acredito que o lucro não conseguirá atingir nem mesmo o valor desta despesa”, lamenta.
 
Segundo a proprietária da Caminhos da Liberdade, o momento delicado fez com que alguns hoteleiros e proprietários de restaurantes do entorno dessem folga para os funcionários – pois não estavam conseguindo manter as despesas.
 
Apesar de latente, o caso não soa novo na cidade, que em 1997 viveu momento semelhante por conta das chuvas, que deixaram três bairros cobertos de lama. “Naquele ano, o acesso principal foi interditado por um longo tempo. Sofremos com a perda de turistas porque a mídia negativa foi muito forte. As coisas só melhoraram depois que um grupo de empresários resolveu se juntar para buscar uma saída”, relembra o presidente da Associação Comercial e Empresarial de Ouro Preto.
 

Rua São José decorada para a procissão da Semana Santa
Na contramão
O aguaceiro de problemas, contudo, não é de todo coletivo. A gerente geral do hotel Solar de Maria, Izaltina Mello, diz que, por incrível que pareça, o empreendimento tem contabilizado bons números. “No início as pessoas ficaram um pouco receosas. Mas este ano a procura foi maior do que em 2011. A questão da chuva foi muito pontual, e apenas algumas encostas tiveram problemas, mas não foi algo que atrapalhou a região central”, garante.

 
A gerente geral do Solar chega a afirmar que o hotel, que conta com 22 quartos e foi inaugurado há pouco mais de dois anos, estava 100% ocupado nesta semana. “Em janeiro de 2011, fechamos com ocupação média em torno de 30%. Acredito que fecharemos em 80% neste ano”, comemora.
 
Izaltina atribui à situação positiva uma medida adotada durante os desastres: “O tempo todo passamos para os turistas o posicionamento exato do que estava ocorrendo. Em momento algum omitimos informações. Explicávamos o problema e oferecíamos outros percursos – para que eles não corressem perigo e chegassem à cidade”. Ainda assim, algumas diárias tiveram que ser alteradas, mas ela menciona que isso não abalou a operação do hotel.
 
No Solar do Rosário, tido como um dos poucos cinco estrelas da região, a história foi semelhante à do vizinho que leva o nome de Maria, e parte dos 41 apartamentos do hotel estão em uso. Denise Niquini, gerente geral do hotel, adianta que a expectativa é findar o mês com 40% de ocupação, o que faz coro ao “dentro do esperado”. “O mês de janeiro é um mês de baixa. É comum que as pessoas estejam na praia. É claro que o problema fortaleceu um pouco isso, mas não só aqui, e sim em toda a região Sudeste. A 15ª Mostra de Cinema de Tiradentes, [município vizinho], que começa hoje, terá menos participantes por conta disso”, exemplifica.
 
 
À esquerda, a antiga Maria Fumaça, hoje desativada;
à direita, a Pedra do Jacaré, no Parque das Andorinhas,
região montanhosa do município mineiro

Somente os de menor porte
Para Denise, o problema deve afetar especialmente hotéis menores, a exemplo das pousadas que, via de regra, têm poucos quartos. “Se pensarmos numa pousada com dez unidades habitacionais, caso cinco clientes cancelem a estada a perda já será estrondosa”, elucida.
 
No Estalagem das Minas Gerais, hotel localizado a sete quilômetros de Ouro Preto, à entrada do município, a conta da gerente geral do Rosário parece fazer sentido. Cerca de 30 dos 210 quartos estão ocupados. Geraldo Florentino, coordenador do Estalagem, diz que ocorreram muitos cancelamentos, coisa de 30%; ainda assim, tudo caminha na chamada normalidade, e o empreendimento não vai salgar um prejuízo para começar 2012.
 
“É comum recebermos excursões e festas aqui. Tudo isso está dentro do previsto. O que tivemos que fazer foi protelar um baile, que ocorreria este mês, para fevereiro”, conta Florentino. “Deixamos a critério do cliente, oferecendo a ele três datas para remarcar a viagem. Em poucos casos tivemos que devolver dinheiro”, completa.
 

Fachada da Prefeitura de Ouro Preto

Nem tudo são flores. No caso da pousada Sinha Olímpia, situada logo na entrada da cidade chamada de museu a céu aberto, a queda foi árdua, coisa de 70%. Maria Luísa Oliveira Queiroz, gerente geral da unidade, conta que boa parte das reservas foi cancelada e que, infelizmente, foi preciso ressarcir os clientes que efetuaram os pagamentos com antecedência.
“A informação passada pela imprensa deixou as pessoas com medo, tanto de não conseguir chegar como de ocorrer algo quando estivessem por aqui. Associaram ao problema que aconteceu em Angra dos Reis no ano passado”, lamenta a representante da Sinha Olímpia. “Foi um período muito curto, quando realmente estava impossível chegar à cidade. Isto atrapalhou, mas já está tudo normalizado”, certifica.
 
Concordância quanto à normalidade
De fato, há um consenso de que o problema foi sanado pelas autoridades locais. Hoteleiros asseguram que nenhum dos empreendimentos da cidade foi vitimado em suas estruturas.
 
Na última terça-feira (17), Antonio Anastasia, governador do Estado de Minas Gerais, esteve no município e acompanhou a obra de desobstrução da entrada da cidade, próximo à rodoviária – que foi transferida para o Posto de Informações Turísticas, localizado às portas de Ouro Preto.
 
“A prefeitura já reuniu o setor, e estamos alinhando o que faremos no Carnaval para aumentar os números. A expectativa é resgatar um pouco desta perda. Há possibilidade de atrair também alunos de cursos de Geografia, Arquitetura e Artes – que sempre procuram conhecer a cidade por conta de seu valor histórico. É um nicho a se explorar”, diz a presidente a ABIH Regional. “Ainda não há estratégias específicas, mas a ABIH de Belo Horizonte tem ajudado muito a divulgar que está tudo certo por aqui”, completa.
 
“O poder público foi bastante eficiente nas ações, visando uma rápida recuperação dos trechos de estradas atingidas com a queda de barreiras. Hoje, todos os acessos já estão liberados, e os hóspedes de janeiro, que viajam geralmente com a família de carro, já estão chegando”, comemora Raimundo Saraiva.
 

Centro de Artes e Convenções da
Universidade Federal de Ouro Preto

 
Situação atual
Das 179 cidades mineiras que decretaram situação de emergência até o momento, 21 têm no turismo uma de suas principais atividades. São elas: Barbacena, Brumadinho, Congonhas, Capitólio, Coronel Xavier Chaves, Divinópolis, Formiga, Governador Valadares, Itabirito, Lavras, Lima Duarte, Mariana, Moeda, Montes Claros, Muriaé, Nova Lima, Pirapora, Prados, Santos Dumont, São João del Rei – e, notadamente, Ouro Preto.
 
Representantes do mercado turístico assinaram um manifesto de apoio ao governo de Minas Gerais quanto à reestruturação dos municípios vitimados. A estimativa é que o município necessite de pelo menos R$ 30 milhões para reconstrução das áreas afetadas pelos temporais.
Por meio de nota, o governador do Estado reafirmou que tudo está em funcionamento. “Essas cidades estão limpas, com suas vias de acesso abertas, com seus hotéis e pousadas funcionando normalmente. Toda a parte histórica está preservada e de braços abertos para receber os turistas tanto ainda no mês de janeiro como em fevereiro, especialmente no Carnaval, tão tradicional nas cidades históricas. É mais uma lembrança, um apelo que nós fazemos, porque a normalidade deve ser restaurada inclusive no turismo”, abona o governador.
 

Praça Tiradentes
 
A Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Ouro Preto e o Convention & Visitors Bureau também garantiram que todos os acessos à cidade estão desobstruídos; que os atrativos turísticos funcionam como o habitual; e que os trabalhos de remoção do entulho próximo ao terminal rodoviário estão em ritmo acelerado, esperando-se que o acesso esteja pronto ainda este mês.
 
A previsão dos hoteleiros é que o Carnaval, melhor época para o setor na região, eleve a ocupação e os prejuízos virem história. Todavia, a expectativa dos números é tão incerta quanto a queda ou não de mais águas.

Serviço

www.prefeituradeouropreto.com.br
www.abihmg.com.br
www.hotelsolardemaria.com.br
www.pousadacaminhosdaliberdade.com.br