Hotelaria paulista paga mais por energia, telefonia e esgoto
(foto: atuleirus.weblog.com.pt/arquivo/ralo.jpg)
 
Todo mundo sabe que o governo não dá muitos incentivos para os hoteleiros. Mas além de não ajudar, ainda cobra mais do que devia dos hotéis? Em reportagem especial, o Hôtelier News investigou as concessionárias responsáveis por fornecer os serviços de água, energia e telefonia no Estado de São Paulo e chegou a um veredicto: a hotelaria está pagando mais do que devia.
 
As empresas que têm o aval do Estado, muitas vezes cobram por serviços que não realizam e embolsam valores que não poderiam. Muitos hoteleiros, porém, não sabem que estão recebendo cobranças indevidas e pagando por serviços que não recebem. Já as empresas que fazem as cobranças têm um histórico de problemas com o Procon (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor), listando consecutivamente entre as campeãs no número de reclamações de clientes, ano após ano.
 
Mas recentes ações na justiça prometem esquentar a disputa e acender a discussão entre o setor público e privado. Saiba o que está acontecendo nos bastidores desta briga entre hoteleiros e concessionárias e como é possível reaver o dinheiro e parar com as cobranças.
 
Por André Zara
 
A briga mais antiga dos hoteleiros é com Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) responsável pela distribuição de água na maioria das cidades do Estado. As primeiras irregularidades datam do ano de 1983, quando a empresa passou a cobrar indevidamente valores de prédios comerciais, contrariando um decreto estadual que entrou em vigência no ano. Na época a cobrança se estabeleceu através do 'regime de economias', que servem para quantificar e dividir quanto será cobrado do prédio. "Só que a Sabesp ignorou algumas regras para qualificar o número de conjuntos ou unidades dos edifícios, ficando em desacordo com o decreto", diz Gennaro Velleca, engenheiro e consultor do escritório de advocacia Braga Nascimento e Zilio.
 
A cobrança indevida atingiu até hospitais, como a Santa Casa de Misericórdia de Suzano no interior de São Paulo. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e a justiça paulista condenaram a Sabesp a pagar indenização para o hospital e diversos consumidores comerciais por entenderam que as 'economias' geraram cobranças indevidas de acordo com o decreto. Segundo Velleca, entre 1983 e 1996 essa cobrança causou acréscimo no valor das contas de água e esgoto dos prédios que chega a 50%.
 
Em 1996, para tentar corrigir a bagunça, o governo paulista editou um novo decreto para o cálculo da tarifa. Mas segundo Velleca a legislação é ilegal. "A medida contraria diversos valores constitucionais por dar tratamento beneficiado os edíficios residenciais em relação aos comerciais", comenta o engenheiro. Os valores também podem ser contestados na justiça e recuperados desde 1997 até os dias de hoje.
 
O engenheiro Gennaro Velleca e Ana Claudia Nascimento,
ambos do escritório Braga Nascimento e Zilio
(fotos: André Zara)
  
Além destes problemas, outros dois pontos aumentam as discussões. A partir de 1999, a Sabesp reclassificou os edifícios tipo flats como comercial, em desacordo com outras instituições. "Isso é ilegal, pois o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) não considera os flats como comerciais, e sim  residenciais", diz. O outro grande problema é a cobrança do esgoto pela Sabesp. A concessionária entende que toda água consumida pelos prédios é devolvida em forma de esgoto, cobrando assim uma taxa de um para um. Ou seja um litro de água vira um litro de esgoto. "Mas a cobrança não é correta, pois nem toda água servida utiliza a rede de esgoto. Parte dela é consumida em piscinas, irrigação de jardins, lavagens de pisos, em torres de resfriamento de água, ar condicionado e outros serviços. Em alguns processos ela simplesmente se perde por evaporação e a Sabesp cobra por ela", afirma Vellaca.
 
Para Ana Claudia Braga, consultora do escritório de advocacia, as vantagens de se entrar na justiça para constestar a Sabesp são de reaver o dinheiro das cobranças indevidas dos últimos 20 anos e normalizar as cobranças, passando assim a ser cobrado pelo valor real do consumido. "Muitos hoteleiros ainda não sabem desta situação, mas isso está mudando. Só do nosso escritório temos mais de 100 hotéis processando a concessionária", diz Ana.
 
A Associação Brasileira da Indústria de Hotéis de São Paulo (ABIH-SP) já se reuniu com a Sabesp para tentar criar uma tarifa padrão. "Fizemos propostas, mas elas nunca foram aceitas", declara Bruno Omori, diretor executivo da entidade. "Gostaríamos de uma tarifa padronizada e específica, porque atualmente ela é oscilante, dependendo da região. Além disso, o uso da água em um quarto do hóspede não é igual a de um usuário normal, ele é exceção", conclui.
 
Procurada pela reportagem, a Sabesp não se manifestou até a publicação desta matéria.  
 
Mais taxas 
Além da luta inglória contra a Sabesp, a hotelaria paulista está embarcando em um embate com as concessionárias de energia e telefonia. A ABIH-SP está entrando com uma ação conjunta em nome dos associados para tentar recuperar o dinheiro da cobrança dos tributos PIS (Plano de Inclusão Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), retroativos há cinco anos. Segundo Cauê Coffone, consultor jurídico da ABIH-SP, as concessionárias repassam despesas que seriam de sua responsabilidade.
 
"Existe precedente considerando a cobrança ilegal, de uma ação do Rio Grande do Sul, já ratificado pelo STJ do ano de 2008", diz Coffone. Segundo a decisão da justiça, em que a Brasil Telecom era recorrente, a telefonia foi considerada serviço público e por isso seria "indevido o repasse jurídico ou incidência direta, resulta que deve ser restituído tudo quanto foi do consumidor cobrado". A decisão abriu margem para atacar a cobrança indevida em todo o Brasil.
 
Cauê Coffone, advogado e consultor da ABIH-SP
 
O consultor da entidade exemplifica a situação e comenta que se você pagava uma conta de R$ 150 por mês poderá recuperar até R$ 2.200, com base na cobrança indevida pelos últimos cinco anos. Ainda segundo ele, a cobrança dos impostos continua apesar das concessionárias saberem que são ilegais. "A maioria das pessoas não sabem da cobrança e não prestam atenção na conta. Quando contamos para a ABIH eles ficaram surpresos, não estavam informados, até porque o precedente é recente", diz Coffone. 
 
A ação conduzida pela associação deve ser encaminhada em no máximo dois meses, com base na análise da cobrança dos impostos em dois hotéis paulistanos, que ainda estão sendo escolhidos. A adesão ao processo está sendo feita por contrato e o reclamante tem que ser associado à ABIH-SP.
 
Bruno Omori, diretor executivo e Maurício Bernardino,
presidente da ABIH-SP
(foto: omori.com.br)
 
Para Maurício Bernardino, presidente da ABIH-SP, ações na justiça contra o governo e concessionárias são comuns. "Conversamos, reivindicamos, mas nunca se resolve nada de concreto. Não existe vontade política. Essas coisas são sintomáticas, por isso sempre temos que reivindicar melhorias para a hotelaria", afirma Bernardino.
 
A Eletropaulo, por meio de assessoria, confirmou a cobrança do PIS e do Cofins na conta, mas quando questionada se sabia que a cobrança é indevida, não retornou com a posição da empresa sobre o assunto até o fechamento da matéria. A Telefônica não atendeu os pedidos da reportagem por explicações sobre as cobranças.