Marcelo Rocha durante o expediente no Tivoli, em São Paulo
(fotos: Thais Queiroz)
Por definição, concierge é o profissional que atende diretamente aos desejos do hóspede. Num hotel de luxo, a exemplo do Tivoli Mofarrej, situado nos Jardins, capital paulista, tais aspirações dos clientes tendem a ser mais extravagantes.
É este profissional que faz uma espécie de ponte entre o cliente e todos os departamentos do hotel, com a missão de oferecer exatamente aquilo que lhe foi solicitado.
Ele tem acesso às reservas, pode conceder descontos e cortesias, participa das reuniões setoriais para reportar reclamações, falhas e elogios. Mas nem tudo é tão óbvio, e os problemas vão além.
Este é o tipo de colaborador que aprende a entonar a voz no momento certo e a passar confiabilidade, sustentando diariamente aparência e postura impecáveis durante o expediente. O concierge sabe, antes de mais nada, ouvir.
Entre seus deveres estão reservar restaurantes, comprar ingressos para teatro, cinema e shows, enviar documentos para outros estados e países, agendar o transfer do aeroporto para o hotel e dar sugestões, quando solicitado.
Em síntese, um dos cargos mais complexos da hotelaria, já que envolve, sobretudo, bom senso, paciência e flexibilidade.
Para relatar a rotina do concierge, o Hôtelier News conversou com dois experientes profissionais que exercem o cargo no Tivoli Mofarrej: Marcelo Rocha, 24, e Fausto Lameiras, 27.
Por Thais Queiroz*

Marcelo Rocha checa os emails
assim que inicia o expediente, às 7h

Rocha e Lameiras representam o perfil ideal de um concierge e compartilham da opinião de que, entre os desafios diários, um dos principais é surpreender, copiosamente, o hóspede.
“Com relação aos habitués é mais fácil, porque a gente já conhece suas preferências. Sempre pedimos para prepararem um suco brasileiro exótico antes mesmo de eles pedirem, ou reservamos, de antemão, o restaurante que eles costumam ir. Já com os clientes novos, observamos o comportamento e as preferências e vamos aprendendo a conhecê-los”, diz Lameiras.
Nascido em Portugal e casado com uma brasileira, ele é pai de primeira viagem e divide seu tempo entre o expediente – das 15h às 23h20 – e os cuidados com a filha pequena.
Desde 2010, o português atua como concierge no Tivoli, em São Paulo. Formado em Turismo e Hotelaria, em seu país natal, Lameiras teve o primeiro contato com a profissão quando trabalhou, em 2008, na recepção do hotel Fasano, também na capital paulista.
Ele conta que ainda não sabia em qual departamento gostaria de atuar dentro de um hotel e que, quando descobriu as funções do concierge, identificou-se com a profissão.
Já o paulistano Marcelo Rocha afirma saber desde sempre que trabalharia com serviços, principalmente com o luxo. Ainda adolescente fez curso técnico em Hotelaria, depois partiu para a
graduação na mesma área e para a pós-graduação em Gestão Empresarial.
De origem humilde, ele relata que desde cedo teve de lutar para atingir seus objetivos. “Estudei graças às bolsas que consegui”, conta. Assim foi também com o curso de inglês e de espanhol.
“Comecei no Tivoli como telefonista, mas chegava mais cedo para acompanhar o trabalho de outros departamentos. Assim aprendi muito sobre o funcionamento de um hotel e sobre em qual cargo eu realmente gostaria de trabalhar”, diz.
Depois deste processo, cuja duração foi de cerca de um ano, foi convidado para trabalhar por dois meses como mordomo num resort em Dubai, da rede Jumeirah, mas não se identificou com o serviço.
No final de 2010 ele voltou para o Tivoli. Em questão de oito meses foi promovido a mordomo para atender hóspedes VIP, realezas, celebridades e outros clientes que se hospedam na suíte presidencial.
Morador do bairro de Embu-Guaçu (região metropolitana de São Paulo), Marcelo Rocha gasta seis horas de seu dia dentro do ônibus que faz o trajeto entre sua casa e o hotel.
“Hoje eu vivo para o meu trabalho. Tento encaixar minha vida social às folgas semanais”.
Para entrar às 7h, ele sai de casa às 4h e demora três horas no caminho até o trabalho. O roteiro contrário depende do trânsito e do horário no qual ele deixou o hotel. Com escala de 6/1, as folgas raramente caem aos finais de semana.
Na troca de turnos Rocha e Lameiras

trocam informações sobre as pendências
A rigidez com que ambos tratam suas responsabilidades em horário comercial é exemplar. Os empregadores agradecem.
Ambos batem o cartão pontualmente, costumam cortar pela metade os horários de almoço e de descanso, dificilmente saem no horário estipulado e trabalham sábados, domingos e feriados, de acordo com a escala de folgas.
Questionados sobre as características essenciais para exercer o cargo, as opiniões são unânimes. Para eles, comprometimento e discrição são essenciais. “O colaborador vai conviver diariamente com problemas grandes, com personalidades das mais fáceis às mais difíceis de lidar, mas é preciso atender a estes problemas como se fossem seus. Além disto, muitos clientes costumam dividir com a gente situações, histórias e informações pessoais que precisam ser guardados a sete chaves”, diz Rocha.
Paciência e flexibilidade também foram citados como pontos importantes. “Muitas vezes é necessário insistir numa ligação. Ela será decisiva para que o cliente tenha o pedido atendido. Também é preciso lidar com outros departamentos do hotel no sentido de cobrá-los, fazer cotações e até mesmo ir aos lugares pesquisar preços e informações, ainda que o horário do expediente tenha terminado”, completa Rocha.
Numa pequena sala, Recepção, Mordomia e Concierges
compartilham informações gerais e realizam reuniões de turno
“Temos autonomia para buscar soluções mesmo que sejam fora do hotel, para dar cortesias, mas temos que ter comprometimento. Este não é um serviço tão fácil quanto parece”, assegura Lameiras.
Já Rocha diz que aprendeu tanto a se concentrar nas soluções que dificilmente fica nervoso com algo ou alguém. “Nem minha família consegue mais me tirar do sério”, brinca.
Os rapazes contam que quando há alguma reclamação sobre um serviço que não tenha sido prestado pelo hotel, é necessário saber explicar ao cliente de quem é a responsabilidade e oferecer soluções para que a situação seja resolvida.
O desvio de bagagem por parte de companhias aéreas costuma ser o exemplo mais frequente. Neste caso, é o concierge quem deve ficar em contato com a empresa responsável, checar prazos e propor soluções até que o cliente tenha seus pertences entregues.
Desagradáveis e incompreensíveis
Até que cada pedido ou situação seja resolvida, o profissional necessita de um estoque extra de paciência e dedicação, principalmente no que diz respeito aos hóspedes mais exigentes,
que poderiam facilmente ser classificados como desagradáveis e incompreensíveis.
Lameiras rebate a ideia com outro ponto de vista: “Temos que saber diferenciar o cliente chato do exigente. Eles pagam caro pela estadia, pelo transfer, por tudo. Então nada mais justo que eles tenham o melhor serviço. Eu não gosto da palavra ‘chato’. Se o concierge entende isso, o trabalho passa a valer a pena”.
Lameiras atende uma hóspede inglesa que pede

informações sobre o shopping mais próximo
O luxo tratado com normalidade
O nível de exigência dos clientes não assusta os jovens profissionais. Eles lidam diariamente com pessoas que veem no luxo algo comum e rotineiro.
Conviver com o luxo geralmente é algo que se aprende, já que grande parte dos colaboradores – que atendem diretamente este perfil de hóspede – nunca desfrutou de tais privilégios.
Enquanto uns gostariam de ter acesso ao luxo, o concierge se realiza em executar processos para que por fim seu cliente tenha à mão o que deseja. “É incrível ajudar um hóspede em situações que ele pensa que jamais serão atendidas e vê-lo saindo satisfeito”, diz Rocha.
Questionados sobre os pedidos mais difíceis e inusitados que já tiveram de atender, eles citam o caso de um casal de hóspedes, que o cliente gostaria de pedir a mão de sua namorada em casamento.
A princípio parecia ser uma missão qualquer até eles começarem a descrever, com detalhes, as exigências feitas: o casal deveria realizar um simples passeio de helicóptero pela cidade. O detalhe é que deveria ser num horário em que eles pudessem apreciar o pôr do sol e que, quando voltassem, o heliponto deveria estar decorado com um coração gigante formado por velas.
Ao entrarem nas dependências do Tivoli, o hóspede pediu uma sala decorada com flores, balões em formato de coração e champanhe – tendo como trilha sonora a música preferida do casal. Neste momento, um colaborador deveria entrar com uma bandeja de prata onde foram colocadas as alianças de noivado.
O Tivoli é um dos hotéis referência em luxo

na capital paulistana. Entre seus hóspedes estão
celebridades, empresários e até realezas
“Ela disse sim e depois nos agradeceu com lágrimas nos olhos. Recebemos até um e-mail posteriormente dizendo que seríamos convidados para o casamento”, diz Rocha.
Lameiras acrescenta que antes de procurar o Tivoli, o cliente conversou com concierges de outros hotéis de luxo em São Paulo, que se recusaram a atender ao pedido pelo trabalho que teriam para organizá-lo de acordo com as exigências.
Para fazê-lo, eles tiveram de pesquisar sobre o melhor tipo de vela e de suporte de forma para que elas se mantivessem acesas mesmo com o movimento do helicóptero. Fizeram também diversos testes para descobrir qual o melhor horário para que o embarque casasse com o pôr do sol.
Todas as etapas de testes foram fotografadas e enviadas, por e-mail, para o cliente – até que ele desse o aval para as compras e as reservas serem feitas, independente do valor a ser gasto.
“Eles não têm preocupação com o quanto vão gastar. Os clientes querem saber se vão ou não ter seu pedido atendido”, conta Rocha.
No que tange aos pedidos mais simples, a dificuldade mais comum é com relação às reservas, principalmente quando se trata de renomados restaurantes.
O concierge português menciona que muitos hóspedes chegam em São Paulo já com indicações de lugares onde trabalham renomados chefs e querem – às vezes em cima da hora – que sejam reservados lugares no local.
“Alguns restaurantes famosos só aceitam reservas com dias de antecedência. Outros impõem horário limite para reservas feitas no dia. Nestes casos, procuramos ter sempre uma boa relação com os estabelecimentos, assim acabamos conseguindo lugar – quando há espaço. Caso não seja mesmo possível, indicamos um restaurante de mesma qualidade para o cliente”, explica.

 O lobby do Tivoli, decorado com peças de diversos países
Todo este mundo está à parte da realidade de ambos os concierges, porém faz com que eles ampliem as ambições profissionais.
Em busca de novas qualificações e oportunidades, os profissionais estão concorrendo ao título Les Clefs d’Or, disputado entre concierges de todo o mundo. Para isto eles precisam passar por uma série de etapas – análise de currículo, provas escritas e práticas. Os selecionados são qualificados como profissionais aptos a trabalhar em qualquer hotel ligado ao luxo. Rocha, por exemplo, já passou por algumas etapas e está na reta final.
Com perfil empreendedor, ele está instigado pela vontade de ter um negócio próprio, voltado para o serviço de luxo. Afirma ter feito a pós-graduação em Gestão Empresarial já pensando em abrir uma empresa.
Decidido, o jovem e futuro empreendedor diz já ter contatos que servirão para ajudar na estrutura e na criação da consultoria de serviços personalizados.
Já Fausto Lameiras pretende continuar no mercado hoteleiro, trabalhando com luxo, mas em cargos de gerência.
Rocha e Lameiras pretendem conquistar o título Les
Clefs d’Or e seguir carreira na área de serviços de luxo
Conceito
Segundo Gabriela Otto, especialista em Marketing de Luxo e articulista do Hôtelier News, mais do que ser extravagante, o turista contemporâneo opta por novas descobertas já que seu perfil é o de alguém conectado, diversificado e sofisticado. Desta forma, o luxo não deixa de ser fútil, mas perde o tom formal de antigamente, já que jovens também manifestam interesse por ele.
Para Marcelo Rocha, o luxo é o que vai além do necessário. “É quando podemos ter aquilo que precisamos e desejamos. O luxo está dentro do que a gente deseja, está acima da necessidade, seja por questão de status ou por realização pessoal”.