Antiga conhecida da boemia paulistana, rua Augusta
abriga opções culturais diversas e, por conseguinte, hotéis
(fotos: Dênis Matos)

A megalópole São Paulo parece coração de mãe: sempre cabe mais um – se o filho for bonitinho, é claro, com o devido perdão pelo jargão e pela piada. Fato é que tipos diversos circundam este infinito paulistano. Singular é palavra que destoa por aqui: a metrópole está mais para o plural.

Os exemplos são muitos em se tratando da terra da garoa, mas aqui o caso se centra na rua Augusta – parâmetro para tal afirmação. Importante via arterial da capital paulista, que liga os Jardins ao centro, a região traz a multiplicidade em seu cerne.

Na área conhecida como Baixo Augusta – que tem início na avenida Paulista e segue até o chamado centrão, na rua Martins Fontes -, músicos, cinéfilos, socialites, punks, boêmios, milionários, pessoas que só têm um rim, cults, garotas de programa, pessoas que nunca foram nada na vida, moradores de rua, pessoas que nunca vão ser nada na vida, palhaços, cineastas, filósofos, desajustados, entre outros tipos, figuram cotidianamente.

É uma ebulição cultural que data dos idos de 1960, quando a rua já representava glamour e farra e Hervé Cordovil fazia pilhéria escrevendo coisa do tipo: “Entrei na Rua Augusta a 120 por hora / Botei a turma toda do passeio pra fora / Fiz curva em duas rodas sem usar a buzina / Parei a quatro dedos da vitrina”.

Ainda hoje descer o Baixo Augusta é uma experiência antropológica – que muitas vezes passa despercebida em meio ao ritmo caótico da cidade, mas que para muitos visitantes, de fato, funciona como vivência única. Não à toa, hotéis são parte deste emaranhado cultural e atendem às mais díspares clientelas.

Durante o dia, lojas, shoppings, comércio de rua, trânsito alucinógeno, restaurantes, lanchonetes, lan house, cabeleireiros e estacionamentos fazem o desenho da via. Ao cair da noite, as luzes são outras e a boemia ganha os holofotes da Augusta, com bares, casas noturnas e boates servindo de protagonistas. Todos, há de se dizer, fomentam de alguma forma os hotéis da região.

Mas como é o trabalho destes empreendimentos numa área com esta insígnia de mescla? Que tipo de hóspede eles atendem? Qual é o foco de atuação? As tarifas têm preços elevados se comparadas às de outras regiões da cidade? Há picos de ocupação?

Para minguar os questionamentos, a reportagem do Hôtelier News fez algumas andanças por este mercado que, apesar de trabalhar com a pluralidade, tem uma dinâmica completamente particular.

Por Dênis Matos


Identidade primeira dos meios de hospedagem da Augusta é a gestão independente. Apenas um dos empreendimentos, o Braston Augusta – pertencente à rede Travel Inn Hotéis -, não figura nesta lista. Nos demais, o ambiente familiar ainda reverbera, com trabalhos sendo executados muitas vezes por parentes dos proprietários e o jargão de que o olho do dono é que engorda o porco – leia-se o negócio – sendo via de regra. Há também empresas de serviço hoteleiro que atuam apenas na gestão, sendo o prédio locado por um período específico.

Outro ponto é que mesmo com toda a ebulição cultural presente na via alguns hotéis seguem à risca o modelo corrente em boa parte da hotelaria paulistana: o turismo de negócios. É o caso do Augusta Park Suite Hotel. Rosely Hannun, gerente do empreendimento, explica que uma parcela representativa dos hóspedes é formada por funcionários que estão a trabalho. Algumas famílias, ela cita, também figuram entre os clientes.

Completa o foco de atuação do Augusta Park o turista que acaba ficando na cidade para realizar tratamentos médicos, já que a região abriga hospitais importantes, como o Sírio Libanês, o Nove de Julho e o Hospital das Clínicas.

Tais clientes renderam ao hotel, durante o ano passado, índices considerados positivos para o mercado hoteleiro da capital: a ocupação média foi de 68,5% e a diária de R$ 169,36. Para este ano, a expectativa é que a ocupação se eleve e fique entre 70 e 75%.

Baliza da SPTuris
O Desempenho dos meios de hospedagem paulistanos, mensurado mensalmente pela SPTuris (São Paulo Turismo), dá conta de uma ocupação média de 68,97% – tendo como base a região considerada por Centro/Bela Vista.

Os números, todavia, seguem a miscelânea da própria Augusta e, em alguns meios de hospedagem, destoam bastante. No Bella Augusta – situado na altura do número 1.200 da via, entre as ruas Matias Aires e Fernando de Albuquerque -, a ocupação ficou próxima do vizinho citado acima durante o ano passado, em 65%, mas a diária média foi menor, cerca de R$ 80. Adalberto Lourenço, da gerência do Bella Augusta, diz que o perfil do turista, todavia, é o mesmo do Augusta Park: o corporativo.

Música
A clientela, entretanto, vai ganhando elasticidade conforme se desce a rua em direção ao centro. No hotel Linson, localizado na altura do número 440, área já considerada pertencente ao bairro da Consolação, artistas e músicos compõem o perfil do hóspede. Segundo Adilson Pereira dos Santos, chefe de Recepção do meio de hospedagem, alguns clubes e boates vizinhos influenciam este cenário. “Estamos próximos a casas como o Inferno, o Studio SP e o Vegas, o que acaba atraindo músicos que tocam nestes locais”, cita, apontando o público corporativo como outro foco de atuação.

Isso, diz o chefe de Recepção, é um dos principais motivadores de uma diária média de cerca de R$ 180. Sem revelar dados específicos, ele acrescenta que a ocupação dificilmente fica abaixo dos 60%.

A aproximação com a cultura, no Linson, não se limita à música. Ione Oliveira, gerente geral da unidade, explica que até mesmo os espaços do hotel formam pensados de forma a aproximar o hóspede da vida cultural do município, com quadros espalhados por algumas áreas do prédio – presentes em boa parte dos ambientes comuns e produzidos pela filha do proprietário do empreendimento.

“O hóspede sabe que São Paulo tem esse tom cultural e, quando encontra isso num hotel, facilmente ele se identifica”, garante a gerente geral.

Clientela amálgama
No hotel Moncloa, o hóspede é formado, conforme explica a administração da unidade, por um segmento entendido como misto. Pessoas que estão a trabalho, que vem à cidade para eventos pessoais e até mesmo alguns turistas de lazer compõem o portfólio do meio de hospedagem.

Neste emaranhado, todavia, o perfil do Moncloa é trabalhar de forma a tornar os clientes habitues e, sempre que possível, manter um tom de discrição no atendimento oferecido. A postura de recato e respeito à individualidade do visitante, há de se citar, aparece até mesmo no fato de os proprietários preferirem que seus nomes não sejam revelados pela reportagem. Convicções seguidas à risca, até mesmo por não divulgarem os índices medidos no empreendimento.

E numa rua como a Augusta, mesmo com tanta discrição, é possível não receber garotas de programa que trabalham nas casas vizinhas? “Claro que sim. Você é quem escolhe quem entra na sua casa. Aqui, por ser um ambiente familiar, o próprio hóspede não se sente à vontade para trazer alguém, ele sabe que não é este o perfil do Moncloa e, por isso, acaba se intimidando”, garante.


Fachada e recepção do hotel Moncloa

Meretrício
Todavia, o discurso do conservadorismo não é uníssono. Quase à esquina com a Fernando de Albuquerque, o Savoy Palace Hotel vai na contramão do que é regra no Moncloa. Um de seus gerentes, quando da apuração da reportagem, achou mais sensato inclusive não fazer parte dos entrevistados, alegando só trabalhar em sistema rotativo e, praticamente, sem hospedagem – atendendo judeus e palestinos, obrigado.

Outros hotéis, contudo, dizem evitar – mas não coíbem. “As garotas que vêm ao hotel são companhias de hóspedes. Elas não nos procuram para se hospedarem ou fazer programa. É difícil”, menciona a executiva do Augusta Park, acrescentando que, caso ocorra de um turista estar acompanhado, uma diferença da diária é cobrada para por ordem na casa.

No Bella Augusta, também, os administradores dizem evitar esse tipo de cliente. Já no Linson, a regra é que qualquer hóspede é hóspede. “Nós tentamos não receber, mas não podemos proibir. O que fazemos para inibir é cobrar a taxa de R$ 100 para qualquer acompanhante que fique por mais de uma hora no quarto com o cliente”, explica Adilson Pereira dos Santos, sinalizando que o bolso escaldado pode ser uma solução.


Fachada do Augusta Park Suite Hotel

Segurança
A postura retraída frente às meretrizes e aos michês têm cerne num ponto: o da violência. Infelizmente, a prostituição em alguns casos segue de mãos-dadas a bebidas e drogas e, por isso, vez ou outra, os problemas aparecem. Na Augusta, em específico, este tipo de transtorno é acirrado ainda pelas diferentes tribos que circundam o espaço e acabam tratando determinadas diferenças socioculturais pelas ruas. Esses conflitos, copiosamente, podem influenciar no cotidiano dos hotéis e dos que residem ou passeiam pela região.

A relação com o policiamento local, ao menos no caso da rede hoteleira, contribui para minguar tais pormenores. “Não sofremos muito com isso, principalmente pelo fato de o 4º Departamento de Polícia [localizado praticamente à esquina do Linson] inibir os problemas”, pondera o chefe de Recepção.

Lourenço, do Bella Augusta, aponta que a melhor solução para tanto foi contratar segurança própria. No Augusta Park, a medida encontrada foi um bom relacionamento com o policiamento local. “Temos conhecidos que ajudam quando necessário”, diz Rosely.

“Nossa relação com a polícia é de cidadão para cidadão. Nunca tivemos grandes problemas”, explica um dos gestores do Moncloa. Segundo ele, nunca houve grandes percalços neste sentido por uma tese que leva seu nome: as próprias arquitetura e localização da rua Augusta não facilitam que roubos sejam realizados. “Além do grande trânsito da região e de estarmos longe das marginais, os quarteirões são pequenos e não permitem que os possíveis infratores corram para longe”, explica.


O Savoy Palace Hotel, que trabalha especificamente
com clientes no sistema rotativo

Novos clientes
Farras urbanas à parte, outro detalhe no rol de obrigações para os hotéis da região é tentar atrair clientes, uma vez que a Augusta – vale citar – não é lá objeto de adoração dos turistas comum. “Temos convênios com algumas ferramentas de vendas como Decolar, Booking, Venere etc”, cita Rosely Hannun. A internet é via de regra também para o Bella Augusta. O representante do Linson adiciona à lista dos sites de viagens a Trend Operadora, que tem foco específico em turistas de negócios.

Os administradores do Moncloa apontam como ferramenta única a fidelização dos hóspedes. Segundo eles, vez ou outra é preciso até mesmo abrir mão de uma tarifa mais alta para dar prioridade a este cliente fiel. “São Paulo vive de picos, fomentados pelos eventos, e acontece de a ocupação cair. Nessas ocasiões ou não, é sempre meu habitue que será a prioridade”, diz.

O Hôtelier News tentou falar com os demais meios de hospedagem da rua Augusta, mas não teve seus contatos respondidos até a publicação da reportagem.

Serviço
www.augustapark.com.br
www.bellaaugusta.com.br
www.linson.com.br
www.savoypalacehotel.com.br
www.hotelmoncloa.com.br