Conversamos com Edgar Werblowsky, diretor da Freeway, operadora especializada e pioneira em ecoturismo no Brasil. Ao ler esta entrevista, você vai conhecer melhor não apenas a filosofia da empresa e o que ela tem feito pelo país – o prêmio que ganhou da Câmara Americana de Comércio pela campanha contra a exploração sexual infantil ilustra bem isso -, mas certamente também pode se identificar com a postura do executivo diante do mundo, da vida e da Mãe Terra. Quer um exemplo? Assim que descobriu a que veio, chegou à seguinte conclusão: “percebi como a natureza era um palco excelente para fazer aflorar o melhor do íntimo de cada um”. Simples assim.

por Karina Miotto


Edgar Werblowsky
(Fotos Edgar: divulgação; Paisagem: Karina Miotto)

Hôtelier News: A Freeway começou a fazer ecoturismo em 1983, com trilhas de um dia na Serra do Mar. O que o impulsionou para que você decidisse começar a organizar excursões no meio da natureza?
Edgar Werblowsky: Estas trilhas faziam parte do novo negócio que a Freeway estava criando no Brasil, baseado no conceito das free universities americanas, de cursos livres para adultos. Um desses foi o de caminhada na Serra do Mar, onde tive aulas teóricas sobre como andar na floresta, além de descer a trilha de Paranapiacaba.

Durante a caminhada ocorreu o grande insight que mudou a minha vida e a minha empresa. Percebi como as pessoas sentiam prazer, bem estar e felicidade ao ter esse contato profundo com a natureza. Percebi como a natureza era um palco excelente para fazer aflorar o melhor do íntimo de cada um, como esta conexão era maravilhosa. Eu, que busquei a todo custo um trabalho em que estivesse com as pessoas no melhor momento de suas vidas, que queria trabalhar com a felicidade, tinha acabado de encontrar a minha praia, ou melhor, a minha floresta. Aliás, foi por esta busca interior que eu havia deixado três anos antes meu trabalho como engenheiro civil, que não me propiciava isto, na procura incessante pelo sininho que tilintasse dentro de mim. Isto me levou a mudar de profissão para administrador de marketing, e depois, com a interferência do destino, me tirando do emprego para acompanhar minha mãe em tratamento de saúde nos Estados Unidos, o que acabou me levando a repensar toda a minha futura vida profissional, de onde nasceu a Freeway.

Além da felicidade que senti nos primeiros caminhantes, o que me motivava profundamente, pude verificar o espaço que o Brasil prometia, pronto para ser redescoberto. Depois da primeira onda de conhecimento do país, pelos bandeirantes, em busca do ouro, das pedras preciosas e dos índios, chegava a vez deste bandeirantismo da nova era, na busca pelo essencial da vida, do lazer, do redescobrimento do Brasil, do encontro com o planeta e consigo mesmo.

Eu considerava que tinha uma missão: mostrar às pessoas o nosso pujante e ainda desconhecido país, suas riquezas naturais, promovendo o que chamávamos à época de caminhadas na natureza, por meio das quais as pessoas iriam forjar grandes relacionamentos para a própria vida (eu tinha percebido este potencial nas caminhadas). Querendo, ou sem querer, iriam se tornar guardiões de nossas florestas, da nossa natureza, a partir do deslumbramento que iriam sentir. O famoso ditado “você só protege aquilo que ama e só ama aquilo que conhece” fazia todo o sentido e seria aplicado por mim na prática desde então. O objetivo era levar os brasileiros a conhecerem de fato o seu país. E a partir daí criar um caldo de cultura conservacionista promovido pelos próprios excursionistas.

Houve um episódio, uma visão, que simboliza este marco. Quando estava com o meu primeiro grupo no Poço das Moças, a cachoeira no sopé da trilha de Paranapiacaba, olhando para o alto e ao redor, tive a clara sensação da pujança e majestosidade da nossa natureza. Neste momento tive uma visão, a de milhares de pessoas multicoloridas, alegres, felizes, caminhando pelos altos das montanhas do Brasil. Fomos os precursores do ecoturismo no país. 

HN: Quais os destinos mais procurados por brasileiros e estrangeiros?
Werblowsky: Os d
estinos preferidos dos brasileiros são Chapada Diamantina, Fernando de Noronha, Bonito, Chapada dos Veadeiros, Itacaré, Península de Maraú, Jalapão, Brotas, Ilha Grande, Lençóis Maranhenses, Alter do Chao, Amazônia, Serra do Cipó.

Já dos estrangeiros são Amazônia, Pantanal, Itacaré, Península de Maraú, Lençóis Maranhenses, Ilha de Boipeba, Ilhabela e Costa Atlântica Paulista Norte, Foz do Iguaçu, Chapada Diamantina, Belém e Marajó, Serra da Mantiqueira e Serra do Mar.


Amazônia: um dos destinos mais procurados

HN: Faz parte da filosofia da empresa tocar na palavra “espiritual”. Por que você acredita que o contato com a natureza pode ser espiritual?
Werblowsky:  Senti isso quando fiz a primeira caminhada. O caminhar, este ancestral exercício cadenciado, uma apaziguante atividade, com sua marcação interior, seu ritmo, e que entra em ressonância com o ritmo da respiração, do coração, do fluxo  do sangue, produz um estado de alteração de consciência. Repousa aqui a sua maior magia. Sem querer entramos em alfa. As águas, as cachoeiras e os rios potencializam este estado. Entramos em conexão profunda conosco mesmos, com os demais, com a natureza e com o divino. E é esta a diferença crucial entre ecoturismo e turismo de aventura.  Não é à toa que grandes personagens da história, da filosofia, da ciência e da religião criaram muitas vezes suas maiores obras caminhando, em peregrinação ou meditando. Newton concebeu debaixo de uma árvore sua teoria que revolucionou a física.  Goethe criava caminhando. Nietzche também. Rousseau, Thoreau, praticamente todos os pintores, todos criavam em meio à natureza. As minhas melhores idéias obtenho caminhando. Seja na floresta, seja num parque. A maioria das minhas criações, dos meus textos, ensaios, artigos, projetos, escrevo enquanto caminho numa praça ou num parque.

“O caminhar produz um estado de alteração de consciência. Repousa aqui a sua maior magia. Sem querer entramos em alfa.”

Nossa visão atual da vida está muito fragmentada e isto desde a revolução industrial, desde Descartes. Perdemos a ligação espiritual com a natureza, com o divino que ela contém. Até o ambientalismo usa discursos absolutamente científicos para a preservação ambiental. Só se utilizam estatísticas, números. É terrível. Não se usa o discurso do direito à vida, a que a natureza também pode aspirar. Para mim a Amazônia é um corpo vivo. Vejo as árvores como entes divinos. O mesmo para as plantas e os animais. A natureza também chora quando violada, só que suas lágrimas escorrem de forma diferente.

Vivemos numa sociedade desequilibrada, enferma. A primeira cura deve ser a espiritual, a da alma. Se pensarmos bem, felicidade de verdade é uma palavra que poucos conhecem. Pois estamos desconectados das coisas mais importantes. E que são as mais simples. O ecoturismo propõe recuperar tudo isso.


O ecoturismo prega a valorização das comunidades locais. O amazonense
Juarez sobrevive do turismo fazendo trilhas pela mata fechada

“Para mim a Amazônia é um corpo vivo. Vejo as árvores como entes divinos. O mesmo para as plantas e os animais. A natureza também chora quando violada, só que suas lágrimas escorrem de forma diferente.”

Na minha concepção, o ecoturismo verdadeiro é um ato de amor. De amor à vida. De respeito à diversidade, à fragilidade, às pessoas e ao planeta. Além de ser um segmento econômico, ele é uma filosofia. E não aceito sua banalização e nem a simples exploração econômica. Os gestores do ecoturismo têm o dever de compreender a atividade em todas os seus vieses. 
 
HN: Quando vocês orientam seus clientes, notam algum tipo de dificuldade de aprendizado no quesito educação ambiental? Ou as pessoas que partem para estes passeios já são conscientes da importância da preservação?
Werblowsky:  Posso classificar os clientes da Freeway em categorias, de acordo com o seu grau de interesse e sensibilização ambiental. 
Eu diria que 10% ainda são alienados; 50% são sensíveis; 30% engajados e 10% mobilizados.

Pelo que se pode perceber, a maioria dos clientes da Freeway são pessoas comprometidas com um planeta melhor. Comungam de nossas idéias e visões sobre o tema e estão receptivos à mudança de hábitos para adotar práticas para um planeta mais saudável. Lembro-me de um episódio ocorrido há 20 anos, numa viagem ao Sul, em que chegamos a um hotel em Santa Catarina, que estava com o quintal bastante sujo. Inesperadamente eu peguei uma pá e fui limpar o lixo do quintal. Sem falar nada, em alguns minutos os 40 integrantes do grupo estavam todos juntos limpando também. 
 
HN:
Como as demais operadoras, a seu ver, orientam os turistas?
Werblowsky: O maior problema são as operadoras de turismo de massa, que tratam suas viagens de ecoturismo com a mesma filosofia com que atendem e operam as suas viagens de massa. Não preparadas, não comprometidas, elas banalizam o ecoturismo, realizam vendas inadequadas, levando muitas vezes os clientes a comprarem pacotes em desacordo com suas expectativas e não respeitando os valores tradicionais das comunidades locais. Com isso, contribuem para a desvalorização dos destinos e subvertem o conceito do ecoturismo. É lamentável. Esse tipo de atitude pode comprometer a sustentabilidade de vários destinos.

“Os jornalistas poderiam ter um papel fundamental no esclarecimento da sociedade, do consumidor, separando o joio do trigo, mas não o fazem.”

A imprensa, que deveria ter um papel muito mais ativo nisto, que tem os instrumentos à mão, não cumpre com o seu papel, pondo muitas vezes todas as empresas, de ecoturismo, de turismo de massa, no mesmo bolo. Lamentavelmente o jornalista muitas vezes compara os pacotes (eu detesto este termo) somente em função do que está incluso objetivamente, ou seja, hotel, avião, atividades, esquecendo completamente os tão caros valores do ecoturismo, dos guias conscientes, do número de clientes por guia, da postura da empresa, etc.

Os jornalistas poderiam ter um papel fundamental no esclarecimento da sociedade, do consumidor, separando o joio do trigo, mas não o fazem. Talvez eles nem tenham consciência do que a natureza pode perder com esta omissão. Claro que há exceções, sei que os que erram não o fazem por querer. Sei como é a rotina nas redações, a pressão, o enxugamento destas, mas mesmo assim temos que mudar. Os veículos também têm a sua grande parcela de responsabilidade. Conceitualmente, há a necessidade de se integrar os trabalhos e visões das diversas editorias. Se meio ambiente aponta para a destruição da Amazônia e turismo dá as dicas de pacotes de ecoturismo, e se nós entendemos que o ecoturismo verdadeiro é fator de conscientização ambiental, alterando comportamentos, uma visão integrada mostraria que o ecoturismo sério, que só pode ser praticado por empresas comprometidas, contribuiria para reverter o problema ambiental. Algum jornalista já pediu para ver a missão da empresa, antes de colocar seus pacotes na seção de dicas de viagens de ecoturismo?

HN: Ecoturismo mal feito pode levar ao efeito contrário? 
Werblowsky: Se os objetivos forem nobres, se a prática for responsável, dificilmente haverá riscos. É fácil para o consumidor optar. Basta ele olhar a missão da empresa, seus valores. Se for comprometida, responsável, os prós são bem maiores do que os contras. Nossa experiência diária de 23 anos nos mostrou isso. Obviamente que qualquer interferência humana no meio ambiente causa impacto. Isto é inevitável. A questão é analisar o que é melhor: deixar um destino, um ecossistema, intocado (o que dificilmente ocorre, devido à destruição ilegal) ou permitir uma visitação controlada? Na minha visão, e é com esta filosofia que venho trabalhando nestes anos, a visitação controlada, conscientizando os visitantes, aumenta muito a consciência, promovendo a revolução individual que a natureza espera da sociedade, do individuo.

“Fico impressionado com a lentidão, com a burocracia, com a falta de coordenação de políticas para este setor.”

Mas para que isso ocorra, o ecoturismo deve ser regulamentado, disciplinado. E mais, deve ser promovido nos parques nacionais, que são seu grande palco. Só que no Brasil estamos atrasados 20 anos com isso. Acompanho este panorama e fico impressionado com a lentidão, com a burocracia, com a falta de coordenação de políticas para este setor.

Acredito que se deveria criar uma Agência Nacional de Ecoturismo (Ane) para gerenciar as políticas de ecoturismo para os parques nacionais, coordenar as políticas de investimento, de uso e a integração público-privada. Isto está hoje em dia nas mãos do Ibama, que não tem foco, recursos e expertise para tocar o processo. Eles não dão conta nem de fiscalizar nossos parques, quanto mais de estabelecer e gerenciar políticas de uso. Gostaria que o Ministério do Turismo fosse um promotor desta idéia, já que se lograrmos estes objetivos, o Brasil terá muito mais produtos de alta qualidade para oferecer ao mercado nacional e internacional. O Brasil é reconhecido internacionalmente como o paraíso da megabiodiversidade. Estamos novamente perdendo o bonde da história. 


Ilhabela também é excelente para fazer
ecoturismo – mas só se for responsável

HN: Como você avalia as atividades ecoturísticas no Brasil?
Werblowsky:  Apesar de sua juventude, cresceram muito nos últimos anos tanto em quantidade quanto em qualidade. Posso dizer que temos um número cada vez maior de profissionais bem preparados e comprometidos. O desafio é separar o ecoturismo, que implica em postura conservacionista, de respeito ao meio ambiente, de minimização dos impactos ambientais, de melhoria das condições de vida das comunidades locais e de redução da pobreza, de valorizar as pessoas locais e de aumentar a sua auto-estima, do ecoturismo maquiado. 

HN: Como o ecoturismo pode afetar a hotelaria?
Werblowsky:  O ecoturismo tem sido um grande propulsor da hotelaria de pequeno porte no Brasil, abrindo áreas novas, criando oportunidades para o estabelecimento de empreendedores individuais.

O formidável crescimento das pousadas no Brasil nos últimos 20 anos em destinos afastados das cidades de negócios se deve basicamente à onda de descoberta dos destinos ecoturisticos no país e à crescente popularidade do ecoturismo.

A hotelaria de grande porte também tem se beneficiado desta tendência, embora até agora não tenham sido feitos investimentos em áreas de muita relevância ecoturística, ficando os investimentos ainda voltados para regiões litorâneas. Mesmo nestes, o apelo se concentra mais no contato com a natureza.

Ja há, entretanto, empreendimentos em construção em destinos ecoturísticos por excelência, como a Amazônia. Isto deverá crescer bastante nos próximos 20 anos. O destaque vai para os barcos-hotéis, que são uma das melhores opcões de experimentar a região.


Bahia, um dos lugares prediletos para a construção de hotéis
e para a prática de ecoturismo

Quanto aos parques nacionais brasileiros, existe um potencial importante para a instalação de equipamentos hoteleiros. Isto ainda não ocorreu por incapacidade e vontade do governo de estabelecer uma politica clara de regulação do uso dos parques com um programa de concessões de serviços. Nisto, outros paises latinos como o Chile, a Costa Rica e mesmo a Argentina, estão bem mais adiantados.

Caso o governo de fato implementasse um programa assim, por meio de um órgão voltado exclusivamente para a gestão do turismo sustentável nos parques, o Brasil criaria oportunidades de investimento para o setor e passaria a oferecer definitivamente um vasto leque de opçõess de ecoturismo para brasileiros e estrangeiros. Isto consolidaria nossa vocação como paraíso da megabiodiversidade e contribuiria com a criação de uma cultura conservacionista na população que viaja.

HN: Como a hotelaria pode ajudar o ecoturismo?
Werblowsky:  Em primeiro lugar projetando um hotel ou pousada que não impacte visualmente o ambiente. Espera-se que os empreendimentos propiciem uma integração harmônica com o destino, desenvolvendo a sua “alma ambiental”. Em segundo lugar, que ele seja uma extensão do ecossistema, um laboratório a céu fechado das riquezas apresentadas pelo destino. Terceiro, que a sua planta privilegie espaços abertos, luz e ventilação natural, reduzindo ao mínimo a luz e a ventilação artificiais. O projeto deve facilitar o livre deslocamento das correntes de ar fresco, quando isso for desejável. Menos paredes, mais árvores, plantas, água em movimento.

Os materiais devem ser o mais o orgânico e regional possível. Isso confere autencidade ao hotel. Repudia-se aço inox, granito, mármore, plásticos, telhas de fibrocimento. Benvinda é a madeira (de florestas plantadas), pedras, tijolos, sisal e fibras vegetais da região, terra, grama, cimento, telhas de barro. Dizemos não à iluminacao fria e sim às lampadas quentes, de cor amarela. Não também a animais presos. 

A comida deve privilegiar o regional. Nada de rechaud de aço. O ecoturista quer sentir as raízes. Comida em vasilhas de barro, usando o fogão à lenha para manter a comida aquecida. Tudo isso já contribui para deixar o ecoturista bem disposto para passar um dia inesquecível.


O ecoturista e o hoteleiro podem e devem ajudar as
comunidades locais

Dependendo do destino, disponibilizar kits-lanche (com produtos locais), dosados para propiciar uma alimentação variada e equilibrada durante o dia é muito bem aceito em locais onde os ecoturistas passam o tempo todo em passeios sem ou com pouca infra-estrutura alimentar.

Empregar pessoas locais e dar-lhes treinamento é outra solicitação dos ecoturistas. Eles querem travar contato com gente da terra, não com importados de outras bandas. Para pousadas e hotéis que querem atender hóspedes do hemisfério Norte, o conhecimento do inglês pelos funcionarios é fundamental. Uma boa estratégia é contratar um professor particular para o grupo de colaboradores. Além do aprendizado do idioma, começarão a se sentir valorizados, parte de um time coeso, o que repercutirá imediatamente no hóspede. Isso contribui para o aumento do valor da expêriencia do cliente, essencial para a longevidade feliz do empreendimento, que é a “alma do hotel”.

O ecoturista dará valor a um hotel com um bom projeto que preserve áreas naturais, privilegie vistas e limite construções. O projeto deve incluir um estudo acústico. Barulho deve ser banido. Benvindo o canto dos pássaros. Também devem ser previstos espaços para ler, ouvir música, asssistir DVDs sobre projetos da região.  

Cada colaborador deverá ser treinado para ter o cliente e seu atendimento como fim maior. Assim, cada um deverá ser escolhido, além de acordo com seu conhecimento para a função em questão, pela sua habilidade e prazer em conversar e ensinar aos hóspedes. Ele deve, além de sua função principal, ter um tempo determinado por dia para interação e condução do cliente. Cursos ou workshops informais de jardinagem, fruticultura, culinária local, artesanato, etc, são muito bem vistos pelos ecoturistas. Além do mais, possibiltam uma renda maior aos colaboradores, na forma de gorjetas.

“O ecoturista também espera ver no hotel um posicionamento pró-ativo
na questão ambiental.”

O hotel deve ser visto como um facilitador para o usufruto das atrações ecoturísticas pelo destino. E, como tal, deve viabilizar de forma fácil e cômoda, o acesso do ecoturista a todas as atrações. Para isso, o hotel pode fazer parcerias com receptivos, guias, atrativos, comunidades locais, divulgando todos os acontecimentos e ofertas de lazer a todos os seus diferentes públicos, em quadros no saguão.


Usina de compostagem do hotel Transamérica Ilha de
Comandatuba: exemplo a ser seguido

Da mesma maneira, deve procurar levar artesãos, artistas, grupos folclóricos e contadores de histórias da região para apresentações no hotel. O foco deve ser na experiência do cliente. A própria decoração deve abusar do artesanato local, procurando divulgar os artesãos e artistas da região. Isso envolverá a administração do hotel com as comunidades tradicionais, algo que o ecoturista valoriza muito.

O ecoturista também espera ver no hotel um posicionamento pró-ativo na questão ambiental. Reciclagem do lixo, controles e economia de água fresca e usada, políticas de lavagem de roupas de cama e toalhas, economia de energia, tudo isso não só deve ser implantado, como também usado para sensibilização ambiental do hóspede, que deve ser estimulado a conhecer em detalhes como funcionam todos estes processos. Cada vez cresce mais o interesse pelo turismo de experiência, no qual a interatividade e o aprendizado são seus eixos centrais. Espera-se do empresário uma postura ativa, um engajamento em campanhas e programas de preservação dos atrativos naturais e da herança cultural da região.

Unidos, os pequenos hotéis e pousadas, juntos com os demais atores da sociedade local, poderão ter um papel  decisivo para tornar o destino sustentável, permitindo o seu usufruto saudável e feliz para esta e as próximas gerações.

HN: Você tem algum caso para contar sobre comunidades que passaram a compreender a importância da preservação de suas culturas e da natureza mediante os benefícios e melhorias de vida que vieram em conseqüência do turismo sustentável?
Werblowsky: São muitos. A comunidade de Marcelino, nos Lençóis Maranhenses, aprendeu, devagar, a produzir artesanato de buriti. Depois começamos a levar alguns turistas para visitá-los, conhecer seus processos, interagindo com seu modo de vida, e comprar suas lindas bolsas. É um caso de relação harmoniosa, valorizando e respeitando o modo de vida. É uma lição para os dois lados. Visitantes e visitados. Esta troca é néctar puro. Outras agências foram abordá-los, de maneira inadequada, e sua aproximação foi rejeitada. Eles não querem quantidade, querem qualidade, respeito. Já sabem diferenciar a visitação que lhes faz bem daquela que só lhes explora.

A comunidade do Vale do Capão, na Chapada Diamantina, também já é bem consciente dos benefícios do ecoturismo bem feito e dos malefícios do turismo insustentável. Eles já sabem o que aprovar e o que rejeitar. E é isto mesmo o que queremos. Conscientização das comunidades locais para que elas tomem os seus destinos em suas mãos. Esta é a maior garantia de perpetuação de seus valores.

HN: A Freeway já fez campanha pela reciclagem, contra a compra de madeira ilegal da Amazônia, atuou junto ao projeto Griô pela educação das crianças na Chapada Diamantina… Quais ações tem atualmente pela preservação do meio ambiente e pela sociedade?
Werblowsky: Atualmente, com foco no exercício da cidadania, na conscientização ambiental e na valorização das minorias, temos: Projeto Ecossível – de capacitação de destinos ecoturísticos para o recebimento das pessoas com necessidades especiais; Viagem da vida – programa de voluntariado em comunidades ecoturísticas; Projeto Flâmula – uma parceria com a Usp para voluntariado nas comunidades do entorno dos Lençóis Maranhenses; Campanha contra a exploração sexual de crianças no turismo; Campanha Troque o mogno pelo eucalipto, estimulando a mudança de hábitos do consumidor, visando a preservação da floresta amazônica; o nosso Reciclare, em que 80% do volume do papel impresso por nós é feito em papel reciclado; o Projeto piloto Toi – Itacaré, em que escolhemos o destino Itacaré para realizarmos a experiência-piloto do Toi (Tour Operators Initiative) no Brasil, buscando tornar o destino sustentável.

HN: Como começou a campanha contra a exploração sexual infantil? Quais foram as ações da Freeway?
Werblowsky:  Começou por meio da minha conscientização desta tragédia numa reunião do Toi em Paris, onde tivemos a apresentação da campanha mundial feita pelo Ecpat, programa mundial de combate à exploração infantil. 

O Toi, como associação, assinou em conjunto o termo de compromisso com o Ecpat, no qual as operadoras se comprometeram a aplicar o Código de conduta em suas organizações. Retornando ao Brasil assinei ainda em separado o compromisso entre a Freeway e o Ecpat e pus mãos à obra. Saímos divulgando a campanha em feiras de turismo, distribuindo abaixo-assinados. Depois envolvemos nossos fornecedores (hotéis, pousadas e receptivos locais), adaptando o termo de compromisso que assinamos para nossos parceiros. E, por último, envolvemos nossos clientes na cruzada, recrutando-os como fiscais da campanha, de maneira que denunciassem qualquer exploração que vissem quando estivessem em viagem. Cada cliente que viaja recebe um folheto que o investe do poder de fiscalizar. Já rompemos contrato com hotel na Amazônia por denúncia de um cliente nosso.
 
HN:
Por causa da campanha, vocês ganharam o prêmio Eco 2006, da Câmara Americana de Comércio. Você pode falar um pouco sobre a  exploração sexual de crianças no Brasil?
Werblowsky: Ganhar o prêmio foi muito importante, pois nos instigou a continuar a cruzada e a fazer mais. Este é o papel de um prêmio. O reconhecimento da sociedade, dizendo: continuem, façam mais.

O problema é extremante profundo e está arraigado nas tradições culturais em boa parte do país. O seu fator detonador é a miséria, a falta de educação, de auto-estima, a não-cidadania. O turismo amplifica esta situação na medida que é o maior movimentador de pessoas do mundo.

O problema é estrutural e, como tal, necessita de soluções estruturais. Isto quer dizer que há que se ter uma política integrada para combater o mal. Ela implica em prevenção e repressão. Na prevenção aplicam-se medidas que proporcionem emprego, educação, incentivos a negócios próprios, desenvolvimento social como um todo, valorização das comunidades tradicionais, objetivando o resgate da auto-estima e a inclusão destas pessoas como cidadãos. A própria formação da consciência política é fundamental na medida em que isto contribui para fazer destes indivíduos gente na acepção sociológica do termo, enfim, cidadãos, e pessoas até aptas a reivindicar e, ao mesmo tempo, encontrar o seu papel na dinâmica social.

No turismo, uma indústria associada ao lazer, na qual o sexo se encontra muitas vezes associado à visão do viajante, a exploração de menores pode se tornar alarmante se medidas preventivas não forem tomadas consistente e continuamente. Parte da responsabilidade cabe aos empresários da área, categoria na qual me incluo. Cabe a nós antecipar e prevenir o crescimento deste mal.

“A própria construção (obra) dos resorts, caso não haja preocupação com o tema, poderá gerar um sem número de gestações em crianças, resultando em famílias desestruturadas, bebês abandonados.”

Com o crescimento dos investimentos em hotelaria e resorts no Brasil, milhares de novos turistas estrangeiros virão ao país. Ao mesmo tempo que isto gerará um impacto positivo nas contas, no emprego, no lucro das empresas, poderá ter um impacto negativo na questão social, na marginalização das comunidades locais do processo turístico, na alienação cultural, na perda dos valores ancestrais e também na exploração de menores. A própria construção (obra) dos resorts, caso não haja preocupação com o tema, poderá gerar um sem número de gestações em crianças, resultando em famílias desestruturadas, bebês abandonados. A