Entrada da Estrada Parque Transpantaneira,
que liga Porto Jofre a Poconé (MT)
(fotos: Chris Kokubo)
Nossa viagem não é ligeira, ninguém tem pressa de chegar
A nossa estrada é boiadeira, não interessa onde vai dar
Onde a Comitiva Esperança chega já começa a festança
Através do Rio Negro, Nhecolândia e Paiaguás
Vai descendo o Piqueri, o São Lourenço e o Paraguai
 
Tá de passagem, abre a porteira, conforme for pra pernoitar
Se a gente é boa, hospitaleira, a Comitiva vai tocar
Moda ligeira, que é uma doideira, assanha o povo e faz dançar
Ou moda lenta que faz sonhar
 
Ê, tempo bom que tava por lá
Nem vontade de regressar
As estrofes acima, da música Comitiva Esperança, de Almir Sater e Paulo Simões, transmitem o clima do Pantanal e um pouquinho da hospitalidade das fazendas pantaneiras, que originaram os meios de hospedagem da região. Não é difícil, mesmo para quem viaja bastante e conhece o mercado hoteleiro brasileiro, esperar algo não tão confortável quando o assunto são os hotéis-fazenda do destino. A impressão é que passar uns dias conferindo a natureza do coração da América do Sul exigirá pouco conforto e nada de requinte.
Ledo engano. Esta matéria vai mostrar que não é bem assim. Todos os hotéis da região têm acesso pela Transpantaneira, rodovia que corta o Pantanal. A hospedagem nas fazendas do Mato Grosso surpreende pelo alto grau de acolhimento, bom serviço e pelas ótimas instalações. Sem contar o carisma das pessoas, fator de certa forma inerente à cultura brasileira, que encontramos em músicas como a acima.
Por Chris Kokubo*
A área em azul mostra a localização do
Pantanal: um terço no Mato Grosso
e dois no Mato Grosso do Sul
(imagem: wwf.org.br)
A reportagem do Hôtelier News passou duas noites e três dias no Pantanal do Mato Grosso, pernoitou em duas pousadas e pôde conferir as instalações de uma terceira. Tempo nem de longe suficiente para conhecer a fundo as belezas da região, mas apenas para provar – e aprovar – a hospitalidade local.

Mapa da Transpantaneira com o nome dos
hotéis do percurso. Em destaque,
os três que o
Hôtelier conheceu
(imagem: transpantaneira.com)
Passamos a primeira noite na Pousada das Araras, propriedade do carioca André von Thuronyi, um dos responsáveis pela profissionalização da hotelaria local. “Na verdade, virei hoteleiro para conseguir oferecer serviço de qualidade aos clientes da minha operadora”, afirma ele, que arrendou o empreendimento em 1988 e somente oito anos depois resolveu mudar-se de vez para lá, em busca de melhor qualidade de vida. “Hoje posso dizer que o hotel é referência de bom serviço para os outros estabelecimentos no ecoturismo do Pantanal, assim como o Porto Jofre é na pescaria”, afirma Thuronyi, que é também presidente da associação do setor na região.
Entrada do Araras Eco Lodge

 
A fazenda é propriedade de Thuronyi há 20 anos
“Os meios de hospedagem do Pantanal vivem muito de sazonalidade. Os estabelecimentos pesqueiros, por exemplo, têm baixa ocupação durante a piracema, de novembro a fevereiro”, explica o ambientalista hoteleiro. Na Pousada das Araras, ou Araras Eco Lodge, como é conhecida pelos estrangeiros, seu principal mercado, a alta temporada vai de julho a outubro, quando a ocupação varia de 60% a 100%. “Tanto a época da cheia quanto a da seca são muito ricas e bem diferentes. Engana-se quem pensa que uma é melhor ou mais bonita que a outra. Cada estação tem suas belezas”, esclarece Thuronyi.
Logo de manhã, o casal de tuiuiú, pássaro-símbolo
do Pantanal, já dá as caras

 
O café-da-manhã começa a ser servido bem cedinho, às 6h.
Há muito para ser visto por aqui, o dia vai ser longo
 
Mesmo quem nunca se imaginou observando pássaros
horas a fio vai ter vontade de fazer isso por aqui
A diária média chega a R$ 320 por pessoa, mas há variação conforme a época. “Este ano a Varig nos fez muita falta. Na baixa temporada, atingimos cerca de 32% de ocupação, e no começo de 2008 o índice baixou para 25%”, explica.
Em abril deste ano, a Pousada das Araras foi considerada um dos Dez mais incríveis meios de hospedagem verdes da terra pelo jornal norte-americano USA Today. Thuronyi, um ambientalista convicto há muito tempo, manda o recado: “O Pantanal é o primo pobre da Amazônia. Pouco a pouco, ganha uma visibilidade que justifica muitos anos de labuta. A questão ambiental é essencial nos dias de hoje e, como um pequeno pousadeiro brasileiro, digo que os grandes hoteleiros da cidade grande têm um importante papel, já que, mesmo no contexto urbano, é possível – e imprescindível – educar para esta questão”. Ele acrescenta que seu sonho é agregar valor turístico que resulte em preservação e mostrar que conservar pode dar tanto e até mais dinheiro que criar gado ou plantar soja.
 
 
As ararinhas dão as boas-vindas ao apartamento. Nos detalhes e prateleiras, somente madeira de demolição e material reciclado
 
Os ladrilhos das UHs são os originais da fazenda. No
banheiro, a parede quebrada limita a área do banho
 
Thuronyi falou conosco no restaurante do hotel.
Depois, hora de presentear os ouvidos com as
modas da dupla de viola em volta da fogueira

Os detalhes da decoração revelam costumes da região
Todos os apartamentos têm varanda que convida ao relaxamento
 
A recepção está logo à esquerda depois da porta.
Em frente à sede, um balanço
Localizado no município de Poconé, o empreendimento conta com 19 UHs em uma fazenda de 3 mil hectares, “área que para o Pantanal é relativamente pequena”, como explica o proprietário. Com 17 colaboradores (na alta), oferece todas as refeições, atividades como caminhadas, cavalgada, foto-safári, canoagem, massagem, reflexologia e palestras ambientais.
Thuronyi afirma que o grande desafio dos hoteleiros da região é atrair o público nacional, inclusive o mato-grossense. “Queremos desenvolver o consumo consciente da natureza entre os brasileiros, algo que o europeu, por exemplo, já conhece desde a década de 70, quando me instalei aqui”. Na pousada, 62% dos hóspedes são europeus, 20% americanos, e 18% brasileiros.
Jacaré – o animal mais popular por aqui: há 40 deles para cada pessoa no Pantanal – e capivara convivem lado a lado

Uma das trilhas do Araras Eco Lodge percorre esta passarela,
muito útil na época das cheias (fevereiro a abril)

Thuronyi enriquece a caminhada com muitas
informações sobre a flora e fauna locais
 
O Pantanal também tem guaraná. O topo da torre de observação está a 25 metros do chão, no final da passarela

Do alto, é possível ter visões como esta: um mar de copas verdes
 
Lá de cima vimos também um cervo. Na
pousada, as aves que dão nome ao lugar
Qualquer lugar alagado é abrigo de jacaré
 
O hotel oferece mergulho e flutuação no Passo da Ema Ranch Lodge, complexo que fica a 4 km da sede. Detalhe: o rio tem piranhas, mas a segurança é garantida. A criação de cavalos também fica no Lodge

Este pôr-do-sol foi visto a caminho de outro ponto de
observação do hotel, na copa de uma árvore

Aqui, fotografado a 12 metros de altura
Passamos o segundo dia na Pousada Mato Grosso. Foi lá que fizemos o passeio de barco e mais observação de animais. Com 35 UHs, o hotel está à beira do Rio Pixaim, onde pudemos apreciar um belo pôr-do-sol, com direito a tuiuiú sobrevoando as águas.
A Pousada Mato Grosso e seu reflexo no Rio Pixaim
 
Os hóspedes dispõem de rede e piscina,
muito útil no calor mato-grossense
 
Cadeiras de balanço na varanda do restaurante e a
visão que o hóspede tem da casa sede ao chegar
Eis o rio para o passeio
Todos devidamente equipados com salva-vidas
e câmera fotográfica…
…para não deixar passar cenas como esta,…

…esta,…
…esta,…
…ou esta
Tem a revoada dos pássaros, que a essa hora
estão à busca de um galho para passar a noite

“Com a alta do dólar, perdemos movimento. Estou no empreendimento há dez anos. Entrei como garçom e hoje cuido da operação”, afirma Florêncio Sávio Sene da Silva, o Bugrinho, gerente geral. “Em junho e julho temos mais brasileiros, mas agosto e setembro é a vez dos europeus. No ano todo a taxa de ocupação média chega a 40%, mas quando o dólar estava alto, atingia 80%”, afirma. As diárias do meio de hospedagem, que faz parte da rede Mato Grosso, com hotéis também em Cuiabá, variam de R$ 240 a R$ 300 por pessoa. Focagem noturna de jacarés e pescaria esportiva são oferecidas pelo hotel que conta com dez colaboradores. Aliás, a escala de trabalho funciona de maneira semelhante nos hotéis da região: 24 dias fixos seguidos por seis de folga.
 
O violeiro-guia nos presenteia, mais uma vez, com modinhas e mostra, durante o passeio de barco, os dentes afiados da piranha
 
Bugrinho é o gerente geral do hotel. Nas trilhas, além de
ver animais, é possível dar banana para alguns deles
já acostumados com a presença do homem
 
De longe, a copa seca chama atenção. O zoom da câmera
permite uma visão detalhada do tuiuiú

 
Pelo jeito, ele gosta de árvores secas para fazer o ninho
O último dia foi dedicado à cavalgada na Pousada Piuval – palavra que dá nome ao ipê roxo na região -, com tarifas que variam de R$ 280 a R$ 300 o casal. Dos 22 apartamentos – todos com ar-condicionado e televisão -, dez possuem minibar.

 

A pousada foi inaugurada em 1989, mas a fazenda na qual está localizada já exerce atividades há 150 anos. Aliás, a maioria dos hotéis da região continua com a criação de gado paralela à atividade hoteleira.
 
 
A pequena recepção da Pousada Piuval e a ala dos apartamentos.
O hotel foi um dos primeiros da Transpantaneira
O número de jacaré é controlado pelo Ibama. Estes têm cinco
dias e serão, com autorização prévia, transformados em
bolsas e sapatos futuramente
Vacas, bois e pássaros convivem harmoniosamente no pasto
No haras da propriedade há cerca de 120 cavalos, 25 deles destinados à passeios de turistas. O restante é voltado para reprodução.

Cavalgada é uma das atividades frequentes na região
A trilha sonora da viagem é outro item que merece destaque. As melodias produzidas pelo dedilhar dos violeiros agradam gregos e troianos. Os brasileiros pedem: “toca a da chalana, a do ando devagar, a do violeiro…” Eles atendem, enquanto os estrangeiros acompanham com a cabeça – muitas vezes, com instrumentos que os hotéis disponibilizam, como maracas, pandeiros e guizos – as modas tão boas de se ouvir.
Desde que a novela Pantanal passou a ser reprisada este ano, as paisagens exuberantes da maior planície alagada do mundo voltaram a ser exibidas e devem contribuir para aumentar a taxa de ocupação de imediato ou ao menos inspirar os planos para a próxima viagem.
A novela influenciou sobremaneira quando foi transmitida há cerca de 15 ou 20 anos. Agora já não somos mais a novidade daqueles dias, mas a reprise deve sim trazer mais turistas. As imagens fantásticas do Pantanal evocam em qualquer um o desejo de conhecê-lo”, declara Thuronyi.
Ele tem razão. Quem já foi, fica com vontade de voltar. Quem ainda não conhece provavelmente terá mais vontade de conferir in loco se o lugar é tudo isso mesmo que a televisão mostra e que as modas de viola transmitem. É muito mais.
Serviço

 

Pantanal Mato Grosso Hotel
Estrada Parque Transpantaneira km 65, Poconé, MT
65 9981-3525
[email protected]
Pousada das Araras
Estrada Parque Transpantaneira km 32, Poconé, MT
65 3682-2800

 

Pousada Piuval
Estrada Parque Transpantaneira km 10, Poconé, MT
65 3345-1338
www.pousadapiuval.com.br

www.sedtur.mt.gov.br

 

* O Hôtelier News viajou ao Pantanal a convite da Secretaria de Turismo do Mato Grosso.