Flávio Dino, presidente do Embratur

(foto: divulgação/Embratur)
De certa forma, a criação do MTur (Ministério do Turismo) como pasta autônoma na estrutura de ministérios do governo federal, em 2003, sinalizou uma mudança na forma como o setor é visto. Mais atenção, naturalmente, redundou em ampliação de verba e de investimentos, além de melhor divulgação e organização de destinos e roteiros no Brasil.
O salto desde então no ingresso de turistas estrangeiros, que pulou de 4,1 milhões para 6,775 milhões em 2011, é evidente. No entanto, diante do potencial brasileiro e dos grandes eventos esportivos que o País receberá nos próximos anos, a impressão é de que os números são minguados – ainda que especialistas apontem um futuro promissor.
Há praticamente dois anos da Copa do Mundo, o turismo brasileiro atravessa momentos talvez nunca antes vividos. Questionados (e insuficientes) ou não, o ciclo de investimentos em torno do mundial de futebol e das Olimpíadas são inéditos. Para qualquer especialista, Sidney e, principalmente, Barcelona são os exemplos mirados por qualquer país/cidade organizador. Acredita-se, no entanto, que, para colher os mesmos frutos das duas cidades, um amplo e variado conjunto de ações de promoção são essenciais.
E é aí que o Embratur (Instituto Brasileiro de Turismo) ganha, ao menos em tese, sentido. Em entrevista concedida ao Hôtelier News antes de seu afastamento por conta do falecimento de seu filho, em fevereiro último, Flávio Dino, presidente do instituto falou sobre o incessante trabalho de promoção do turismo brasileiro no exterior e comentou os planos da entidade até os dois grandes eventos, que preveem uma atuação mais forte nos principais mercados emissores, além da reabertura de escritórios na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia e na América do Sul.
Por Vinicius Medeiros

“Uma das estratégias do Embratur é diversificar os motivos

pelos quais os turistas estrangeiros vêm ao Brasil”
(foto: arquivo HN)

 

Hôtelier News: É inegável que o turismo é uma boa ferramenta para vender a imagem de um país no exterior, seja para atrair turistas, bem como (e principalmente) para negócios. Levando-se em conta o momento do Brasil, que receberá dois grandes eventos esportivos nos próximos anos, o senhor acredita que o turismo possa ser realmente eficiente?
Flávio Dino: Vivemos um círculo virtuoso, que vai culminar com os megaeventos previstos para os próximos anos e conduzirá o turismo brasileiro a ser reconhecido internamente como aquilo que realmente é: um grande promotor de desenvolvimento, com geração de emprego e renda para a população. Para atingir esse novo patamar, uma das estratégias do Embratur é diversificar os motivos pelos quais os turistas estrangeiros vêm ao Brasil. Nesse âmbito, o segmento de negócios e eventos é muito importante, porque mantém a entrada de turistas em períodos que, por sazonalidade, há baixa entrada de turistas a lazer.
Por isso, além de nossos atributos no turismo de sol e praia, o Embratur trabalha em ações de promoção explorando outras características. Entre os fatos destacados está o bom ambiente econômico brasileiro, que se reflete em uma infraestrutura turística de qualidade. Tudo isso contribuiu para a subida brasileira de dez posições – de décimo nono para nono – no ranking da Icca [International Convention and Congress Association] entre 2003 e 2010. Não temos a intenção de que o Brasil não seja reconhecido mundialmente por suas belas praias e tradições no samba e no futebol, mas podemos explorar outras potencialidades que irão tornar o Brasil cada vez mais reconhecido como um destino turístico completo.
HN: Ainda é difícil para o Brasil desassociar-se da imagem de samba, mulata e Carnaval? Que cuidados devem permear a promoção turística no exterior?
Flávio Dino: O Carnaval ainda é e deve continuar sendo um produto turístico muito forte do Brasil, porque é uma marca da cultura brasileira, do jeito de ser do povo. Tampouco temos a intenção de que o Brasil não seja reconhecido pela tradição no samba. Mas podemos explorar outras potencialidades que irão tornar o País cada vez mais reconhecido como um destino turístico completo.
Somos realmente uma nação de um povo feliz e festeiro. Temos orgulho disso. Mas também queremos ser conhecidos como um povo trabalhador, competente, capaz de organizar uma economia dinâmica e moderna, que nos colocará em breve entre as cinco maiores economias do mundo. E que, além de tudo isso, é um País de uma diversidade natural e cultural únicas, com as quais sabemos conviver de forma sustentável e respeitosa.

O canal no YouTube foi um lançamento recente
do Embratur em parceria com o Google
Importante destacar, diante de sua pergunta, que o Embratur é intransigente em relação à exploração sexual. O chamado turismo sexual, para nós, não é turismo. É, na verdade, um crime de exploração sexual e deve ser combatido. Tampouco permitimos que nossas peças publicitárias de divulgação no exterior possam alimentar estereótipos que sirvam de incentivo dessa prática criminosa.
HN: E para atrair investimentos? Como deve ser conduzido o trabalho de prospecção de turismo corporativo, bem como a imagem brasileira?
Flávio Dino: O trabalho de promoção turística internacional, iniciado em 2003, trouxe excelentes resultados. Inegavelmente, temos colhido seus frutos constantemente. O País atingiu um novo patamar como destino global, e o turismo se consolidou como um dos principais itens na pauta exportadora brasileira. O aumento do ingresso de turistas estrangeiros, ao longo dos últimos anos, evidencia o avanço do trabalho de promoção internacional do Brasil e seu bom desempenho. A entrada de divisas, por exemplo, subiu 139% de 2003 a 2010 e, em 2011, deve fechar com recorde histórico.
Vamos manter as estratégias que garantiram esse sucesso, principalmente diversificando a imagem do Brasil no exterior. Vamos também intensificar o trabalho nos países sul-americanos, que são fundamentais para o turismo brasileiro, por proximidade geográfica, identidade cultural comum e semelhança entre o espanhol e o português. São todos fatores que facilitam o fluxo turístico, além, óbvio, de questões relacionadas a infraestrutura que, aos poucos, vão se resolvendo. Hoje, 75% de nossa malha aérea internacional está voltada para as Américas – EUA e América Latina.
HN: No final do ano passado, a imprensa noticiou que governo federal prepara um pacote de medidas para estimular o setor turístico e para aumentar o fluxo de turistas visando a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Fala-se em um trabalho de divulgação mais forte em alguns países e na reabertura de escritórios do Embratur outrora fechados. Onde são estes escritórios? Quais ações estão previstas?
Flávio Dino: Serão instalados 13 escritórios brasileiros de turismo no exterior, sendo três nos Estados Unidos, dois na América do Sul, um na Ásia e sete nos principais mercados emissores da Europa. Cada um deles será uma unidade avançada de promoção, marketing e divulgação de produtos e destinos turísticos. As atividades têm como foco a parceria e o relacionamento com os principais agentes econômicos responsáveis pela emissão de turistas em cada país.

Dino discursa em sua cerimônia de posse, em 2011
(foto: divulgação/Embratur)
HN: Fala-se também de investimento de publicidade em nações como México e Canadá, entre outros. Tal estratégia mostra que o objetivo é fugir dos países centrais em crise? Quais outros países também merecem atenção especial?
Flávio Dino: Mesmo diante da crise econômica vivida na Europa, o Brasil recebeu 1,6 milhão de turistas europeus em 2010, um quadro de estabilidade muito positiva diante da situação mundial. Por isso, muitos países europeus foram mantidos como mercados de altíssima prioridade a serem trabalhados. Nossa estratégia para 2012 é concentrar as ações de publicidade em 17 mercados prioritários, em vez de 35 como era feito no passado. Os critérios adotados para a definição desses países vêm desde o histórico do número de turistas enviados ao Brasil até o PIB [Produto Interno Bruto] per capita.
O México e o Canadá entram para a lista principalmente por seus altos números de turistas que viajam ao exterior. O restante dos destinos está no grupo pela representatividade no mercado mundial e pelo registro de entrada desses turistas no Brasil. Os 17 mercados são responsáveis por aproximadamente 84% dos turistas estrangeiros que visitam o Brasil. São eles: Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai, Peru, Uruguai, Alemanha, Espanha, Estados Unidos, França, Reino Unido, Itália, Holanda, Portugal, Bolívia, Canadá e México. Perceba que, apesar da diversificação, os mercados emissivos europeus não perderam força.
HN: E a China nessa história toda, já que é importante lembrar que, de certa forma, os turistas chineses vêm ocupando o espaço dos visitantes japoneses nos principais destinos turísticos mundiais?
Flávio Dino: De acordo com dados da OMT [Organização Mundial do Turismo], a China consolidou-se, em 2011, como principal mercado em expansão: tomou o lugar da Espanha e agora só perde para os Estados Unidos e para a França em termos de desembarques. Quando o item em análise é a receita turística, a China ultrapassa a Itália e fica em quarto lugar. As previsões apontam que os chineses serão o primeiro mercado turístico do mundo em 2020. Para se ter uma ideia, nos primeiros dois meses de 2011, a América do Sul e a Ásia lideraram o desenvolvimento, com uma taxa de 15% cada. Nestes dois mercados, existe uma percepção de interesse para o Brasil que é preciso evidenciar.
Em 2003, o Mercosul criou um escritório de promoção turística na Ásia, que colabora para que os países membros sejam destinos estratégicos das principais operadoras de turismo daquele mercado. Desde então, houve aumento no número de asiáticos que visitaram Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Assim, a cooperação com nossos vizinhos, seja na promoção conjunta em feiras e eventos, na elaboração de material promocional ou até mesmo na promoção de roteiros integrados, com destinos em mais de um país, é uma ferramenta importante em mercados distantes.
O Brasil foi eleito como destino turístico de maior potencial em 2009 pela revista chinesa World Traveller Magazine. Entre 2004 e 2010, a China registrou aumento de 52% do fluxo de turistas emitidos para o País, chegando a 37,8 mil pessoas em 2010, de acordo com o estudo da Demanda Turística Internacional. Ainda assim, gosto sempre de lembrar que a China possui uma população de 300 milhões de pessoas na classe média. Portanto, se conseguirmos atrair apenas 1% desse público, teremos 3 milhões de chineses visitando o Brasil.
Embratur também quer

fatia do mercado chinês
HN: Em recente entrevista, o senhor disse que “O principal legado desses eventos não é o turismo no período dos eventos, mas o que vai gerar depois; é a imagem que vamos deixar para os 20 mil jornalistas que estarão aqui”. Mas, afinal, que imagem é essa que o Embratur pretende deixar?
Flávio Dino: A Copa é uma oportunidade para o Brasil alavancar de forma exponencial a sua imagem no exterior, com reflexos altamente positivos para toda a cadeia produtiva do turismo nacional. É o momento de mostrar que além da natureza exuberante, um povo alegre e estilo de vida único, somos um país moderno, competitivo, industrializado e empreendedor. Queremos que, mesmo depois de acabados os jogos, a imagem de organização e competência para a realização dos megaeventos seja o legado da grande exposição de imagem obtida no cenário internacional.
HNO Embratur e o Ministério do Turismo têm estudos sobre o impacto econômico previsto para Copa do Mundo e Olimpíadas? Quanto estes eventos devem injetar na economia?
Flávio Dino: A previsão é que a movimentação de turistas, tanto brasileiros quanto estrangeiros, coloque diretamente R$ 9,4 bilhões na economia brasileira. Somente os 600 mil turistas estrangeiros esperados durante a Copa devem deixar R$ 3,9 bilhões no País.
HN: Fala-se muito em Barcelona como a cidade, e a Espanha como País, que mais se beneficiou do legado deixado por uma Olimpíada. A cidade espanhola é realmente o melhor modelo? Na contramão, Atenas 2004 seria a antítese disso?
Flávio Dino: Barcelona adotou um modelo bem sucedido, que deixou um grande legado para a cidade, inclusive no que se refere ao turismo. Com certeza, é um bom exemplo a ser seguido pelo Brasil. Os Jogos Olímpicos realizados em Atenas, em 2004, também tiveram pontos positivos, mas uma estratégia negativa ficou conhecida, que foi o aumento generalizado de preços. Essa tentativa de aferir o máximo possível de lucros durante os megaeventos pode gerar o efeito de “matar a galinha dos ovos de ouro”, que foi o que ocorreu na Grécia.
A megaexposição por conta dos Jogos Olímpicos de certa forma criou uma imagem de Atenas como um destino caro, o que, provavelmente, gerou impacto negativo no setor de turismo. Devemos ter esse como outro exemplo, desta vez a não ser seguido, afinal o sucesso dos jogos também depende do público, dos turistas locais e internacionais. A boa recepção dos turistas, os serviços prestados e a infraestrutura também fazem parte da organização dos Jogos Olímpicos. E, obviamente, o preço é uma das variáveis levadas em conta na avaliação que um turista faz de um destino visitado.
“Brasil já vive um bom momento econômico”
HN: Levando em consideração a conjuntura econômica mundial, em que os emergentes ganham cada vez mais espaço e importância a nível global, até onde o Brasil pode realmente chegar nessa década marcada pelos dois grandes eventos? Podemos sonhar em se tornar uma potência global turística e econômica?

Flávio Dino
: O Brasil já vive um bom momento econômico, crescendo com distribuição de renda, mesmo em meio à crise nas economias centrais, o que vem consolidando cada vez mais seu protagonismo global. Toda esta projeção de imagem no exterior obviamente colabora com o esforço permanente e intenso de promoção turística do Brasil conduzido pelo Embratur. Dentro do novo peso do Brasil neste cenário mundial, acredito que o turismo também terá uma nova importância para a economia brasileira.
Hoje, o setor já responde por 3,6% do PIB, mas esse percentual pode crescer muito mais e se tornar uma alavanca de desenvolvimento capilarizada, já que o setor está presente em praticamente todos os municípios brasileiros. Além disso, e não menos importante, ele ainda permite uma exploração limpa e sustentada.
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