José Ruy Veloso Campos
(foto: divulgação/Camila Gutierrez)

Na década de 1980 a inflação bateu duro na população brasileira.

Em 1987, por exemplo, a inflação média anual foi de 218,52%. 

A geração de profissionais que tem hoje pouco mais de 30 anos não tem ideia do que significa isso.

Foram anos difíceis.

No mercado imobiliário, sofriam locadores e locatários. Com a inflação galopante, muitas empresas faziam reajustes salariais a cada trimestre. Mas a lei impedia que os aluguéis tivessem igual reajuste. E este se mantinha apenas anual.

Com uma inflação de mais de 200% ao ano pode-se imaginar como ficava o rendimento dos proprietários dos imóveis que deixavam muitos deles fechados com medo de complicações na Justiça com os seus inquilinos.

Foi nessa esteira que surgiram os Flats Service ou Apart Hotéis.

Os investidores imobiliários viram nesses empreendimentos a sua grande oportunidade de manter seus rendimentos atualizados dentro do quadro inflacionário.

O país tampouco tinha linhas de financiamento imobiliário e a venda de unidades formando um condomínio foi um achado naquele momento.

No começo dos anos 90 os Flats acabaram por gerar atrito com as empresas hoteleiras por estarem atuando como hotéis, aceitando hóspedes por até um pernoite quando sua finalidade precípua era uma hospedagem de maior prazo, uma moradia, no mínimo, temporária.

Mas foi o Plano Real que trouxe para o país a possibilidade do investimento direto num projeto hoteleiro, sem a necessidade de mascarar a atividade atrás do serviço de Apart Hotel.

Com a inflação sob controle (entre 1994 e 1999 o Real estava balizado com o dólar estadunidense) as diferentes bandeiras hoteleiras foram chegando ao país e abrindo novas opções para o consumidor, para o hóspede. 

E o sistema de financiar os empreendimentos foi o mesmo adotado pelos Flats.

As incorporadoras definiam um terreno em determinada localidade, acertavam com uma bandeira, enquadravam-se no seu padrão construtivo e lançavam o produto com um suposto alto valor agregado.
Sim. Alto valor agregado. Não se tratava de um pequeno apartamento para uso próprio ou locação. A venda se dava na perspectiva de uma renda contínua, segura, com uma ocupação acima de 60% nos estudos de viabilidade apresentados.

Assim, o investidor comprava mais do que um imóvel entre 18 e 24 metros quadrados, mais a área comum. Ele comprava sua participação num hotel de marca conhecida e de sucesso garantido.

Essa cultura de mercado girou razoavelmente bem, com os senões que qualquer mercado apresenta. No decorrer dessa jornada, entre 1994 e 2010, muitos empreendimentos foram bem sucedidos, outros nem tanto.

Alguns estudos de viabilidade podem ser questionados, outros, mesmo aparentemente corretos, não deram o melhor resultado aos empreendimentos.

Foi em 2010, e aqui é uma narrativa heterodiegética, que o Secovi de São Paulo, (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo) criou um Manual de Melhores Práticas de Condo Hotéis. Esse manual teve como norteador o Código do Consumidor, a colaboração de alguns dos mais sérios asset managers do mercado e visa uma regulamentação que dê alguma garantia para o investidor e ao mesmo tempo para o operador hoteleiro.

Quando a CVM entra nesse cenário, entendendo que o Condohotel é um Contrato de Investimento Coletivo – CIC – e que, portanto, constitui valor mobiliário nos termos do inciso IX do art. 2º da Lei nº 6.385/1976, sujeitando-se à legislação do mercado de valores mobiliários e, por consequência, à regulação emanada da CVM, percebe-se que se trata apenas de regular algo que o próprio Secovi já vinha tratando.

Ouvindo players e asset managers da cidade de São Paulo é possível compreender que as regras da CVM vão apenas regular um mercado que corria um bocado solto.

Um dos pontos polêmicos para alguns incorporadores está no item 3.3 da minuta da CVM (em consulta pública até 8 de fevereiro de 2017) diz respeito ao critério de qualificação para os investidores:

Nessa direção, a Minuta manteve os seguintes critérios de qualificação que se encontram atualmente na Deliberação 734: (i) investidores considerados qualificados, nos termos da regulamentação específica da CVM, (ii) e pessoas naturais ou jurídicas que possuam, ao menos, R$ 1.000.000 (um milhão de reais) de patrimônio. 

A exigência, de acordo com players não identificáveis e asset managers de fala aberta, têm a ver com a proteção ao investidor que está comprando mais do que um imóvel, uma garantia de renda e que pode não se viabilizar no tempo esperado.

Por outro lado, se o investidor for proprietário de outro condohotel, poderá ficar livre da comprovação desse capital de um milhão de reais.

Vários outros aspectos serão analisados pela autarquia, entre eles o material publicitário, o estudo de viabilidade e o fato de que esses produtos não podem ser vendidos por corretores imobiliários.

Lendo a minuta, a compreensão é exatamente essa, a da proteção ao investidor. Não há mal nisso. Pelo contrário, certamente quando o mercado se recuperar do estrago da gestão irresponsável do lulopetismo, os investidores terão maior segurança para entrar nesse mercado.

Fontes: https://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/audiencias_publicas/ap_sdm/anexos/2016/sdm0816edital.pdf 
Alexandre Mota, ‎diretor na Caio Calfat Real Estate Consulting. Diogo Canteras, diretor da Hotelinvest.

José Ruy Veloso Campos é mestre em Comunicação e Turismo pela ECA/USP, especialista em Gestão Educacional pela UNICAMP, graduação em Letras pela Universidade S Francisco, Marketing Hoteleiro pelo Centro Internacional de Glion.   

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