José Ruy Veloso Campos
(foto: divulgação/Camila Gutierrez)

A hotelaria tem uma contribuição histórica inestimável na formação dos aglomerados urbanos. Desde os tempos bíblicos a hospitalidade, e a hospedagem, vêm sendo organizadas junto com as cidades, transmitindo de alguma forma o calor e a amabilidade dos autóctones aos viajores.

Do ponto de vista da economia os meios de hospedagem geram empregos, recolhem taxas e participam da atividade econômica das urbes.

É a melhor tradução da hospitalidade comercial. 

De acordo com Conrad Lashley, professor da Stenden University of Applied Science, Holanda, com vários livros publicados e uma autoridade em hospitalidade no mundo, 

Desse modo, o da hospedagem comercial, os hóspedes podem usar as acomodações sem temer qualquer outra obrigação mútua em relação ao hospedeiro, além daquela exigida pelo relacionamento mercadológico, isto é, pagar a conta.

Como sabemos, com o tempo os hotéis deixaram, em boa medida, de ser uma atividade comercial familiar para se tornarem investimentos imobiliários com muitos acionistas, gestores e conhecidas marcas. E como tal, seus gestores têm uma luta permanente por bons resultados para seus acionistas, cotistas ou condôminos. 

Lembro-me dos anos 80 quando o esforço para a informatização dos hotéis, no Brasil, passava pela dificuldade de desenvolvimento dos sistemas barrado pela economia fechada pela visão nacionalista dos militares. 

Hoje alguns hotéis no país possuem um nível de informatização que permite ao hóspede utilizar seu celular para algumas operações dentro de sua unidade habitacional, com sua conta etc. 

Dos conventos da idade média aos hotéis inteligentes de hoje, a forma da hospitalidade comercial teve mudanças abissais.

Sim, o mundo sofreu mudanças com os avanços tecnológicos que vão desde o homem pisar na lua até podermos falar com alguém no telefone portátil vendo o seu rosto, e o outro ao nosso, ou mostrar, em tempo real o que acontece à nossa volta, gravando as imagens e som, em tempo real, com um minúsculo aparelho telefônico. Nem os seriados do Flash Gordon nos anos 30 ou o icônico De Volta para o Futuro, nos 80, conseguiram prever isso através do cinema, ainda que o último mostre um tipo de vídeo conferência.

Assim é. 

Tampouco se conseguia imaginar, nos 90, que poderíamos baixar músicas e filmes pela internet na TV e nos telefones celulares. Muito menos ainda que pudéssemos chamar taxi, pedir pizza ou reservar hotéis com aplicativos pelo telefone celular. E fazer o check in nas companhias aéreas? 

Sim. Os avanços tecnológicos nos permitem facilidades impensáveis há pouco mais de uma década. 

E como sempre foi na história, cada passo largo no progresso tecnológico pode assombrar aqueles mais conservadores.

Desde a locomotiva a vapor até a robótica, passando pelo automóvel, o trator e as colhedeiras, tais mudanças mexem com o espírito de defesa do homem. Como será a vida daqui para frente? Como poderei sobreviver à tamanha mudança? 

E uma situação análoga, parece, a que atravessa hoje a indústria hoteleira no mundo em relação ao Airbnb.

Ao tempo em que jovens californianos criaram um aplicativo interessante, que proporcionou a boa parte da sociedade uma forma de manifestar seu viés hospitaleiro na perspectiva mista da hospedagem comercial, oferecendo ao visitante a oportunidade de vivenciar mais de perto o ambiente dos nativos, o sistema organizado de hospedagem comercial sentiu-se atingido perigosamente. 

A chegada de aplicativos como o Uber e o Airbnb, configura-se como paradigmas da nova economia do século 21. É um momento de inovação. 

O professor Clayton Christensen, da Harvard Business School, diz em seus estudos que com a inovação que vem de formas cada vez mais colaborativas de interagir, torna um desafio permanente o fazer diferente, o inovar.

Christensen, fala da inovação desruptiva, entendida como,

“um processo pelo qual um produto ou serviço enraíza-se inicialmente em aplicações simples no fundo de um mercado e, em seguida, implacavelmente se move para cima desse mercado, eventualmente deslocando concorrentes estabelecidos”.

O professor de Harvard diz que as empresas costumam buscar “inovações sustentáveis” nos níveis mais altos de seu mercado, porque historicamente tiveram sucesso cobrando os preços mais altos para os seus clientes mais exigentes e sofisticados. 

Ao fazer isso, no entanto, ensina o professor, 

“as empresas abrem involuntariamente a porta para "inovações disruptivas" no fundo do mercado. Uma inovação que é disruptiva permite que toda uma nova população de consumidores no fundo de um mercado tenha acesso a um produto ou serviço que foi historicamente acessível apenas para os consumidores com um monte de dinheiro ou muita habilidade”. 

O que caracteriza o Airbnb é a possibilidade de vivenciar de perto o movimento do autóctone, seus usos e costumes e, claro, pagar menos pela hospedagem.

De acordo com o Airbnb, a renda média anual de seus anfitriões, como denomina àqueles que cadastram seus imóveis para alugar, é de cinco mil reais. Diz ainda a empresa que 46% dos anfitriões no país compartilharam seus lares primários, e em média, um espaço é alugado por 15 noites ao ano e recebe 14 hóspedes.

Não só, mas boa parte dos usuários desse serviço parece conseguir se hospedar por um preço que não lhes seria acessível no sistema convencional de hospedagem comercial. 

Para Christensen as diferenças dos negócios disruptivos não são atrativas para as empresas que têm seus olhos em alvos mais altos no mercado:

As características dos negócios disruptivos, pelo menos em seus estágios iniciais, podem incluir: menores margens brutas, mercados-alvo menores e produtos e serviços mais simples que podem não parecer tão atraentes quanto às soluções existentes quando comparadas com métricas de desempenho tradicionais. Como esses níveis mais baixos do mercado oferecem margens brutas mais baixas, não são atraentes para outras empresas que se movem para cima no mercado, criando espaço no fundo do mercado para novos concorrentes disruptivos emergirem.

Nessa perspectiva a indústria hoteleira poderia pensar na criação de produtos mais próximos do que usufruem os hóspedes do Airbnb. Em verdade, alguns já os vêm criando.

Num olhar superficial sobre tal conceito, podemos enquadrar o Airbnb como um negócio disruptivo? Assim me parece.

O Airbnb apresenta uma ruptura no modelo tradicional de hospedagem comercial e deve alterar as bases de competição existentes.

E como reage o mercado a esse fenômeno?

A primeira reação do mercado estabelecido, a hospedagem comercial no mundo, é a de bater no concorrente pela via da regulamentação, com a mão grande do Estado. Por complexa que ela possa parecer.

A chegada desse novo negócio da economia do século 21 coincide com uma crise mundial para os meios de hospedagem.

As grandes capitais e principais destinos turísticos do mundo têm sua ocupação hoteleira em baixa desde os últimos atentados terroristas. Já o Brasil, sabemos todos, passa por uma crise econômica sem precedentes o que abalou todo o setor de serviços e não somente os hotéis.

A modalidade de hospedagem do Airbnb ajuda a alavancar a economia num momento em que temos 11, 8 milhões de pessoas desempregadas (IBGE, julho 2016). O rendimento anual de cinco mil reais tem importância para a família em desemprego. E essa renda deve ser declarada no imposto de renda. 

O Estado é lento. Já não dá conta do que lhe é devido com todo o dinheiro que arrecada dos brasileiros através dos mais complexos e nem sempre compreensíveis impostos. Por que provocar o alcance do Estado a mais esse duro trabalho de oferecer parte de sua própria residência, quando não ela inteira, para uso de um terceiro? 

Nada contra a reação corporativa da indústria hoteleira.

Mas talvez seja um bom momento para conseguir a redução de impostos e taxas, de alterações efetivas na forma de contratação part time de empregados etc.

Não parece soar bem, do ponto de vista do enfrentamento da inovação, da modernidade e dos “negócios disruptivos” enfim, a reação do diretor-executivo da cadeia hoteleira LaSalle Hotel Properties, Mike Barnello. 

De acordo com a colunista Elizabeth Dwoskin, do Washington Post, em matéria publicada em 26 de outubro último, Barnello disse numa reunião com acionistas, sobre a lei do governador do Estado de Nova York que proibiu o aluguel de imóveis por menos de trinta dias:

Deve ser um grande impulso para o nosso negócio, certamente em termos de preços…

Aumentar os preços dos hotéis ao menor sinal de que obstáculos estão sendo colocados para esse negócio inovador que é o Airbnb não parece, definitivamente, o melhor caminho.

Tá chegando o Espírito Natalino.

* José Ruy Veloso Campos é mestre em Comunicação e Turismo pela ECA/USP, Especialista em Gestão Educacional pela UNICAMP, graduação em Letras pela Universidade S Francisco, Marketing Hoteleiro pelo Centro Internacional de Glion.

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