Márcio Moraes

O que você aprendeu ontem? Não importa qual “ontem”, você poderá retornar a leitura novamente desse artigo daqui alguns dias e esse “ontem” ainda servirá. Aprendemos todos os dias, você é diferente hoje justamente pelas experiências do passado. Aprendizagem se faz no contexto individual e coletivo, não importando a hierarquia, você aprende com líderes, pares e liderados.

Não há autoridade máxima na aprendizagem, o mestre ensina e aprende com o aprendiz, durante uma conversa, você não distingue quem é quem, todos assumem os dois papéis, essa é a plenitude da aprendizagem. Aprendemos no meio social, familiar e de trabalho, levamos tudo isso para as tomadas de decisões, sem perceber estamos nos apropriando de atitudes sem saber de onde elas vieram. Esse é o grande valor da aprendizagem, ela é transformadora e emancipatória.  

Cabe ao eterno aprendiz se colocar à disposição da aprendizagem e não acreditar em verdades absolutas, amanhã posso acordar não acreditando mais nas verdades por mim ditas ontem. A flexibilidade nos dá esse poder. Se estamos na era da informação e também da conexão, significa a possibilidade de aprendizagem ainda maior. Muitas tendências se tornaram incertas quando a dinâmica das palavras evoluiu, com muita liberdade atingem milhões em poucos instantes. Mudar de opinião é uma constante, por mais estranho que seja, tornando o mercado (qualquer um) volátil pela transformação constante do pensar, enxergar e opinar de como será o futuro. 

Quem resiste à mudança, fica para trás, como aconteceu com grandes marcas, com a decadência não mais atendem os anseios da população, como por exemplo, a Kodak. A empresa há pouco tempo campeã em vendas de rolos de filmes insistiu em obrigar as pessoas a pensarem como eles. Mesmo sendo a primeira empresa a criar uma máquina digital, insistiram no rolo de filme, com receio de perder o mercado, não aprenderam que nada é 100% seguro,  a mudança não segue regras, muito menos à caprichos, corroendo certezas. 

Tive grandes aprendizados na minha vida e continuo tendo, cada nova pessoa em nosso convívio é um olhar diferente, inovador. Recentemente, li um livro sobre plano de carreira indagando o tempo de vida útil.  Não entendi, quando nos tornamos inúteis? Olhei a data de publicação, de 2005, será um livro já obsoleto? Não em tudo, em alguns pensamentos, ainda deu para aproveitar algumas partes do “ontem”. Assim acontece conosco, quantas partes de nossos pensamentos ainda são aproveitados para o tempo atual? Também cabe aqui um ensinamento, vindo da minha mãe – quem estiver disposto à aprender, cresce! –  há certos “ontens” que ainda são atuais e estão guardados com muito carinho. 

Você deve estar perguntando: E esse Tião, Sebastião, o que tem a ver com aprendizado? Tudo! Como docente, há passagens interessantes de como aprendi com os alunos. Tenho duas inspiradoras, com a mesma importância das demais, porém cabe aqui em todos os sentidos, principalmente porque foi em 2002 ou 2003, não tenho certeza, foi um “ontem” distante que utilizo até hoje como aprendizado. 

Nessa época o Centro Universitário Senac Campus Campos do Jordão foi contratado para um projeto do governo Estadual chamado “Programa Profissão”, lecionamos para adolescentes que cursavam o ensino médio de escolas públicas. A princípio tivemos dificuldade de fazê-los compreender sobre a importância dessa experiência no futuro, havia desconforto, a convivência num empreendimento hoteleiro de destaque na cidade, com comportamento profissional diferente do universo daqueles meninos e meninas. Muitos já trabalhavam para ajudar a família, em atividades diversas, em ambientes informais. Existia a desconfiança, “há espaço para mim nesse outro universo?“. 

A coordenadora do curso técnico e também desse programa me convidou para fazer parte desse projeto, ao qual abracei de imediato, um chamado para o desafio. Explicado a situação, ela me convenceu a visitá-los no ambiente deles, na escola em que estudavam. 

Assim, saí do meu trabalho, com o meu traje completo de gestor em hotelaria, o terno, e assim me apresentei à eles. A coordenadora havia dito à eles sobre a vinda de um professor para explicar os detalhes do programa, um docente bastante exigente (essa era minha fama) e mais informações sobre minha carreira no segmento hoteleiro, mostrando um universo diferente. Fui para frente da turma, todos quietos, olhando com cara de espanto. Eu nunca mais tinha entrado numa sala onde dava para escutar o “silêncio”. Relatei as atividades a serem realizadas, o quão grande seria essa oportunidade para o futuro deles, ainda sem nenhum sorriso em suas faces. Falei sobre o mercado de hospitalidade, as várias vertentes, assim como o aprendizado em sala de aula para depois partirem para as atividades práticas no Hotel Escola. As carinhas assustadas continuavam sobre o desconhecido. 

Na tentativa de conversar, insisti em ouvir perguntas – nenhum questionamento. Então retirei a minha gravata, comecei a falar da minha trajetória, da minha cidade natal, do meu primeiro emprego em hotel e restaurante. Depois retirei o paletó, arregacei as mangas, me “despi” da figura de profissional do hotel e falei da minha infância e adolescência, “na idade de vocês, sentei justamente nessas carteiras, em outra cidade, mas o universo era o mesmo, fui educado numa escola pública”. Aproveitei todas as oportunidades oferecidas pela vida e assim começamos a criar um elo.  Conversamos de igual para igual, relatei sobre outros profissionais em destaque no mercado de trabalho, não importando a sua origem, em escola pública ou particular, souberam aproveitar os degraus oferecidos. Aprendi naquele momento ao conquistar à confiança a importância de compreender o outro universo e respeitá-los na sua essência. 

Começaram as aulas, quebrando alguns preconceitos, ainda tinha muitos paradigmas e descobertas, na ocasião havia as chamadas nos Diários de Classe em papel, e ao falar o nome Sebastião ouvi a voz lá do fundo, “Tião, professor”, coloquei a lápis sobre o nome dele a palavra “Tião” para não esquecer. Essa quebra de paradigma foi comigo, já que no meu universo todos os alunos eram atendidos pelo nome e sobrenome.  Aprendi que os detalhes fazem a diferença no processo de adaptação, nos tornar mais flexíveis é essencial quando estamos dispostos à trazer a experiência de vida de cada um para sala de aula. Tião se sentiu reconhecido e como se estivesse dizendo “aqui tem regras, gostaria de incluir a minha”, deixa-los à vontade respeitando o aprendizado foi uma boa escolha.

De Tião em Tião concluímos a etapa teórica e de acolhimento, seguindo para as primeiras atividades no Hotel-Escola. No crachá do Tião estava escrito Sebastião, olhou para os demais e todos tinham o mesmo padrão. Os hóspedes ao conversarem com ele falavam “Sebastião”, os líderes ao se dirigirem à ele o chamavam de “Sebastião”, os elogios eram escritos em seu nome. Um grande aprendizado de reconhecimento de identidade. 

Aqui, uma pausa na história do Tião para falarmos sobre a segunda, conforme prometi. Num dos grupos havia um rapaz com uma leve dificuldade de locomoção motora percebida na forma de andar, fiquei preocupado sobre o tanto de trabalho, porém a conversa sempre foi franca e pensei, “qualquer necessidade logo falará”. Uniformizado percorreu todas as estruturas do Hotel-Escola, desempenhou as atividades, sem nunca apresentar fadiga ou reclamar, nunca solicitou tratamento diferenciado, com o tempo se tornou somente um jeito de andar como tantos outros. 

Esse também é um caso especial, porque depois de 4 anos dessa turma formada, estive numa panificadora de alto padrão numa cidade próxima a Campos do Jordão, escolhi uma das delícias dentre a grande variedade de opções. A área de produção era uma vitrine, sentei-me próximo. Estava eu saboreando uma das delicias e já pensando qual outro pediria na sequência, vi saindo de uma das portas um rapaz com andar por mim reconhecido, parei para prestar atenção, foi quando chegou a minha mesa e me chamou “professor!”, levantei. Disse o prazer em me ver, os ex-alunos são sempre carinhosos. Durante a nossa breve conversa soube da sua conquista para o cargo de padeiro e todos aqueles alimentos são frutos do trabalho dele e da sua equipe. Quão grande é a sensação de êxito, não dei aula de panificação, porém fazia parte de uma das áreas percorridas por esse aluno, no programa onde ele descobriu a sua profissão e buscou aprofundamento necessário. Porém, ele fez questão de dizer quanto as aulas teóricas de “ontem” o ajudaram a fortalecê-lo na profissão de hoje. Grande descoberta, o aprendizado tem sabor. Aprendi a ausência de limites para quem deseja um futuro promissor, mesmo que não tenha possibilidade de correr e apresente um jeito diferente de caminhar, respeitando seus passos, o olhar dele é focado no futuro.   

E o Tião? Voltamos a falar do Tião, preciso rebobinar esse rolo da história e retornar ao período onde lecionava no Programa Profissão. O grupo ao sair das práticas no Hotel-Escola voltou para sala de aula para finalizar algumas disciplinas teóricas. Lá estava eu fazendo a chamada quando apareceu o nome Sebastião, Diário de Classe novo, sem observação a lápis,  lembrei do acordo, e de imediato troquei por Tião, quando lá do fundo uma voz disse: “Tião não professor, Sebastião, por favor”. Assim, caminhamos em busca de nossa constante identidade, mudando a forma como vemos o mundo e a nós mesmo. Tião ou Sebastião não importa, o importante é a aprendizagem da flexibilidade, ouvir, sentir e respeitar outros universos, se adaptar. Mais um aprendizado para minha lista de “ontem” – O combinado pode ser recombinado!

 

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Márcio Moraes é gerente de Carreira na QI Profissional, especializada no mercado de hospitalidade. Professor Universitário. Formado em Hotelaria,  especialista em Qualidade e Produtividade, Planejamento e Marketing, formação avançada em DISC (ferramenta de análise de competências comportamentais).

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