Charles Giudice completa 30 anos de carreira em 2018

Formado em Administração de Empresas, com um MBA em Qualidade e um mestrado em Hospitalidade, Charles Giudici completa 30 anos de carreira em 2018. Atual diretor de Operações do Transamerica Comandatuba, o executivo começou na rede bancária como gerente da agência Benjamim Constant do Banco Real, que fazia parte do mesmo grupo dos dois hotéis Transamérica, o da Bahia e o da capital paulista.

O conhecimento no idioma japonês fez Charles ser transferido para o Hotel Transamerica. Ele participou de uma dinâmica de grupo onde vários gerentes de bancos estavam também presentes. Dois executivos do hotel, que identificaram em Giudice o gosto pelos estudos, o convidaram para ir trabalhar no cinco estrelas. O ano era 1988.

Ele e mais nove colegas participaram como trainees no Transamerica São Paulo. Passaram por todas as áreas e, como Giudice era formado em Administração, todos pensaram que ele ingressaria na área administrativa do hotel. Contrariando todos os prognósticos ele escolheu o departamento de Alimentos & Bebidas, iniciando sua trajetória como assistente de A&B do cinco estrelas paulistano.

De 1988 até hoje, Charles passou por várias gerências, de assistente de A&B ele foi gerente da mesma área no hotel baiano, depois, de Eventos, de Operações, Vendas, de Suprimentos, até chegar a gerência geral do Transamérica São Paulo.

Em 2015, ele foi convidado para voltar à Comandatuba, agora como diretor de Operações, onde, junto com sua expertise de Alimentos & Bebidas, conduz todas as experiências oferecidas aos hóspedes.

Confira nesta entrevista, que foi feita no Transamerica Comandatuba, como tem sido a carreira de Giudice nestes 30 anos de dedicação ao Transamérica Hospitality Group.

Por Peter Kutuchian

Hôtelier News: O fato de você ter ido estudar o idioma japonês foi a principal razão para você ter entrado na indústria da hospitalidade?
Charles Giudice: Foi sim, mas posso dizer que minha vontade de estudar e ser curioso foram as principais razões. Se não fosse pela necessidade de aprendizado e pela curiosidade, já estaria aposentado como gerente de agência bancária.

HN: Como surgiu essa oportunidade de ingressar no Hotel Transamerica São Paulo?
Giudice: Eu trabalhava no Banco e também dava aula na Oswaldo Cruz e, como eu sempre morei no Jardim da Saúde, onde residem muitas pessoas da colônia japonesa, resolvi ir fazer japonês.

Algum tempo depois, participei de uma dinâmica de grupo onde, junto com outros gerentes de banco, estava presente o Virgílio de Carvalho, um dos ícones da hotelaria brasileira, acho que ele era o gerente do hotel. Quando eu falei que fazia japonês, ele se interessou e me chamou para trabalhar em hotelaria, isso em 1988.

Aí eu e mais nove colegas fomos ser trainees. Passei por todas as áreas e, até por causa da minha formação acadêmica que era de Administração, todo mundo achava que eu ia ficar na parte administrativa do hotel. Aliás, abrindo um parênteses aqui, o hotel tem esse diferencial maravilhoso de ter várias áreas dentro dele. Recursos Humanos, Administrativa, Serviços, Alimentos & Bebidas… E eu contrariando todas os prognósticos, escolhi Alimentos & Bebidas, começando como assistente em São Paulo.

HN: Como foi o início dessa experiência?
Giudice: Foi muito boa. Lá trabalhava outro ícone, o suíço Claude Farley, que me dizia assim: “Seu Charles, o senhor nunca vai ser um gerente de alimentos e bebidas, o senhor não tem background, o senhor é brasileiro…” Isso porque naquela época não haviam muitos brasileiros mesmo, era só estrangeiro na hotelaria de luxo. Todo mundo, gerente geral era português, espanhol, era francês, suíço. Gerentes de alimentos e bebidas eram todos estrangeiros, não tinham brasileiros, eram italianos ou franceses. E eu dava risada, assim, pela amizade mesmo. ‘Pô. Por que eu não vou ser? Vou ser sim!”.

Naquele momento eu tive uma vantagem sobre muitas outras pessoas que atuavam na gerência de A&B. Nós tínhamos uma inflação de 70% ao mês. Lembra disso? Então, tínhamos que segurar o CMV (Custo de Mercadoria Vendida), tínhamos que reajustar os cardápios semanalmente. E o CMV, mal trabalhado pode derrubar qualquer gerente. Fiquei encarregado, por ter trabalhado em banco e ter um certo conhecimento em números, a de encontrar semanalmente o percentual correto e cuidar de toda a logística.

Imagina, o hotel tinha 400 habitações, era preciso tirar todos os cardápios de room service e reajustá-los, um negócio maluco. E o que eu fazia? Em 1988 não haviam essas planilhas Excel de hoje, não tinha nada disso. Tinha uma calculadora HP e minha boa vontade. Qual era a minha boa vontade? Eu ia no departamento de Compras, pegava os índices que mais variavam, falava com o responsável de custos, encontrava o índice e reajustava. Os reajustes eram feitos em alguns PDV’s (pontos de venda), separadamente.

Tínhamos dois restaurantes, que ainda estão lá, Anturius e Blooming, o Room Service, entre outros, e eu ia trabalhando isso, qual o índice que mais variou lá? O que sai mais? Eu ia lá nos itens que mais saíram da curva ABC e pensava:  “saiu muito índice que tem reajuste…” e comecei a trabalhar isso, o preço do filet mignon, por exemplo, subiu muito? Então reajustava mais o cardápio daquele ponto de venda.

Passado um tempo, o CMV do hotel caiu, porque eu ajustava com tanta assertividade os pontos, que consegui ótimos resultados e o Charles que era um assistente, brasileiro, que não tinha o tal do background, passou a ser um querido do Claude, que me abraçava e me levava para jantar no restaurante. Então foi assim, o começo da minha carreira, que me marcou muito por isso, eu cuidei especificamente desse assunto e acabei me destacando rapidamente.

HN: Mas para chegar a ser um gerente de Alimentos & Bebidas é necessário ter outros conhecimentos além do CMV, conte como foi essa trajetória.
Giudice: Lá no hotel, todo mundo sabia que era eu que cuidava dos reajustes. O superintendente também ficou sabendo na época e esse hotel aqui, o Transamerica Comandatuba, estava para ser inaugurado. Estávamos em 1989. E em 1988 eu passei fazendo isso, cuidando dessa área, e o Claude já me abraçava, já cuidava de mim, mas eu sempre trabalhando, eu sou um cara muito curioso e fiquei amigo de um subchefe, o José Serra, a quem eu tenho um carinho muito grande, e de um chef também, que é muito conhecido, o Mataró. São pessoas que eu tenho um carinho especial, que me introduziram praticamente na hotelaria.

E aí, o que aconteceu? Eu ia pra cozinha a noite, eu trabalhava o dia inteiro, fazia esse trabalho de custo, de planilhas, CMV e no começo da noite ía pra cozinha, encontrava o Serra e sugeria pra ele fazermos um molho, uma comida diferente. E assim ele me ensinava, ele fazia e eu ficava olhando, curioso.

Outra pessoa que me ajudou muito foi o Melo, que era nosso chefe de bares em São Paulo. E aí eu ia pra Cambuza, também sempre no final da noite e perguntava a ele, e esse vinho aí? Me fala desse vinho pra mim! Aí eu ficava por lá e pedia ao Melo fazer um drinque, ele fazia e eu degustava. Ele, muito gentil, abria os vinhos e pedia para eu degustar. Foi assim que fui adquirindo a experiência, pois eu não tinha uma formação de A&B, eu tinha feito administração, trabalhava no banco, não tinha nada a ver com alimentos e bebidas, mas me interessei muito pela área.

Como o lance do CMV e dos resultados obtidos repercutiram muito, fui convidado pelo superintendente na época a vir inaugurar o Transamerica Comandatuba, mas nessa época, eu era casado, minha mulher trabalhava no Citibank, eu já tinha dois filhos e era de São Paulo. Para mudar aqui pra Bahia, eu tive que mudar minha vida e foi bacana isso, porque eu aceitei esse desafio, minha mulher teve que pedir demissão, passar a cuidar dos dois filhos e isso foi determinante, foi positivo, foi uma decisão acertada de eu ter aceitado vir pra cá, onde aprendi muito.

Restaurante Giardino, do Transamérica Comandatuba

HN: Você veio para Comandatuba em qual cargo?
Giudice: Como assistente de Alimentos & Bebidas, que era o cargo que eu tinha em São Paulo. Depois de um ano eu já era gerente de A&B aqui do resort, que era o empreendimento da moda. Ele foi inaugurado em março de 1989, e eu cheguei aqui em janeiro.

HN: Até quando você ficou na Bahia?
Giudice: Fiquei aqui até 1993, sempre como gerente de A&B, o resort era o que tinha de melhor no Brasil e já era muito famoso, fazíamos um trabalho bem interessante, eu aprendi muito nesse segmento de alimentos e bebidas e fui em frente. Aí voltei para São Paulo, continuei minha carreira hoteleira, passei por várias gerências, sempre no Transamérica, onde fui inicialmente gerente de Eventos, de Operações, no hotel de São Paulo. Nessa época o hotel bombava, eram 15 eventos diferentes todos os dias, era muita coisa mesmo. Era uma época realmente de muito trabalho e de muita prosperidade para os eventos de São Paulo. E pro hotel foi muito legal esse trabalho que eu fiz lá. Aí depois eu sucedi o Reymar, que veio para cá, na área de Suprimentos, fiquei uns anos nessa área e depois fui ser gerente de Vendas.

HN: Vendas? Explica isso melhor, por favor.
Giudice: Vendas! Gerente de Vendas de Eventos aqui em São Paulo para Comandatuba. Mas, olha até na área de manutenção eu passei. Um dia o Dr. Paulo Bertero chegou e me disse: “estamos sem gerente de Manutenção, Charles. Você pode cuidar desse negócio?” E eu fui lá e cuidei. Fiquei um tempo cuidando da área de manutenção. Depois fui gerente de Serviços para todos os serviços e operações. E cheguei a gerência geral. Fiquei oito anos como gerente geral e vim para Comandatuba como diretor de Operações em julho de 2015.

HN: A quem você se reporta?
Giudice: Nós temos um conselho que fica em São Paulo, é um conselho geral das empresas não financeiras. Eu sou subordinado a eles e ao Dr. Aloysio Faria.

HN: Quais os maiores desafios na operação do Transamérica Comandatuba?
Giudice: Olha, esse empreendimento é uma cidade! A infraestrutura é muito desafiadora. Temos todo o detalhamento da logística em fazer o hóspede chegar até aqui. Temos os transfers feitos por carros privados, vans ou ônibus, que são os meios de transporte por onde o hóspede chega ao resort, vindo do Aeroporto de Ilhéus a 75 Km de distância. Então o tempo todo temos que treinar o colaborador para que faça um bom trabalho. Imagina se o motorista não dirigir com cuidado. Então a chegada aqui já tem todo esse cuidado. Diferente de São Paulo ou de outro lugar que você pega o táxi e vai até teu hotel. Se você chegar no hotel, eu te atendo, se você não chegar, eu não sei onde você está, se perdeu o voo etc. Aqui não. Aqui sabemos exatamente se o hóspede chegou ou não, se meu funcionário que foi buscá-lo e caso ele não apareça, sabe que o cliente perdeu o voo. Então naquele momento, o hóspede já é uma responsabilidade nossa.

Então a cadeia de atendimento é muito grande. Ele passa sete dias dentro do nosso hotel e tem contato com cerca de cem colaboradores durante a hospedagem. Essa conta é muito correta. Há o ponto de contato na recepção, no restaurante de manhã, tarde e a noite, tem o contato na praia, náutica, no Spa… é certeza que há um ponto de contato com pelo menos cem colaboradores. E se um só deles, apenas um, não cumprir a expectativa do hóspede, ele já identifica uma falha. Isso é cruel, mas é a expectativa do hóspede. Agora imagina, se 1% não te atendeu bem, a frustração aparece. Por isso que o tempo todo,  ininterruptamente, conduzimos todos os colaboradores para o melhor atendimento.

Outro exemplo importante da complexidade da operação é a geração de energia elétrica. Temos que traze-la de uma distância de 40 km. O barco que faz a travessia de hóspedes e funcionários, tem que estar funcionando perfeitamente, o tratamento de esgoto tem que estar perfeito, porque temos que bombear ele  lá pra fora, pra fazer o tratamento lá fora e depois mandar pro campo de golfe para fazer a irrigação, a irrigação tem que funcionar, o carrinho que te leva pro bangalô tem que estar em ordem. Não estou falando de pessoas, estou falando de máquinas e estruturas que tem que funcionar com harmonia para que a máquina ande bem e atenda a expectativa do hóspede. Então é a complexidade que é muito grande. Se trabalha em São Paulo em um hotel executivo, você não quer saber como o o hóspede chegou no hotel, você tem que fazer um check-in sem fila, rápido, eficiente, o elevador tem que funcionar, ele entra no quarto, o chuveiro tem que estar bom, a cama tem que estar legal, o enxoval tem que estar limpo e ordenado. É menos complicado.

HN: Os bangalôs aqui no Transamérica são muito especiais. Eles são muito procurados pelos hóspedes?
Giudice:  Os bangalôs são maravilhosos, é quase uma residência, tem certa privacidade. É uma casinha onde dá para ficar o dia todo, você quer tomar um sol, põe a sua espreguiçadeira do lado de fora. Depois entra, pede uma bebida ao room service, e fica lá o dia inteiro olhando as palmeiras e o mar e ouvindo as ondas e os passarinhos. Dá um mergulho no mar. Escuta a chuva cair e depois o sol voltar. É um paraíso.

HN: O que mudou na operação de 30 anos para cá? Quais fatores melhoraram? E quais pioraram?
Giudice: Antes havia muito mais glamour na hotelaria, principalmente a hotelaria cinco estrelas e de luxo. Aí houve uma transformação na maioria dos resorts que, posteriormente, entraram no mercado e acredito que isso é até justo. Não é reclamação, é uma constatação. Houve uma popularização, uma democratização. Outros resorts vieram e a hotelaria ficou mais simples. O produto final, aquilo que entregamos hoje ao nosso cliente é uma coisa bacana, com qualidade, mas é muito mais simples do que era há 30 anos.
Eu me lembro que todos os hotéis de luxo de São Paulo tinham restaurantes com talheres de prata, maitres que falavam cinco idiomas, faziam um flambado na frente do cliente, e hoje, se vamos na maioria dos hotéis e pedimos um flambado, é possível que o maitre não saiba fazer.

HN: Essa questão de atender a expectativa do hóspede, eu reparei que a meteorologia ruim é algo muito preocupante aqui para vocês. Todo mundo fica apreensivo.
Giudice: Não tenha dúvida. Hoje todos querem a luz do Sol. Isso é conceitual. Queremos o sol lá fora e o sol aqui dentro. Hoje a hotelaria pede ambiente claros, bem iluminados, todo mundo entra no apartamento e quer tudo branco e claro… Então é conceitual. Claro que quando está nublado lá fora, também fica nublado aqui dentro, ou seja, o hóspede começa a reclamar… ‘Pô, estou aqui há três dias e não tem sol’’, como se fossemos os culpados, ficando chateado e começa a ver defeito em tudo. E tudo fica ruim. As reclamações se multiplicam. Mas tudo bem. Não reclamo disso, porque é minha profissão, assumi isso e assumo com tranquilidade, tento corrigir, o tempo todo eu tento exorcizar os meus problemas e ficar sempre focado.

HN: De todos os departamentos que você trabalhou, qual foi o mais complicado? 
Giudice: Com certeza o de alimentos e bebidas. Ele sempre é o mais desafiador, o tempo todo.

HN: Em termos gerais, a hotelaria faz um trabalho de alimentos e bebidas bem feito? 
Giudice: Não faz. Hoje eu te digo que a maioria dos empreendimentos utiliza o serviço terceirizado. Um flat ou residencial é inaugurado e aí contratam alguém sem experiência para operar o A&B do empreendimento com um café da manhã e room service medíocres. Essa é uma realidade do Brasil. A maioria faz uma operação medíocre. Abaixo da crítica.

E sabe por quê? Atualmente os gerentes gerais dos empreendimentos não conhecem a operação de A&B. E por não conhecerem, não conseguem fazer uma grande supervisão. E até por terem o serviço terceirizado, acabam não se envolvendo muito no processo. ‘Ah, o problema é do outro’ mas acaba impactando diretamente no negócio do hotel. Então, é assim, o operador faz um café da manhã medíocre, recebe pouco também, não quero de forma alguma entrar nessa questão de recursos, mas acaba fazendo um trabalho de regular para péssimo, porque realmente não tem responsabilidade. Ou o gerente não conhece ou ele se isenta de ir lá, de dar o pitaco dele, porque ele não é responsável por aquilo, é um serviço do terceirizado.

HN: Os hotéis, na sua maioria, estão deixando de ter lucratividade com A&B?
Giudice: Sim, estão. Vou falar do outro lado: se você faz uma operação de A&B bem feita, de alguma forma você deixa o hóspede mais satisfeito. Então o A&B acaba sendo um grande impulsionador. O hóspede experimenta e diz ‘eu fui num hotel e o café da manhã era maravilhoso. Tem lá uma baiana fazendo uma tapioca que é um sonho’. Percebeu? E assim por diante, cada refeição precisa ser também uma experiência. Tenho um especial carinho por alimentos e bebidas. Ela é minha grande alegria. Entro na cozinha, cumprimento o chefe, abraço os cozinheiros. E puxando muito a sardinha para o meu lado de alimentos e bebidas, o steward é uma das figuras mais importantes de todo o processo. É ele que lava as panelas e deixa tudo limpo para que o cozinheiro, que também tem a sua importância, prepare a refeição para o hóspede.

HN: Quais dicas você dá para os hotéis trabalharem o A&B de uma forma que seja rentável, que cative o hóspede. … Que não façam o medíocre?
Giudice: Olha, eu diria que alimentos e bebidas é um grande mar, é um oceano. Quanto mais ondas tiver, sua operação tende a não ir bem. Tem que ser um mar calmo, com poucas ondas.

A dica que eu dou para qualquer gerente é acompanhar, criar um sistema de identificação de problema. E a dica maior que eu posso sugerir é que no momento do check-in de um hóspede, se ofereça alguma refeição como um almoço, jantar ou room service. Qualquer item em alimentos e bebidas, combinado com o hóspede, que passa nesse momento a ser o seu cliente oculto, fazendo uma avaliação, principalmente para os empreendimentos terceirizados. E aí faz uma pontuação, coloca isso em contrato e aí você faz a medição. Vai medindo, vai medindo o alimentos e bebidas, vai acompanhando e evoluindo.

Não podemos ver uma reclamação como algo pejorativo, é uma oportunidade de melhoria. É claro que se eu perguntar ao hóspede que está pagando R$ 800 ‘o que você gostaria de comer? Ah, eu quero comer lagosta’, é claro que não dá para servir lagosta, mas pode-se servir um peixe bem feito.

Óbvio, no Réveillon, o valor da minha diária vai permitir que a lagosta entre no menu, por isso sempre é preciso entender e trabalhar com a flutuação. O alimentos e bebidas permite isso, Peter.

Restaurante de hotel é diferente do restaurante de rua. No de rua você vai o ano inteiro e pede um camarão flambado. Paga uns R$ 250 pelo prato, mas tem o custo do camarão, das perdas, da mão-de-obra. Tudo está embutido no preço. Na outra vez que for vai pagar o mesmo preço, que já está no cardápio. Diferente de hotel, onde há uma variação de diária média. Então, tem semana que eu tenho um evento e uma tarifa menor. Aí tenho que fazer com o cardápio? Variar em função da diária média, certo?

Existem diferentes períodos. No Réveillon eu tenho uma diária média muito superior, eu faço uma mudança de cardápio em função da minha diária. Então o hotel tem essa variação. Carnaval tem uma diária média baixa hoje, tem uma diária inferior e o hotel está vazio. Então servimos itens bons, de qualidade, mas diferentes do que na festa do fim de ano. Não dá pra servir lagosta, não é possível ter continuidade, é diferente do restaurante de rua.

HN: Na realidade você está aplicando o conceito de Revenue Management (Gestão de Receitas) no A&B.
Giudice: Exatamente isso. Se há uma variação de diária, deve haver uma variação de cardápio. Isso é natural. E quem executa bem este conceito, faz uma boa hotelaria. Por quê? Porque você nunca pode deixar a cozinha ficar adormecida. Há cobrança o tempo todo. Todas as semanas fazemos reuniões de planejamento, onde existe um questionamento: ‘Qual que é a diária média? Como vai ser? Atenção cozinha…’. É isso. Então, os insumos vão em função disso. É óbvio. Se você vem aqui e fica comigo na semana do Réveillon e volta na semana em abril, uma semana qualquer em abril, você espera a mesma comida do Réveillon aqui? É óbvio que não. RM. É exatamente isso. Mas, infelizmente isso não acontece de modo geral.

HN: Mas como é que você lida com isso? É difícil você tratar com um hóspede do Réveillon que volta em abril. Como você vende isso?
Giudice: Eu simplesmente explico. ‘Ah, Charles, poxa vida, no Réveillon estava tudo tão bom’ e aí explico pra ele, não tenho nenhum problema de explicar. ‘Olha, funciona assim, eu tenho…’ E de modo geral, todos falam ‘Poxa vida, é verdade’. Todos entendem. Todo mundo entende. Eu tenho noção da hotelaria, mas hoje é necessário pensar em negócios, isso aqui é negócio e temos que dar resultado. Então trabalhar desta forma é bem tranquilo.

HN: E como é essa situação com o hóspede que vem para eventos?
Giudice: Aqui em Comandatuba fazemos um composto. Aqui não há um hóspede apenas para eventos. Sim, ele tem um momento muito amplo de lazer, com pacotes de bebidas, com um tempo de piscina. Não há sentido alguém vir para cá e ficar preso dentro de um salão. Levantar de manhã, ir pra lá, fazer reunião, coffee break, almoço, coffee break, jantar. Não. Isso nunca acontece aqui. Há o momento para as reuniões, mas com certeza o hóspede vai curtir meio dia de lazer, com bebidas e comidas.

HN: Você gosta de dar aulas. Conte para nós um pouco da tua carreira acadêmica.
Giudice: Comecei minha carreira cedo, na Fundação Oswaldo Cruz. Naquela época, eu estava no terceiro ano, naquele tempo até o ensino era um pouco mais bacana. Em todas as aulas, todos os professores tinham um monitor, que ajudavam ali na preparação das matérias, no auxílio aos alunos, e na universidade que eu estava havia esse conceito também.

Eu tinha feito CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva) e fui concorrer à uma vaga de monitor. Fui lá e dei uma aula bacana, eu trabalhava, gostava muito do mercado financeiro, dei uma aula de ações. Falando de ações preferenciais, ordinária… Eu gostava demais disso. Até ganhei um dinheiro na minha vida, trabalhando com ações, eu trabalhava ali na Benjamin Constant e a Bolsa de Valores era ali na Álvares Penteado, que depois mudou para a rua XV de Novembro, e eu ia muito lá na Bolsa. Gostava muito daquilo lá.

E aí dei uma aula ali na Universidade sobre o mercado de ações, os professores gostaram e eu fui pra uma entrevista com o chefe de departamento, o Professor Ronaldo Greco, gente muito boa. Levei o meu currículo, comecei a falar do meu início de carreira. ‘Comecei a minha carreira na área de segurança. E também fiz CPOR’. Ele olhou para mim e disse que também havia feito. Com a empatia constatada, começamos a conversar sobre o CPOR e do fato de eu ter dado aula para o meu pelotão.

Eu estava concorrendo a vaga de monitor junto com um colega de turma e quando saí da sala, pois tinha sido o primeiro a ser entrevistado, bati no ombro dele e falei assim: ‘Cara, nem precisa entrar. A vaga é minha’. E de fato foi. Claro, eu tinha feito CPOR e o professor também. Houve empatia na hora e isso é uma lição que aprendi. Uso isso de exemplo pros meus filhos e eu sempre falei aos alunos. Tudo o que você faz, absolutamente tudo, se você corre, se você nada, se você faz jiu jitsu, inglês, japonês, se você fez CPOR… Qualquer coisa que você faça na sua vida vai lhe ser útil. Qualquer coisa que você faça bem feito, que você goste, vai lhe ser útil. Por quê? Pode ter empatia com qualquer pessoa.

Gosto de correr. Quando cheguei em Comandatuba, já fiz uma marcação de corrida e muita gente se identifica com isso e diz ‘Eu também sou corredor’. Então, qualquer coisa que você faça, um dia você, numa citação qualquer, pode criar empatia com alguém, você já está na frente, já se destaca, já é diferente. Então eu falo o tempo todo, e nesse caso, foi por empatia.

Me transformei em monitor, aí no último ano continuei monitor e dei sorte que no ano seguinte, quando eu já tinha me formado, aparecer uma vaga para professor assistente e o Greco me convidar. E aí, eu com 20 e poucos anos, já era professor assistente na Universidade e comecei a carreira acadêmica aí.

Depois mandei meu diploma pra USP registrar, e na minha carteira profissional veio que era professor do terceiro grau e tal e pronto, eu fui embora. Aí fiquei alguns anos na Universidade. Depois saí e fui para a hotelaria.

Quando vim para Comandatuba em 1989 fiquei afastado da vida acadêmica. E quando voltei para São Paulo, aproveitei e fui para Cornell para fazer uns cursos de verão. O Transamerica São Paulo estava ganhando certificação na ISO – foi o primeiro hotel das Américas a certificar na ISO. A professora Gracira, da Universidade Anhembi Morumbi, me convidou para dar uma palestra sobre qualidade, pois a notícia dessa certificação virou manchete na mídia. Eu fui achando que era pra uma sala de aula, cheguei lá, era pra Semana de Hotelaria, para cerca de 1.500 alunos dentro do auditório Elis Regina lá no Anhembi. Nossa senhora, comecei a tremer que nem louco… ‘Meu Deus do céu. 1.500 alunos’. Mas, como eu falo pra caramba e gosto desse negócio da comunicação, expliquei como foi todo o processo. De como fui me aperfeiçoar nos Estados Unidos e conhecer processos de qualidade. Visitei um Ritz Carlton, por exemplo, que havia sido agraciado com Malcolm Baldrige de qualidade na época.

Como eu conhecia os detalhes dos processos de qualidade e trouxe isso pro Transamerica, certificamos o hotel. Contei toda essa história, como que tinha sido cronologicamente até a minha ida até os Estados Unidos, que foi exatamente pra conhecer e ajudar nesse processo. Disse também que havia feito um MBA na área de qualidade com a Enterprise em 1995, e o hotel havia se certificado no ano seguinte.

Assim, falei tudo lá e quando saí da palestra, a professora falou ‘Puxa, Charles, eu estou com algumas turmas de hotelaria e gostaria que você desse aula de hotelaria’. Eu te falo, Peter, que eu não perguntei salário, num perguntei que dia eu ia dar aula, quantas turmas eu ia ter, nada. ‘Professora, muito obrigado pelo convite, eu tô lá. Em qual dia tenho que me apresentar?’.

Quando voltei, entrei na sala de aula e comecei a falar de hotelaria, não sabia no que a matéria ia dar, mas fui. Não sabia… Nem quis saber de salário. Pra mim não era importante isso. Eu queria só ir e fui indo, dei aula muito tempo. Aí comecei a fazer mestrado em função da Universidade, aí eu sentia a necessidade de me especializar um pouco mais pra conseguir dar uma boa aula, me preparar pra isso e aí me esforcei muito, fiz mestrado, que foi bem complicado. Saía na sexta-feira, fazia a Interamericana, que fechou e agora é a Anhanguera, mas eu saia de sexta-feira, o sábado todo passava na Universidade, tive grandes professores, mestres lá, todos doutores, um curso muito consistente, que depois, quando a ela fechou, a Anhembi comprou esse curso, que a era Administração hoteleira, e depois montou o mestrado de Hospitalidade. Tive vários professores como Elizabeth Wada, tive vários mestres, alguns hoteleiros famosos de história. E foi isso.

HN: E no futuro, o que você almeja para o Charles?
Giudice: Meu futuro? Sim, tenho alguns objetivos. Uma diretoria de operações, por exemplo. É esse o caminho. Sempre trabalhando com seriedade e na estrada do aprendizado. Gosto muito de ler. Temos que ter um pouco de talento e muito esforço. Esse pouquinho de talento, um pouquinho só, transformamos em habilidade. Aí pegamos a habilidade e mais um montão de esforço, e conseguimos ter um pouquinho de sucesso. Então é isso, eu sou muito esforçado, me dedico muito, fico aqui nesse hotel dias e noites, chego cedo e saio tarde porque eu considero que o esforço é um fator determinante para mudar, e isso que eu ensino para os meus filhos, Peter, que tem que trabalhar duro, tem que trabalhar com muito esforço para conseguir.

Ah, quero continuar a dar aula. Essa é a outra paixão que tenho.

* Crédito das fotos: Peter Kutuchian

** Apoio editorial: Felipe Lima (decupagem)