Porto de Galinhas, carro-chefe do turismo de IpojucaPorto de Galinhas, carro-chefe do turismo de Ipojuca
(fotos: Dênis Matos)

Quando não está fora da área de cobertura ou temporariamente desligado, o celular de seu João recebe cerca de cinco ligações semanais com uma finalidade: levar turistas para saracotear pelas praias de Ipojuca, cidade turística situada no litoral sul de Pernambuco.

Seu João é um dos cerca de 300 bugueiros que trabalham pelas areias do município. Miudinho, de óculos de grau e de fala lenta e arrastada, ele representa os cerca de 50% dos profissionais cadastrados para exercer a atividade.

Uma corrida de quatro, cinco horas, sai por coisa de R$ 180. Deste valor, R$ 20 vão para o combustível e outros R$ 20, para o intermediador; espécie de rufião do mundo dos bugues que faz a ponte entre o motorista e o turista.

Dificilmente, explica seu João, ocorre de se fazer mais de uma corrida por dia. Isto porque a maré das praias de águas de um azul/verde ilógico que tomam os olhos dos visitantes de Ipojuca tende a subir e descer com o mesmo humor variado que entusiastas da psicanálise decifram os escritos de Jaques Lacan.

Ocorre de se fazer coisa de quatro viagens de bugue semanalmente, ou seja, pouco mais de R$ 500 – o que leva o piloto a recorrer a outras atividades para completar a renda do mês, situação costumeira entre os profissionais que trabalham com o turismo por lá. Outra alternativa é sair de déu em déu, nos hotéis, tentando angariar entusiastas pelo chacoalhar do bugue.

Apesar deste cenário incerto, tudo ia muito bem, até que sobreveio uma medida da prefeitura local que freou a emissão de licenças para bugueiros em Ipojuca – fomentando o mercado informal. O resultado é o conhecido de muitas atividades: os não cadastrados cobram menos pelas corridas, coisa de R$ 100, fazendo com que o setor, com o perdão do impropério, fique prostituído.

À barganha do valor soma-se também o fato de o atendimento ao turista ser comprometido, uma vez que com menor lucro a tendência é que o roteiro seja feito às pressas, sem muito explicar por onde se passa, em tom de descaso; justamente para tentar aumentar os ganhos com a quantidade – e não com a qualidade.

Acrescentam-se aí outras agruras no destino, mundialmente conhecido como Porto de Galinhas, apesar de esta ser apenas uma das muitas praias estonteantes por onde paira o sol de mais de 30 graus de Ipojuca.

Diferente de outros paraísos naturais do País, este não sofre com dois dos principais pontos da infraestrutura turística brasileira: falta de voos e de hotéis. Estes, por sorte, estão relativamente em ordem por lá. Aparecem como dificuldades, e acabam reverberando em todo o mercado, principalmente a ausência de estrutura rodoviária para se locomover e o baixo controle quanto aos desconcertantes atrativos naturais que fazem o destino ser coqueluche entre turistas.

Nesta reportagem, o Hôtelier News ouviu diversos players do setor para entender quais são as pelejas já solucionadas e as que vêm pela frente para o mercado de Ipojuca.

Por Dênis Matos*

Seu Joao pronto para percorrer as praias ipojucanasSeu João pronto para percorrer as praias ipojucanas

Um dos principais pontos de comércio ilegal de escravos do nordeste brasileiro nos idos do período colonial, Ipojuca há muito vem fazendo verão escaldante no rol de destinos mais visitados do Brasil. Piscinas naturais, areia tão branca quanto morna e rala, mangues, corais e estuários que em seus encontros são pura poesia visual compõem o que tantos buscam por lá.

Não à toa a hotelaria local fechou o ano passado com uma ocupação média de 70%, segundo dados da AHPG (Associação dos Hotéis de Porto de Galinhas).

A alegria dos números, no entanto, nem sempre foi assim. Otaviano Maroja, presidente da AHPG, relembra que custou caro traçar o momento hoje vivido.

Estória
Era 1992 e o Brasil vivia um surto de cólera. O agreste pernambucano estava no rol do problema. Ipojuca, no entanto, mesmo sem ter saneamento básico, não fora afetada pela doença. De qualquer forma, o que respingou na imprensa à época fez com que o município figurasse no imaginário popular quanto à epidemia.

O então governador Joaquim Francisco de Freitas Cavalcante bloqueou as praias e colocou a polícia militar de bedel das areias. Quando se descobriu o equívoco, pois não havia surto de cólera de fato, e se percebeu que a cidade seria prejudicada com a notícia, o próprio político foi à televisão e apareceu tomando banho de mar, dizendo que estava tudo bem, obrigado. A enxurrada de drama, entretanto, já havia reverberado.

O resultado foi um carnaval sem festa, nada do frevo pernambucano nem de arlequins bailando por lá. No Solar Porto de Galinhas (hoje com bandeira Best Western), no Village, no Ocaporã, na pousada Costa do Sol e no Armação, os cinco meios de hospedagem existente à época, quartos às moscas.

O problema, relembra Maroja, pela falta de divulgação e pelo marketing negativo gerado pela imprensa, fez com que o empresariado local se movesse e criasse a AHPG.

A barganha primeira dos hoteleiros era clara: conseguir trazer gente para Porto de Galinhas. Sem verba, todavia, a medida seria trazer gente que pudesse replicar o que era o destino.

Coqueiros sao marca registrada do municipio de IpojucaCoqueiros são marca registrada do município de Ipojuca

À porta de companhias aéreas, como as extintas Varig e TransBrasil, a AHPG foi pedir apoio e saiu com o crédito de 1 mil passagens aéreas para gastar em um ano. Alegria coletiva. Chamaram jornalistas do Oiapoque ao Chuí e alguns estrangeiros para visitarem o destino e traçarem em suas respectivas publicações o que era Porto de Galinhas.

“Eles nos chamavam de malucos, falavam que estávamos com aquela coisa quixotesca de desbravar um local”, relembra aos risos Marco Tiburtius, sócio-diretor do Village. “Nosso hotel foi inaugurado em 1988. A estrada de acesso para ele foi nascer dez anos depois”, completa.

Presidente da AHPG por quase dez anos, Tiburtius recorda que o próximo passo foi negociar esses bilhetes aéreos anualmente, o que era possível, uma vez que as companhias também tinham interesse em aumentar seus voos para a capital Recife, localizada a cerca de 50 km de Ipojuca. Era a vez de trazer as operadoras turísticas para o local.

Mão de obra – ou falta dela
O processo durou cinco anos, com muito malabarismo para manter as contas em dia. A mão de obra era outro problema, pois não havia – e não há – escolas para formação profissional e a população do município era muito simples, vivia do corte da cana, atendendo à única usina de açúcar da região, ou da pesca.

“Essas pessoas trabalhavam por apenas quatro ou cinco meses, durante a safra de cana, e não tinham perspectiva nenhuma”, assegura o diretor do Village.

Maroja, o atual presidente da AHPG, enfatiza que eram trabalhadores que comiam mal, viviam em casas sem estrutura, não tinham acesso a nenhum tipo de educação formal – o que dificultava também a adaptação ao mercado turístico.

“Quem come mal, pensa mal. Hoje o funcionário tem café da manhã, almoço e jantar nos hotéis, ele se desenvolve, tem melhor qualidade de vida”, acredita. “O turismo emprega hoje mais ou menos 10 mil pessoas na cidade. O papel da instituição é buscar apoio no sistema S [Sesc, Senac, Senai, Sesi e Senat] e melhorar a formação e a qualidade de vida desse trabalhador”, garante.

Em 1996 a coisa começa ganhar corpo. Havia, contudo, o gap aéreo, uma vez que o setor da aviação vivia outro cenário. As operadoras Soluter (fechada em 2001) e CVC, com o aumento da procura pelo destino, começam a operar voos fretados.

“Foi um movimento conjunto, que deu certo. Em 1992 tínhamos cinco hotéis com cerca de 30 unidades habitacionais cada. Todos foram ampliados. Hoje temos 12 mil leitos, 15 hotéis e 200 pousadas”, enumera Maroja.

Antiga Casa do Governador, do Estado de Pernambuco, comprada por um grupo portugues que pretende construir dois resorts no localAntiga Casa do Governador, do Estado de Pernambuco, comprada por
um grupo português que pretende construir dois resorts no local

Mais hotéis, mais demanda
O presidente da entidade diz que, ainda assim, há espaço para mais empreendimentos. O grupo português Teixeira Duarte comprou em 2006 um enorme terreno que abrigava a Casa do Governador, antiga área de festejos do Estado de Pernambuco, entre as praias de Porto de Galinhas e Maracaípe. A previsão é que se construam dois resorts, com mais 1 mil apartamentos no terreno de 700 mil m² – elevando grandemente o número de habitações de Ipojuca.

“A cidade precisa de mais hotéis, pois aumentaria a demanda. Hoje, Ipojuca concorre com Natal e Fortaleza, ou seja, capitais – e não cidades do interior – que tem mais estrutura. Não concorremos com destinos de praia no interior dos estados nordestinos. Por isso há meios de ampliarmos a oferta”, avalia o presidente da AHPG.

A expectativa é de um investimento médio de R$ 600 milhões e de 3 mil empregos gerados pelo projeto do grupo Teixeira Duarte. Intitulado Beach, Leisure and Nature Resort, o complexo aguarda autorização do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), segundo apurou a reportagem, para ter suas obras iniciadas. Por estar numa área de praia, repleta de coqueiros – há muitos por lá -, algumas adequações terão de ser feitas.

Logo pela manha, na praia de Porto de Galinhas, jangadeiros recebem os turistasLogo pela manhã, na praia de Porto de Galinhas, jangadeiros recebem os turistas

Sem controle
Tais bens naturais de Ipojuca, aliás, formam outra questão capciosa. Não há controle nenhum de como os turistas circulam por lá. As piscinas naturais, interesse de grande parte dos visitantes, são percorridas de fora a fora com jangadas que, inevitavelmente, encostam seus remos nos muitos arrecifes existentes. Os jangadeiros, inclusive, não negam o problema, uma vez que o simples contato tende a degradar o ecossistema.

A única medida adotada é variar as áreas por onde circulam esses barcos, utilizando cerca de um terço dos corais para visitação – e mantendo o restante intacto, por algum período. De tempos em tempos, os trajetos são alterados para tentar minimizar a perda, ou seja, gradualmente todos os arrecifes estão sendo tocados.

Some-se a este desgaste a falta de saneamento básico no município, o que reverbera negativamente para a população, trazendo doenças e formas pouco palatáveis de se viver. A máxima de que um destino só é bom para o turista se for bom para a população cabe aqui. Estrutura rodoviária, locomoção entre uma praia e outra, por exemplo, também são problemas. Especulação imobiliária também está na pauta, com um terreno de 20 x 40 m² custando coisa de R$ 1 milhão.

Clique na primeira imagem da galeria para conhecer um pouco mais das praias

Daí nasce outra incoerência, clássica do turismo no Brasil. Sem plano diretor, os destinos se desenvolvem, desabrocham para a atividade turística, melhoram a economia local, mas paradoxalmente não passam por nenhum controle de como isto ocorre – degradando assim bens naturais que propiciaram, justamente, o nascimento de um mercado turístico local. Contradição semelhante à do Maranhão.

O posicionamento da prefeitura, de não emitir mais licenças para bugueiros e não estabelecer controles claros para a atividade, com tom de indiferença, exaspera outro ponto. O problema, segundo os parceiros de seu João, é que a administração municipal está mais ligada atualmente às cifras que o Porto de Suape tem gerado – uma vez que a arrecadação com os impostos da indústria petrolífera é superior à do turismo.

Por mais abundantes e desconcertantes que sejam praias límpidas de Ipojuca, as águas para o turismo local ainda carregam uma aridez sem data prévia para acabar.

* O jornalista viajou a Pernambuco a convite do Village Porto de Galinhas.