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Vale o quanto pesa. O provérbio, apontado por muitos como sendo de origem lusitana, ajuda a explicar o conceito de Revenue Management (RM). A grande expertise é perceber que o valor dos serviços prestados por um hotel varia de acordo com uma série de fatores externos e internos. 
 
A prática de mapear esses indicadores e cruzar com a infraestrutura do empreendimento permite focar a venda para pessoa certa, na hora certa e pelo preço certo (segundo Robert Cross, grande estudioso do tema).
 
O assunto tem sido abordado nos principais seminários, congressos e reuniões do trade e o Hôtelier News conversou com diversos profissionais para buscar novas abordagens a respeito da aplicação deste conceito.
 
*Por Aline Costa e Juliana Albino, com colaboração da Redação
 
Segundo Gabriela Otto, diretora de Vendas e Distribuição da Rede de Hotéis de Luxo Sofitel para a América do Sul, o Revenue Management, ainda caminha no Brasil.
 
“As cadeias internacionais foram as primeiras a falar sobre esse assunto, pois tiveram que se adaptar mais rápido às exigências da sua marca no exterior em termos de previsão, precificação e, principalmente, metas financeiras cada vez mais difíceis de atingir. Nós estamos caminhando, digamos, a passos ‘médios’. Como exemplo, ainda nos falta inserir RM como matéria básica nos cursos de hotelaria, e precisamos ter mais consultorias e treinamentos especializados, para escrevermos, debatermos e pensarmos mais sobre o assunto. Enfim, é um setor com inúmeras oportunidades”.
 
Gabriela Otto, uma das especialistas
em Revenue management do país 

(foto: arquivo pessoal) 
 
Ela destaca que se estivesse cursando Hotelaria hoje, sem dúvida se especializaria em Revenue Management. “Vocês não imaginam a quantidade de hotéis que procuram RMs todos os dias e que não conseguem preencher suas vagas por falta de profissionais com um mínimo de qualificação no assunto”.
 
Ideas
Um dos sistemas de Revenue management utilizados no mercado brasileiro é o Ideas, que atualmente atende hotéis como o Tivoli São Paulo Mofarrej, Grand Hyatt São Paulo e alguns empreendimentos da marca George V – Alto de Pinheiros e Casa Branca, por exemplo.
 
Ao falar sobre o sistema de RM, Wilton Costa, gerente de Receitas do Tivoli São Paulo, destaca sua precisão. “O sistema atua de uma forma que o ser humano não conseguiria, independentemente de sua experiência no setor”, afirma ele. “O Ideas decide o melhor negócio para o hotel. Para tanto, o sistema possui uma interface de rate view que estuda as tarifas mais competitivas a serem praticadas a cada época”, completa.
 
Wilton Costa diz que o sistema é inovador

(foto: arquivo HN)
 
Costa esclarece ainda que, por meio do RM, sua atuação no hotel é otimizada. “Antigamente, o profissional de RM ficava mais preso ao controle de receitas. Hoje, com a redução de processos que o Ideas oferece, posso fazer visitas técnicas e me ocupar com outras coisas”, conta ele.
 
Gabriela Otto, também aponta que as ferramentas de RM são essenciais para o funcionamento de um hotel. “RM na verdade é muito mais que uma ferramenta, e sim um método e estratégia de gerenciamento que evidencia na demanda e preços. Sem dúvida, um hotel hoje, que visa rentabilidade e competitividade sustentáveis, não pode mais viver sem uma cultura sólida de RM permeando sua estratégia. As tecnologias estão atreladas ao mecanismo, e o que não falta hoje são sistemas e programas específicos para auxiliar os RMs a fazerem suas previsões e análises de dados com a menor margem de erro possível”, declara.
 
Ainda alerta, “é muito importante salientar que a tecnologia ajuda, mas está longe de ser o ítem mais importante da gestão de RM. Já vi profissionais super qualificados e uma simples planilha de Excel trazendo incremento real de receita no final do mês, com previsões (forecasts) bem realistas e ainda aplicando preços dinâmicos (dynamic pricing). Antes de qualquer investimento astronômico, um curso avançado de Excel, por-favor!”, enfatiza.
 
Primeiro ano
Diferente do ocorrido com os outros empreendimentos que utilizam Ideas no país, o Tivoli São Paulo opera com o sistema desde sua abertura. Ao ser questionado sobre a efetividade do sistema, Costa explica que o primeiro ano de operação funciona como um período de pesquisas. “Foi um ano de estudo, no qual o sistema criou um banco de dados com informações sobre o comportamento dos clientes, bem como as tarifas praticadas em cada mês. A partir disto, fizemos o orçamento para 2010”, explica ele.
 
Vendas X RM
Com experiência no setor de Vendas, Costa comenta a relação do Revenue management com o vendedor, que, às vezes, pode ser controversa. “O colaborador da equipe comercial quer vender, e o revenue manager é a pessoa a ser convencida, visto que, em alguns casos, as vendas são remanejadas para que outras com melhor potencial de geração de receita para serem concretizadas”, justifica ele.
 
Porém, segundo ele, este choque não ocorre no empreendimento. “Como fui eu que realizei a implantação do sistema no hotel, não houve nenhum tipo de trauma. Pelo contrário, no empreendimento o sistema beneficia a equipe de vendas ao indicar qual segmento deve ser focado”, explica.
 
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No quesito Revenue e Vendas, Gabriela Otto, diferencia a importância de ambos os departamentos. “O marketing (assim como vendas) é responsável por gerar demanda e Revenue management por gerenciar essa demanda. Se um hotel trabalha somente com Marketing e Vendas, aceitará todas as reservas que chegarem sem nenhum critério e deixarão de ganhar (“leaving money on the table”)”, frisa.
 
A executiva traça um paradigma para aquele hotel que somente trabalha com RM. “Se um meio de hospedagem foca suas ações  somente no RM, primeiro pode nem ter demanda para gerenciar e, segundo, esqueça fidelização, agregue valor à experiência do hóspede e relacionamento a longo prazo. Ao mesmo tempo que não dá para imaginar um trabalhando sem o outro, ainda é muito comum vermos gerentes de Marketing e RMs de um hotel que nunca sentaram para conversar. Parecem dois estranhos. A conciliação não é fácil, pois ambos se sentem um pouco ‘donos’ do cliente. Um gerencia as preferências e comportamento do hóspede através do CRM e o outro sabe tudo sobre seu perfil de compra. Na verdade, a criação de uma relação sólida e vitalícia com o cliente exige um trabalho conjunto, analisando todas essas informações”.
 

Ela abre uma reflexão sobre como tratar com os vendadores mais antigos de RM. “Ainda há uma certa tensão no ar quando tratamos de RM com aqueles vendedores mais antigos (em termos de mentalidade e não necessariamente idade ou experiência). A sensação de perda de poder e autonomia que o vendedor (que não entende os benefícios do RM) pode atrapalhar uma melhor performance do hotel. Por outro lado, não existe espaço para aquele RM que se coloca como o ‘todo poderoso’, que exige ser acatado, que não admite que errou e não leva em consideração a ampla visão de mercado e profundo conhecimento dos clientes, que só os vendedores tem. Felizmente a nova geração está chegando com uma cabeça super aberta e consciente de que todos estão ‘no mesmo barco’, querendo aprender mais e sempre. Isso é excelente para o nosso setor”, completa.  
 
Sem gesso
O George V Alto de Pinheiros, localizado na capital paulista, já opera com o sistema de RM há certo tempo, no qual Marcos Steiger, gerente operacional do Grupo Aldan, proprietário do empreendimento, destaca como um grande benefício o fim das tarifas ‘engessadas’. “Com a implantação de RM, deixamos de ter contratos engessados para vender melhor”, afirma ele. “Com o Ideas, é possível avaliar os fluxos do passado e presente para fazer projeções futuras”, completa.
 
Steiger explica também o processo de implantação do sistema. “Antes do Ideas, já operávamos com o RM, porém de uma forma que classifico como ‘caseira’. Com a ideia de otimizar a receita, fizemos seminário e implantamos o sistema, que ajudará a elevar nossa diária média, possibilitando um crescimento de até 20% em vendas gerais para 2010 (no George V Alto de Pinheiros)”, afirma.
 
Resistência e retorno
Ao ser questionado sobre a suposta resistência do mercado brasileiro à cultura de RM, Steiger explica que muitos hoteleiros podem achar que o sistema vai influir em sua ‘autonomia nos negócios’. “O software não vai administrar seu hotel. A palavra final sempre será a do gerente”, esclarece.
 
Por fim, o executivo afirma que o RM é um investimento que se paga. “Acredito que falta ainda um pouco de ousadia para algumas redes no Brasil. Quando você utiliza um sistema de RM, deve estar preparado para ouvir e falar ‘não’ em alguns casos. Contudo, nada te impede de tentar mudar a cultura de seu cliente. O Revenue management representa uma profissionalização para o setor, principalmente por acabar com o ‘achismo’ na hora do gerenciamento de receita”, encerra.
 
Gabriela ainda enfatiza, que existe resistência no mercado brasileiro para a prática de RM. “Eu tenho certeza dessa barreira, principalmente por falta de conhecimento. Não é raro vermos aquele gerente geral ou mesmo gerentes de Vendas com uma gestão ainda retrógrada, achando que volume é mais importante do que qualidade da venda. Sei de histórias, de hotéis conhecidos no mercado nacional, que ainda trabalham somente com uma única tarifa para todo seu hotel, não importando a categoria, sazonalidade ou perfil do cliente”, completa.
 
“Isso só para mencionar alguns poucos critérios que devemos analisar antes de determinar um preço. O que fazem é, no máximo, uma diferença pequena entre dia de semana e final de semana.
No dia que eles derem o braço a torçer e um RM conseguir mostrar o quanto de receita eles estão deixando de ganhar (o famoso “leaving money on the table”, que já citei acima), gostaria de estar lá para ver a cara dos nossos amigos hoteleiros adeptos ao “Sempre sobrevivemos assim. Para que mudar?”, questiona.
 
A frente da concorrência
Para Gabriela o RM facilita as vendas, e acaba proporcionando com que o hotel saia na frente da concorrência. “A assertividade é indiscutível. A demonstração de profissionalismo diante de uma negociação com o cliente e valorização do seu hotel é inquestionável quando o vendedor aplica as recomendações do Revenue Manager juntamente com sua expertise sobre o cliente”.
 
E destaca, “todos no hotel devem ter muito cuidado ao lidar com o ‘preço’ do seu produto/serviço. Preço é um dos componentes que compõem a imagem de uma marca. Todo vendedor deve entender muito bem o impacto que um desconto ou upgrade mal dado pode trazer ao posicionamento da sua marca”, aponta.  
 
Cultura a ser difundida
O Grand Hyatt São Paulo é um exemplo de empreendimento que sentiu a necessidade de implantar o Revenue management. “No início da operação do hotel, não tínhamos o Revenue. Porém, depois de alguns anos percebemos que, em um meio de hospedagem deste porte e com uma grade tarifária extensa, seria praticamente impossível trabalharmos sem o sistema”, conta Alexandre Teixeira, gerente de Revenue management do Grand Hyatt São Paulo.
 
Grand Hyatt São Paulo, que implantou
a cultura de Revenue management

(foto: arquivo HN)
 
Da mesma forma que outros executivos, Teixeira endossa o entendimento que o RM é uma cultura. “A partir do momento que você decide implantar o sistema, ele deve ser difundido para que todos os departamentos do hotel fiquem alinhados. Uma vez que as pessoas entendem os benefícios, fica fácil de vender a ideia. O sistema ajuda, inclusive, as operações da equipe de Vendas, que tem acesso ao Ideas para saber a melhor tarifa a ser oferecida para determinado grupo”, aponta o executivo.

Rodrigo Collaro, que já atuou na Gol Linhas Aéreas, Accor e hoje ministra palestras pelo Sul do país comenta ainda que dependendo da região, por não ter a concorrência das grandes redes, os hotéis menores acham que não há necessidade de implantar o conceito. “O lado positivo é que este cenário, embora ainda exista, já está mudando. O movimento começou nos Estados Unidos, depois passou pela Europa, e agora chegou no Brasil e tende a ser assimilado em todo país”.

 
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Pouco a pouco a percepção das oportunidades que a aplicação do conceito abre vai crescendo entre os profissionais. “Você tem mais ferramentas para fidelizar os clientes mais assíduos e que compram com antecedência. Por outro lado, você pode ser menos flexível com quem deixa para o último momento e é menos sensível a preços”, comenta. Diante disso, o maior desafio para um hotel é conciliar lazer e business com faixas diferentes de preço. “O público
que viaja a lazer é mais sensível a preços e pode até cancelar os planos se achar que não vale a apena. Já o público corporativo é menos sensível por conta da grande necessidade que tem de realizar as viagens”.
 
Segmentação
De acordo com Teixeira, a segmentação é fundamental para um sistema de RM funcionar de acordo. “Um exemplo é o segmento de grupos, no qual o sistema classifica o tamanho (quantidade de pessoas), período da semana para o qual a reserva é solicitada e fatores como a receita de A&B que poderá ser gerada, podendo assim escolher a melhor alternativa de venda para o hotel”, explica. “Contudo, vale ressaltar que o sistema nunca descarta nenhum tipo de venda, mas sim dá opções como escolha de datas diferentes”, esclarece.
 
EUA e Brasil
Teixeira comenta ainda a diferença da aceitação na cultura de RM entre os Estados Unidos e o Brasil. “É mais fácil operar com o sistema na relação comercial com os grupos do exterior. No Brasil, isto tem melhorado bastante, mas, em alguns casos individuais, a negociação fica mais complicada”, analisa. “Já existem vários executivos que entendem e temos avançado nesta questão”, completa.
 
Gabriela diz que as estratégias de RM são aplicadas nos EUA há mais de 20 anos. “Eles estão em um patamar já focado nas ‘novas’ tecnologias e realizando debates super profundos sobre o assunto. Lá, o RM é diretor de RM, no mesmo nível do diretor de Vendas. Por aqui, muitos hotéis (quando tem um RM) ainda oferecem cargos e salários abaixo dos vendedores, por exemplo. Isso terá que mudar, e rápido. Por aqui, estamos descobrindo ainda o que é mesmo esse negócio de RM, essa ‘nova moda’ que todo mundo resolveu falar. Se você perguntar para a maioria dos hoteleiros do Brasil sobre o conceito e aplicabilidade de RM, ainda ouviremos discursos básicos. Os que estão se aprofundando no assunto, se destacam no mercado e conseguem resultados efetivos para seus hotéis”.
 
“Mais do que comparação com outros países, o que precisamos mesmo é deixar qualquer resistência de lado, aprender sobre o assunto e colocar a ‘mão na massa’. Nosso ‘timing’ só precisa ser um pouco mais rápido”, acrescenta.
 
RM na crise
Por fim, o executivo comentou a importância de operar com RM durante períodos de instabilidade econômica, como o ocorrido no último ano. “O sistema é essencial nestes momentos, principalmente porque te ajuda a qualificar a venda e extrair o melhor de cada período, eliminando pouco daquela análise especulativa”, justifica Teixeira.
 
Quadro negro
Não, não vamos falar de nenhum aspecto catastrófico. Este quadro negro é uma referência às lousas verdes tradicionais das salas de aula. Luis Gonzaga Godoi Trigo, professor da Universidade de São Paulo, que ministra palestras e aulas sobre o tema, salienta alguns aspectos do ambiente de aprendizagem universitária.
 
“No curso de Turismo da USP, Revenue Management é ministrado
junto com as matérias de administração no meio do curso. Um dos itens principais que os alunos têm que entender é que o RM é um instrumento e não um fim. Portanto, é necessário seguir todos os procedimentos e processos para que este sistema funcione”, explica Trigo. “Claro que é necessário também saber distinguir quando um procedimento deve ser deixado de lado por conta das necessidades presentes. Como exemplo, falar de um hóspede que chega meia noite e meia no hotel. Você não vai fazê-lo preencher fichas naquele momento”, comenta.
 
Luiz Trigo, professor da Universidade de São Paulo
 que ministra palestra sobre o tema  
(foto: arquivo HN)
Ele acrescenta também que uma das formas de explicar o conceito aos alunos é comparando ao sistema de preços com o que já vemos em cinemas e teatros – nos quais os preços variam de acordo com o dia e horário das exibições. “E há sites que já exibem o preço mínimo previsto com antecedência de um ano. Nestas tabelas podemos perceber como os preços variam em algum final de semana especial ou no período de férias”.
 
Collaro que ministra palestras para hoteleiros já atuantes, cita as principais dúvidas. “A primeira delas é sempre em relação aos reais benefícios que o RM pode trazer ao empreendimento. Principalmente os proprietários de meios de hospedagem independentes e familiares, que acham que o conceito só é aplicável a redes. Além disso, eles querem saber também qual o software mais adequado para suas necessidades”, comenta Collaro. “Outra questão levantada é sobre qual a melhor forma de negociar os contratos corporativos. Há o medo de perder os clientes”, finaliza Collaro.