Restaurante do Jurerê Beach Village, da JI Administração Hoteleira (foto: jiah.com.br)
 
A terceirização é uma prática cada vez mais comum nas mais diversas áreas. Os bancos terceirizaram a segurança; as indústrias a faxina, entre tantos outros exemplos. Contudo, o repasse a terceiros da gestão e realização de serviços necessários a um empreendimento ainda causa divergências de opinião por causa das vantagens e desvantagens deste procedimento.

Por Fernando Freitas
O setor de alimentos & bebidas nos hotéis é um caso típico desta polêmica. Para Cincinato Lui, diretor superintendente da JI Administração Hoteleira – que opera com os dois sistemas de gestão – a terceirização traz vantagens por não onerar os custos totais do hotel com os pesados custos e pequena margem de lucro dos restaurantes. “Mas é necessário um operador muito especializado e controlado, pois qualquer descontrole nos custos dele será imediatamente refletido no padrão do serviço e percebido pelo cliente, que não faz distinção dos serviços de A&B terceirizados ou não.”

Já Jorge Nishimura, presidente do Noah Gastronomia e Eventos, é mais enfático: “O A&B é um mal necessário, pois é muito importante, mas não traz nenhum lucro para o hotel. Por isso se terceiriza. Mas só repassar para outra empresa não resolve o problema. Este setor tem muita interação com o hóspede, que quer ser bem atendido e comer bem, independente de qualquer coisa. Por isso o fornecedor deve ter a mesma filosofia do hotel”, explica.


Villa Noah, pertencente ao Grupo Chieko Aoki
(foto: noah.com.br)
 
O executivo salienta a diferença entre um restaurante de rua, que só serve almoço e jantar, e um restaurante hoteleiro, que funciona 24 horas por dia durante 365 dias por ano com os serviços de quarto, café da manhã e eventos. “Ainda há a visão romântica de abrir um restaurante, mas temos uma carência de profissionais capacitados para a gestão técnica dos empreendimentos, com competência para obedecer todas as regras, auditorias de segurança alimentar, entre outros detalhes”, completa.

Identidade
O principal empecilho da terceirização de A&B, segundo os profissionais da área, é encontrar uma empresa que tenha “a cara” do hotel, para que o restaurante possa ser positivamente associado à marca hoteleira e vice-versa. É o que conta Alexandre Câmara, gerente geral do Liau Hotels Ginza e do restaurante Golden China.  Apesar de serem do mesmo grupo – 7 Oceans, antigo Liau Group – os dois têm administrações independentes.

 
Restaurante Golden China, do Liau Hotels Ginza
(foto: divulgação)
 
“Nossa gastronomia é bem tradicional, diferente dos restaurantes asiáticos fast-food que só servem yakissoba e frango xadrez. Nosso cardápio, preparado por um chef chinês, inclui sopa de barbatana de tubarão, rã, o prato “Família Feliz” (que mescla carne bovina, suína e frutos do mar), que é o nosso campeão de vendas, além dos banquetes chineses que servimos para grupos de oito a doze pessoas”, conta Câmara.

Ele diz ainda que 70% do público é externo, e apenas 30% dos rendimentos correspondem aos hóspedes do Liau Hotels Ginza. Atualmente o restaurante passa por um plano de expansão do sistema delivery.

“Temos características muito peculiares: somos um restaurante chinês em um hotel muito frequentado por asiáticos, e localizados no bairro da Liberdade, uma forte colônia oriental dentro de São Paulo. Seria muito difícil, no nosso caso, terceirizar o setor de A&B e manter essa identidade”, afirma Câmara.


Restaurante do Comfort Suits Alphaville,
da Atlantica Hotels International
(foto: atlanticahotels.com.br)
 
Christian Mansfeld, diretor de A&B da Atlantica Hotels International destaca a importância de formar uma parceria com uma empresa renomada, para não correr riscos. “Uma grande vantagem é quando a marca da terceirização é de prestígio. Nesse aspecto, o restaurante consegue uma melhor comercialização. Por outro lado, Mansfeld enumera diversas outras vantagens da internalização do setor:
 
– os restaurantes administrados pela própria Direção têm maior flexibilidade nas negociações de preços e de produtos;
– os padrões de bandeiras são melhores entendidos;
– maior preocupação genuína da qualidade;
– melhor suporte operacional;
– equipes bem treinadas;
 
Alternativa
Leandro Cantarin Quartaroli, chef executico e gestor de A&B do Bourbon Convention Ibirapuera (SP), vê a terceirização
como uma alternativa para hotéis e pousadas de pequeno ou grande porte que não têm condições financeiras e conhecimento de mercado para gerir o setor, já que é uma área com alto custo e muito difícil de conseguir uma margem de lucro satisfatória, além dos encargos trabalhistas e impostos envolvidos.

“O hotel passa a proposta para o arrendatário e recebe uma porcentagem da receita e uma mensalidade pré-estipulada, e também se livra das dificuldades de gestão e custo, sem contar os riscos que envolveriam a empresa, como contaminações alimentares, deficiência em serviços e uma não fidelização dos clientes.

Para Quartaroli, o restaurante do Bourbon é considerado um ponto
importante na captação de eventos. “A maioria das refeições são
feitas no restaurante porque atendem melhor os clientes que já
estão ocupando as salas de reuniões, e também pelos valores que
são bem mais em conta do que uma refeição privativa em sala.
Quando vendemos um evento o restaurante na maioria das vezes
já participa da negociação”.
Ele conta que sua equipe é formada por profissionais que estão
adaptados a trabalhar com banquetes, chegando a atender em
média 7 mil pessoas nos dois restaurantes do hotel, entre
eventos, passantes e hóspedes.

Fidelização
Por outro lado, Leandro reforça que a opção de não terceirizar o setor de Alimentos & Bebidas facilita a fidelização dos hóspedes.

“O café da manhã do Bourbon Convention é um exemplo. É

cortesia, não visamos o lucro com ele, e sim tentar passar uma
ótima impressão para o cliente. É o nosso cartão de visita.
Servimos uma grande quantidade de itens para que nossos clientes
já fiquem para fazer outras refeições se baseando na qualidade do
café da manhã. Hoje temos um índice de quase 100% de satisfação e muitos elogios dos hóspedes”.
Segundo ele, os investimentos por parte do hotel são maiores, mas os resultados financeiros e a satisfação do cliente também acompanham esta condição. “Hoje trabalhamos com uma margem de 27% a 31% de receita líquida, sendo que nossos custos em Alimentos & Bebidas giram em torno de 28% (CMV), mas isso depende da nossa ocupação, que está entre 70% e 75%”.

Restaurante Figueiras, do Bourbon Convention Ibirapuera
(foto: bourbon.com.br)


Parceria
“Descrever  as  vantagens  e desvantagens é simples na teoria, porém na prática as coisas tendem a mudar e tomar rumos que às vezes os contratantes e contratados não avaliam os riscos, focando apenas no resultado que pode gerar”, explica Euclédio Galerani, diretor de A&B do Golden Tulip Paulista Plaza (SP). 
 
Para Galerani, como a maioria dos flats, por não possuírem personalidade jurídica para gerir um restaurante, são forçados à terceirização, a escolha do melhor parceiro é a tarefa mais difícil, porque no mercado existem muitos interessados, mas poucos  conhecedores do negócio, que por fim acabam vislumbrando resultados que não podem entregar. Então o contratante acaba  trazendo para si os prejuízos que uma operação desastrada  poderá trazer.
 
“Sem parceria não se tem benefício, pois eu vivo o dia-a-dia e sei  que a continuidade do negócio depende do tempo e da presença  constante do dono”, diz.
 
Sobre a relação do A&B com os eventos, o diretor afirma: “No meu modelo de gestão, considero que o restaurante contribui em 80% na captação de eventos, porque só uma pequena parte deles  gera hospedagem, e a maior parte são eventos de negócios definidos por vários fatores: localização, espaço de evento dentro  do hotel, serviços e qualidade da alimentação, que têm um valor muito importante na fidelização destes eventos”.
 

Prato especial do All Seasons, restaurante do Golden Tulip
(foto: goldentulippaulistaplaza.com.br)

Galerani se baseia em alguns “mandamentos” para ter sucesso em sua gestão, tais como:

– Os bons hotéis são sempre dependentes de um bom serviço de A&B.
Se não existir um bom suporte de serviços de A&B o hotel decai para as categorias “Bed and Breakfast” ou Albergue, em que o serviço de A&B se restringe a um coffee shop e um lobby bar.
– Os restaurantes dos hotéis qualificam e dão o tom ao hotel, já que são as áreas públicas mais visíveis.
Os restaurantes de hotel tem que desenvolver personalidade e imagem própria, por vezes até destoando positivamente face ao hotel.
– Os restaurantes de hotel que não criaram imagem própria tendem a ser fonte de prejuízo.
Os restaurantes de hotel voltados exclusivamente para atender as necessidades do hotel desperdiçam o cliente do próprio hotel além de falharem na valorização do empreendimento.
– A área de A&B deve agregar a atividade de banquetes e eventos ao restaurante, afim de manter o investimento na sua ocupação máxima.
O investimento em cozinhas, depósitos, almoxarifado, e em equipamentos de salão, bem operados na sua capacidade máxima, são grandes geradores de faturamento e dão resultados mais altos por real investido do que investimento em apartamentos.
– O hotel e a estrutura de A&B tem que ser partes integrantes de um mesmo esforço coletivo. Porém considere-se que o cliente não é o mesmo, e pode não ter as mesmas expectativa quanto ao serviço que espera receber.
– O hotel deve crescer e otimizar as áreas onde haja espaço para crescer e otimizar. 
A&B é a área por excelência que melhor pode explorar todas as oportunidades de crescimento. Haverá sempre possibilidade de montar mais 3 mesas no restaurante, juntar salas para fazer um salão, montar um toldo na piscina, montar um banquete  ao ar livre etc. e transformar tudo isso em atividade geradora de receita.
 
– A&B deve ter total liberdade para gerenciar as suas ações com base em budgets e compromissos de curto, médio e longo prazo, e estar provida dos recursos necessários.
Não é eficiente manter a área de A&B sob o comando estrito do gerente geral. Ele deve ter o controle dos valores do orçamento e da sua execução, porém não deve intervir na operação.