Terceirizar ou não?
(foto: hgpark.com.br)
 
Espaços intimistas, mobiliários suntuosos, aparatos eletrônicos que são símbolos tecnológicos ou até mesmo uma cama esplêndida. Detalhes que, mesmo no hotel mais luxuoso, no ambiente mais inspirador, somente têm validade para o hóspede se estiverem atrelados a serviços muito além das expectativas. É justamente neste bem-servir que a hotelaria se respalda e foge à matemática dos padrões, elevando a qualidade – a um nível no qual o céu é o limite – por meio dos mimos oferecidos.
 
Porém, e quando estes serviços estão à mão de terceiros? Um simples vestido estragado na lavanderia, uma camisa que acabou manchada ou uma peça de grande estima rasgada e, pronto: adeus à satisfação do cliente. O que fazer para evitar tais percalços quando o assunto é de fato a lavanderia: terceirizá-la e transferir a responsabilidade? Investir e fazer a gestão própria de sua lavanderia, mesmo não sendo este o core business de seu hotel? E quando não há lavanderias que prestam este serviço no entorno, qual a melhor saída? E se a lavanderia de um hotel for parte de um processo educativo?
 
Retomando a série de reportagens sobre terceirização no setor hoteleiro, o Hôtelier News foi até os bastidores do mercado para perscrutar tal questão e trazer novos óculos sobre os serviços de lavanderia. Terceirizar ou não?
Por Dênis Matos, Filip Calixto e Thais Queiroz
Parcerias podem sim ser bem sucedidas se as administrações envolvidas tiverem comprometimento e falarem a mesma língua – o que não é diferente num serviço de lavanderia. É o caso do Blue Tree Premium Verbo Divino. Segundo Chieko Aoki, presidente da rede, o hotel sempre utilizou serviço de lavanderia terceirizado, procurando estabelecer parcerias duradouras para evitar dores de cabeça.
 
Mais do que uma espécie de casamento proposto por Chieko entre cliente e fornecedor, outros pontos devem ser levados em conta. Margareth Ausier, gerente geral do Mussulo Resort By Mantra, instalado no município de Conde, Paraíba, menciona os pormenores da proposta comercial feita pela lavanderia como um importante critério. “Além de ele ser muito bem redigido, com definições claras quanto às responsabilidades e aos prazos, é importante a visita in loco para conhecer de perto as instalações, o processo de lavagem, os equipamentos e os produtos utilizados. Um dos principais quesitos a ser observado é a limpeza e higiene do local, incluindo a organização da triagem das peças, manuseio e embalagem das mesmas”, adverte.
 
Para a mandatária do grupo Blue Tree, contar com uma empresa que seja especialista no serviço prestado é relevante. “Eles trabalham com maquinário e mão-de-obra pertinentes, o que nos deixa tranquilos. Confiamos em nossos parceiros e isso nos permite focar nos serviços aos hóspedes, além de reduzir custos, dentre outras vantagens”.
 
O Blue Tree Verbo Divino optou por contratar dois tipos de prestadoras: uma que cuida do enxoval, trocado diariamente, e outra que se dedica às peças dos hóspedes, porém, nas dependências do hotel. De acordo com a porta-voz da Blue Tree, desta forma, as ocorrências de danos em peças pessoais são raras.
 
Rosana Guedes, governanta do Mercure Nações Unidas, em São Paulo, advoga com outros argumentos a favor de um serviço de lavanderia terceirizado. “As principais vantagens são a isenção do alto custo na compra dos equipamentos e mão-de-obra, expertise na área de atuação, ganho no espaço físico para outros serviços, possibilidade de locação do enxoval – isentando o alto custo na compra de peças iniciais – e depois com a reposição das mesmas”.
 
Já Flávia Leite Figueiredo, gerente de Hospedagem do Grande Hotel-Escola Senac São Pedro, localizado no interior paulista, que joga no time das lavanderias próprias, garante que trabalhar neste sistema traz mais rapidez e eficiência ao processo. “Um enxoval lavado na própria lavanderia do hotel, com os processos corretos e a quantidade de trocas corretas, tem grande durabilidade”, defende.
 
Lavanderia-escola
Mais do que se pautar pela qualidade, no Grande Hotel São Pedro a lavanderia tem caráter educativo. “Por sermos um hotel-escola, temos que mostrar como funciona cada área do hotel para os futuros profissionais. A lavanderia é parte desse processo”, elucida a gerente de Hospedagem.
 
Flávia esclarece que a lavanderia presta serviços para todo o hotel, possibilitando ao aluno uma vivência que alia teoria e prática, o que traz, para ela, uma visão completa do funcionamento deste setor.
 
Escolha unânime
Ainda assim, com uma lavanderia com serviços de melhor qualidade e que funcione como disciplina prática, é grande o número de hotéis com modelos terceirizados. Nestes casos, os critérios para a escolha da parceria são semelhantes. Para que a contratação seja bem sucedida, no geral, são avaliados pontos como qualidade, tecnologia, responsabilidade, pontualidade, pronto-atendimento e referências comerciais do prestador.
 
Equipamentos para lavanderias tendem a
representar um alto custo para os hotéis
(foto: navegantes.olx.com.br)
 
“Ter uma estrutura de lavanderia não é financeiramente viável”, alerta Cida Montanari, governanta Executiva do Paradise Golf & Lake Resort, de Mogi das Cruzes (SP), que sempre utilizou lavanderias terceirizadas.
 
“Os serviços de lavanderia envolvem altos investimentos em maquinário, insumos e mão-de-obra especializada. Terceirizar esta área é deixar que especialistas em lavar roupas cuidem do assunto, dispensando do serviço toda a atenção necessária para uma boa qualidade”, reflete Margareth.
 
No caso do Grande Hotel São Pedro, é impossível fugir a este custo. A gerente de Hospedagem conta que são ao todo três maquinas lavadoras automáticas de grande porte, voltadas à demanda de enxoval, e uma maquina de pequeno porte automática, que atende à demanda de roupas de hóspede e uniformes. A conta não para por aí: mais três secadoras grandes automáticas, que suprem a necessidade do hotel, duas calandras, três prensas de passar roupa e três passadeiras com ferro industrial.
 
Este maquinário, notadamente, precisa de produtos para seu funcionamento. Flávia diz que, para tanto, são avaliados pontos como eficiência, qualidade dos produtos, suporte técnico e idoneidade da empresa fornecedora quando feitas as compras dos materiais.
 
No caso dos terceirizados, tais pormenores não são pensados. Ainda assim, a gerente do Mussulo orienta que o processo deve ser acompanhado de perto, já que o investimento na compra e na reposição do enxoval, ainda que este esteja sob cuidado de terceiros no que tange à manutenção, representa um número significativo e, caso a lavanderia não cuide desses detalhes, o hotel terá que arcar com isso.
 
A forma na qual o processo da lavanderia
acontece também pode interferir nos custos
(foto: hgpark.com.br)
 
Falta de fornecedores
Além dos grandes números que envolvem a compra de enxovais, é preciso pensar também no custo do serviço oferecido pelas lavanderias terceiras. Cida conta que a região na qual o resort está instalado sofre por falta deste tipo de empresa, o que, notadamente, reverbera nos custos.
 
A visão de Margareth Ausier é semelhante. Ela acredita que a falta de opções é um problema que ocorre em muitos hotéis do País, “o que onera bastante os custos, pois envolve deslocamentos de distâncias, às vezes bem consideráveis”.
 
É justamente o problema de distância que o Rio Quente Resorts, localizado na cidade que empresta o nome a resort, em Goiás, também enfrenta. Segundo Manoel Carlos Cardoso, diretor de Marketing e Vendas do empreendimento, o principal critério para escolher a terceirização ou o serviço próprio de lavanderia é a localização. “Penso que vai depender muito da situação específica de cada empreendimento, da região em especial, próximo ou não das facilidades das grandes metrópoles”.
 
O resort de Rio Quente, pela falta de opções no entorno, optou por construir dentro de suas dependências a estrutura necessária para ter o serviço sempre próximo e disponível.
 
“Certamente uma [lavanderia] terceirizada é melhor para um hotel pequeno. No nosso caso, por ter seis hotéis dentro do complexo, o número de apartamentos é muito grande. Com este volume, tendo o processo de lavanderia feito por nós mesmos, garantimos um serviço de qualidade com um custo abaixo de uma média cobrada no mercado”, garante o diretor do Rio Quente. 
 
Cardoso pormenoriza o processo de lavagem do resort, que, devido às condições, é bem específico. “Coletamos diariamente nos apartamentos e levamos para a Lavanderia Central, onde o tempo de retorno é de 24 h – para o serviço normal; em caso de urgência levamos algumas horas, dependendo do caso e da situação. As roupas de cama e banho são retiradas do apartamento e colocadas em carrinhos, para posterior encaminhamento à lavanderia. O transporte é efetuado por veículos adaptados especialmente para este fim. As roupas são lavadas e entregues no dia seguinte”, conta.
 
Roupas de hóspedes danificadas podem representar
muito mais do que um problema de custos para o hotel
(foto: kikareichert.com.br)
 
Do hospede à lavanderia
O tempo e a forma como são feitos os processos de lavagem das roupas podem influir em vários aspectos. No Mussulo, roupas retiradas até às 9h são entregues no mesmo dia, após às 18h – já que o processo é terceirizado.
 
O modelo do Grande Hotel São Pedro é o mais minucioso – e, possivelmente, o que deve trazer menos problemas. O próprio hóspede preenche a ordem de serviço para que a camareira retire a peça. Caso o formulário não esteja assinado ou preenchido, a roupa não é retirada do apartamento. Após os trâmites burocráticos, a camareira leva a roupa até a lavanderia e entrega para um oficial do setor, e ambos conferem a quantidade e o estado das peças, tendo como base a própria ordem assinada pelo cliente. Qualquer alteração no tecido ou irregularidade, que não foram mencionados na solicitação, são automaticamente comunicados ao hóspede.
 
Já no Paradise, as peças retiradas até às 10h pelo mensageiro são entregues no prazo de um dia, indo do hotel à lavanderia terceirizada. Caso o cliente exija um menor tempo, os preços vão se alterando. Para o serviço expresso, no qual o pedido é entregue até às 20h, o custo sobe para 50% a mais no valor; para urgência, a cobrança é 100% maior do que em horário normal.
 
Lucro com a lavanderia de hóspedes
Com serviços taxados de acordo com a velocidade da entrega e por demandar um aporte significativo, as lavanderias dos hotéis devem ser sinônimo de lucro. Mas não é bem assim que a coisa funciona. “O serviço de lavanderia é uma comodidade que oferecemos aos nossos hóspedes”, opina Cida, esclarecendo que, em termos de receita, a lavanderia é uma secura só.
 
“O lucro com a lavanderia de hóspedes não tem grande representatividade na receita do hotel, mas é compensatória pelo fato de ser um serviço essencial para suprir as necessidades de nossos hóspedes”, explica a governanta do Mercure.
 
Flávia Leite Figueiredo corrobora com a versão e reafirma que a lavanderia é um dos setores de maior custo dentro do hotel. “Mas é um custo revertido em satisfação e agilidade para comodidade do hospede. É um serviço a mais que será agregado na estadia do hóspede”.
 
No caso do Rio Quente Resorts, o lucro com a lavagem de roupa dos hóspedes figura em segundo plano. “A lavanderia do resort está mais direcionada, neste momento, para a lavagem da roupa de cama e banho. A receita proveniente de serviços com roupas de hóspede ainda é pequena”, conta Cardoso.
 
A gerente geral do resort paraibano vê com outros olhos a questão. “Depende do empreendimento e do perfil dos hóspedes. No caso de hotéis com perfil corporativo, geralmente se obtém um lucro representativo por se tratar de uma necessidade maior do cliente – para que este tenha sua roupa processada com qualidade e entregue em tempo hábil, ele considera justo pagar pela comodidade. Já no caso de hotéis de lazer, a necessidade habitualmente é menor e o serviço menos requisitado”.
 
Margareth Ausier: “O foco de um hotel é hospedagem

e não a prestação de serviços de lavanderia”
(foto: viajenaviagem.com)
 
E não são somente as questões como lucro, logística e qualidade que constipam os hoteleiros quanto o assunto é terceirização de lavanderias. É preciso prevenir-se em casos de emergência. Por isso, é preciso ter um enxoval de reserva? “Sim, precisamos contar com essa possibilidade, sem dúvida. Dependendo da ocupação e do tempo de processo, deve-se trabalhar com no mínimo três giros para se ter margem de segurança – o investimento num maior número de peças também interfere na durabilidade do enxoval, visto que as peças ‘descansam’ mais tempo”, comenta a gerente geral do Mussulo.
 
Mas oquei, acabados os problemas neste sentido, a lavanderia não traz outros percalços à hotelaria. Negativo. O maior deles, e mesmo que ocorra em menor escala, deve ser citado: o dano às roupas de hóspedes.

“Acredito que todos os hotéis já passaram pelo problema de danificar alguma peça de hóspede ou até mesmo de extravio quando as mesmas são processadas externamente”, pontua a governanta do Mercure. Ela cita um caso no qual uma camisa foi danificada e, por falta de sorte, o hóspede tinha muita estima por ela – já que era presente da esposa. Para piorar, a peça ainda havia saído de linha. Conclusão: o hóspede ficou com uma camisa mais cara e, ainda assim, não saiu nenhum pouco satisfeito.

 
A gerente de Hospedagem do Grande Hotel São Pedro garante que, até o momento, eles não receberam nenhuma reclamação de hóspedes com relação à roupa danificada. Segundo ela, a equipe da lavanderia se preocupa com todos os detalhes no processo de lavagem da roupa, desde verificarem a etiqueta até fazerem serviços como pequenos reparos, costurar barras etc.
 
“O hoteleiro deve zelar de perto por este patrimônio, cobrando da empresa parceira a responsabilidade que lhe é pertinente nos cuidados e controles das peças”, indica Margareth. “No Mussulo, felizmente, ainda não aconteceu – contudo, todo hotel está sujeito a este tipo de ocorrência e, caso aconteça, iremos ressarcir o hóspede, indenizando-o da melhor forma possível a fim de minimizar o transtorno”, completa.
 
Chieko Aoki garante que problemas neste sentido são atípicos. “Há raríssimas ocorrências desse tipo, não me recordo quando foi a última vez que aconteceu. De qualquer maneira, nossa equipe está muito bem treinada para minimizar os riscos e, em caso de problemas, solucioná-los o mais prontamente possível”, articula a presidente da Blue Tree.
 
Acontecendo ou não, casos neste sentido trazem desgaste notório na relação do hoteleiro com o cliente. Por isso, o alerta final é tão enfático quanto os problemas que uma lavanderia pode gerar: “O foco de um hotel é hospedagem e não a prestação de serviços de lavanderia”, filosofa Margareth Ausier.