Recentemente lancei meu livro Sustentabilidade para Restaurantes: do solo ao prato, publicado pela Editora Senac. O livro, em formato digital, traz temas como governança, sustentabilidade e saudabilidade para esse segmento de mercado. Tenho visto um avanço significativo no assunto ao longo desses últimos 16 anos que trabalho como consultora/ mentora para cozinhas profissionais. Restaurantes independentes e em hotéis estão vendo a necessidade de adotar práticas mais saudáveis e sustentáveis em seus negócios. Adoro o tópico e fico feliz de ver como está cada vez mais inserido em nossa realidade. Aproveito para parabenizar o colega Daniel Pereira pelo seu recente artigo relacionado ao tema publicado aqui no Hotelier News.

O caminho que leva à sustentabilidade não é de mão única e nem linear. De fato, a economia circular veio para ficar e a circularidade dos alimentos é a grande protagonista do momento. Nossos sistemas alimentares precisam ser regenerados, pois a saúde do solo impacta diretamente na saúde das pessoas, meio ambiente e mudanças climáticas. O desperdício de alimentos impacta no meio ambiente (representa 54% dos resíduos nos aterros sanitários), na emissão de CO2 na atmosfera, na segurança alimentar e nutricional, na fome. As práticas socioambientais trazem benefícios para a sociedade e incentivam o crescimento da economia circular. A escolha que cada cozinha faz, portanto, impacta positivamente ou negativamente nesse ecossistema onde restaurantes e hotéis são players fundamentais para que a mudança de chave aconteça. Incorporar o conceito ESG é um must, porém trabalhar com valores como a alimentação saudável, é essencial.

No entanto, é preciso governança, conscientização, bom gerenciamento e propósito. Assim, é imprescindível a aproximação de restaurantes e hotéis com produtores rurais locais, agroecológicos, orgânicos. Essa rede precisa crescer, pois é fundamental o resgate à soberania alimentar e nutricional, cultura e regionalidade dos alimentos, criar cardápios sustentáveis e de baixo carbono. Muitos chefes e proprietários de restaurantes já estão incorporando alimentos frescos agroecológicos em seus cardápios. Também estão trabalhando suas gestões focadas na redução do desperdício, enviando seus resíduos alimentares para um sistema de compostagem e encaminhando seus recicláveis para cooperativas e projetos socioambientais.

Na questão socioambiental, tenho observado cada vez mais hotéis engajados em estratégias sustentáveis e soluções ambientais tecnológicas relevantes. Em 2019, antes da pandemia, estive em Boston para conhecer alguns desses projetos. Boston ficou conhecida como um case de sucesso pelas práticas ambientais e sustentabilidade adotadas nas políticas públicas, universidades e setor privado. Nessa jornada conheci pessoas incríveis e entre eles o Dan Ruben – diretor executivo da plataforma Boston Green Tourism e autor do livro How to Green Your Hotel. Marcamos um café. Era fevereiro e um dia de muito frio. Nos encontramos perto da estação de Wellesly, onde eu estava ficando e nesse bate-papo, compartilhamos alguns pontos como a importância da governança social e ambiental (antes mesmo de se falar em ESG) no setor.

Dan compartilhou algumas estratégias em relação à redução do desperdício e resíduos alimentares e segundo ele. “Podem ser divididas em três partes: prevenção, aproveitamento total e compostagem. Em relação à prevenção, além da compra consciente, hotéis podem doar alimentos não consumidos, em vez de enviá-los às usinas de compostagem, aterros sanitários ou incineradores, da mesma forma que bancos de alimentos direcionam as doações para a população mais vulnerável”.  Em relação à compostagem, complementou. “Atualmente hotéis possuem múltiplas alternativas e tecnologias para seus resíduos orgânicos, ao invés de simplesmente destiná-los a aterros e incineradores. Pátios de compostagem estão transformando esses resíduos em valioso fertilizante natural para o solo… “Usinas de compostagem de digestão anaeróbica, usam microrganismos para fazer a quebra de material biodegradável por causa da ausência de oxigênio. Produzem biogás e fertilizante. O biogás é utilizado para gerar eletricidade, aquecimento ou como combustível para transportes. Biogás é considerado combustível renovável, e isto deve-se ao fato de que os alimentos de origem vegetal (que inevitavelmente acabam indo para usinas de compostagem anaeróbicas) conseguem remover tanto quanto possível o gás carbônico da atmosfera, assim como o biogás usado como combustível”, disse.

E continuou: “Fazendas de criação suína também utilizam restos de alimentos, a fim de reduzir o custo da alimentação de seus animais. Alguns hotéis compostam seus resíduos orgânicos in loco, seja através de composteiras elétricas, biodigestores, ou no próprio terreno quando possível. Algumas tecnologias trituram os restos de alimentos, utilizando o calor que ali é produzido, para extrair o líquido dos alimentos, reduzindo o volume em até 90%. O subproduto pode ser utilizado como fertilizante ou, como ativador de qualquer sistema de compostagem, ou enviado para uma usina de compostagem de digestão anaeróbica. Biodigestores reduzem o volume de comida através do sistema de drenagem. Transformam os resíduos orgânicos em efluente através da trituração, agentes biológicos, agitação mecânica e a continua injeção de água, a fim de produzir um subproduto em forma líquida que será descartado diretamente no sistema de esgoto. Apesar de que, existem algumas companhias de tratamento de esgoto que não aceitam o sistema dos biodigestores”, pontuou.

No final da conversa, perguntei ao Dan o que poderíamos esperar do futuro (atualmente) na indústria da hospitalidade, e respondeu: “Acredito que hotéis assim como outros tipos de empreendimentos e instituições, irão aperfeiçoar suas gestões na questão do desperdício, como resultado da pressão e incentivos” … “Leis ambientais proibindo empresas a enviarem seus resíduos para os aterros sanitários e incineradores irão proliferar, pois restos de comida nos aterros emitem gás metano, e queimá-los em incineradores soltam gás carbônico na atmosfera. Devemos também considerar que espaços destinados a aterros sanitários estão ficando escassos”, concluiu.

“Hotéis já reconhecem que podem economizar muito aplicando estratégias eficientes que geram economia, e esta mentalidade está crescendo. Gerenciando melhor o food service e sabendo prevenir o desperdício, será um grande passo e um ganha-ganha para todos”, finalizou.

Ana Rita Barros Cohen
Autora: “Sustentabilidade para Restaurantes: do solo ao prato”, editora Senac, 2024
CEO e Founder do SK- Sustainable Kitchens (Governança para Cozinhas Profissionais)
Especialista em gastronomia saudável e responsável e desenvolvimento sustentável
Partner na FCV (Food Chains Ventures)

(*) Crédito da foto: Arquivo Pessoal