O mar está cheio de bons ventos — e a hotelaria brasileira tem tudo para embarcar, cada vez mais, nessa rota de crescimento.
Se o turismo fosse um oceano, os cruzeiros zarpariam na expansão. De acordo com a Cruise Lines International Association (CLIA), a indústria global de cruzeiros movimentou 34,6 milhões de passageiros em 2024 — e deve chegar a 37,7 milhões em 2025. Isso já representa 2,7% de todo o turismo internacional, e o vento continua soprando a favor.
Por aqui, o relatório “Profile Study & Economic Impacts of the Cruise Industry in Brazil”, da Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos (ABREMAR), mostra que 173.400 brasileiros embarcaram em cruzeiros internacionais em 2023 — um aumento de 130% em relação ao ano anterior. O mesmo estudo aponta que 93% dos turistas brasileiros ainda optam por destinos domésticos, influenciados pelos altos custos das viagens internacionais e pela valorização do dólar e do euro frente ao real.
E não se trata apenas de números expressivos de turistas: o levantamento revela uma cadeia de valor robusta, que movimenta desde a hotelaria a bordo até a hospedagem em terra, o abastecimento de insumos, as operações portuárias e uma série de serviços complementares.
Pesquisas como “Cruise Shipping in Brazil: An Emergent or Established Market” ainda ancoram ideias de que o setor nacional está em plena expansão, com rotas mais diversificadas e foco crescente na experiência hoteleira embarcada.
Um universo à parte
A hotelaria em cruzeiros encerra um universo próprio. Os padrões de conforto e entretenimento seguem a lógica dos resorts all inclusive, mas com o diferencial de acordar-se todos os dias em um lugar diferente.
Ainda assim, não dá para deixar o leme solto. Com a sanção da Lei nº 14.978/2024, o Brasil passou a reconhecer oficialmente os cruzeiros aquaviários como meios de hospedagem. Isso significa que, juridicamente, essas embarcações agora navegam no mesmo mar de obrigações que hotéis, resorts e pousadas, sob a bandeira do CADASTUR e a bússola do Ministério do Turismo, cabendo atenção às regras aplicáveis.
A vida a bordo: onde o check-in não tem fim
No mar, a operação hoteleira ganha outra escala e não pode ficar à deriva. O “check-in” vem acompanhado de logística de abastecimento, inspeções sanitárias, controle alfandegário, gestão de resíduos, embarque e desembarque rotineiro de passageiros — tudo isso enquanto o navio segue viagem.
É uma operação que não cabe em terra firme. Cada porto é um novo desafio; cada escala, uma nova entrega; e cada contrato, um mapa que precisa prever todas as marés.
Nos bastidores do glamour, há um extenso convés de negociações: contratos com fornecedores, gestão de alimentos e bebidas, coordenação de tripulação e passageiros, parcerias com agências marítimas, relações com operadores portuários e autoridades locais.
Esses bastidores fazem da hotelaria embarcada uma das operações mais complexas e fascinantes do turismo moderno. É a verdadeira engenharia da hospitalidade flutuante — e, convenhamos, um bom gestor precisa estar pronto para navegar em águas calmas ou turbulentas. Só o planejamento e o trabalho nos bastidores permitem se preparar para eventuais tempestades.
Pergunta-se, então: vale o mergulho?
Com 8.500 km de litoral, clima tropical e uma malha portuária em expansão, o Brasil tem tudo para se consolidar como hub de cruzeiros. O diálogo entre hotelaria terrestre e marítima se fortalece — tanto no turismo receptivo quanto nas parcerias entre redes hoteleiras, agências de viagem e operadoras internacionais.
O mar é também endereço da hospitalidade. E quem navegar bem por essas águas — com estratégia, eficiência e boas parcerias — certamente encontrará portos muito promissores.
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Ana Beatriz é Sócia do Perez & Barros, Masters of Laws pela New York University, Presidente da Comissão de Hotelaria e Multipropriedade do IBRADIM e Membro da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário da OAB/RJ.
(*) Crédito da foto: arquivo pessoal/Ana Beatriz Barbosa Ponte
