Após novos protestos contra viajantes em cidades como Barcelona, Gênova e Lisboa, o Airbnb publicou um relatório isentando o aluguel de curta temporada da responsabilidade pelo turismo excessivo no Velho Continente. Mais do que isso, a plataforma atribui aos hotéis o principal peso do problema. A resposta do setor hoteleiro europeu foi imediata e, para as grandes redes, a acusação é injusta, desproporcional e desconsidera o impacto da operação de empresas de short-term rental. As informações são do Phocuswire.
O estudo, divulgado em junho, afirma que quase 80% das pernoites nos países da UE (União Europeia) ocorrem em hotéis ou acomodações similares. Segundo a plataforma, os aluguéis de curta temporada, ao contrário do que se pensa, seriam parte da solução e não do problema.
A empresa também utiliza o argumento de que o modelo ajuda a dispersar o fluxo turístico para além dos centros urbanos, oferecendo flexibilidade em períodos de alta demanda sem gerar estoques ociosos na baixa temporada. Ainda de acordo com o Airbnb, hotéis concentram-se em áreas já saturadas e contribuem para a superlotação dos destinos.
No relatório, a companhia cobrou maior atenção dos governantes da região ao “impacto avassalador” dos hotéis e de outros fatores, incluindo alta no fluxo aéreo e marítimo ligado ao turismo. “Eliminar os STRs não resolverá o problema da superlotação. É preciso promover a descentralização e buscar alternativas fora dos roteiros tradicionais”, aponta o relatório.
Reação do setor hoteleiro
A resposta do setor foi dura. Gabriel Escarrer, presidente e CEO da Meliá Hotels International, classificou as alegações do Airbnb como “injustas e hipócritas”. Ele argumenta que, nos últimos 10 anos, o crescimento dos hotéis na Espanha foi de apenas 2,5%, enquanto os aluguéis por temporada cresceram 135%.
“Esse avanço sem controle compromete a convivência nos bairros e sobrecarrega a infraestrutura pública, sem qualquer planejamento urbano ou regulação”, afirma. Ainda de acordo com o executivo, um modelo turístico mais sustentável deveria ser aplicado.
A Accor também rebateu as críticas, afirmando que os hotéis são integrados às comunidades locais e relevantes para economia da região. “O sucesso dos hotéis lifestyle mostra como nossos empreendimentos atraem tanto visitantes quanto moradores, promovendo um ciclo virtuoso de desenvolvimento urbano e social”, comenta a rede francesa.
Contexto regulatório e desafios
A ofensiva regulatória contra os STRs tem se intensificado, já que destinos como Barcelona planejam proibir os aluguéis turísticos até 2028 e o governo espanhol discute a aplicação de IVA (imposto sobre valor agregado) de 21% ao setor. Em maio, o Airbnb foi obrigado a retirar 65 mil anúncios na Espanha considerados ilegais. A decisão gerou queda de aproximadamente 3% no valor das ações da companhia.
Para Debbie Hindle, presidente global do ICRT (International Centre for Responsible Tourism), o relatório do Airbnb foi motivado pelos riscos legais que ameaçam seu modelo de negócio. “As disputas jurídicas e novas leis estão pressionando a empresa, que agora tenta transferir a responsabilidade para os hotéis”, aponta.
Além da Espanha, a plataforma enfrenta restrições em cidades como Nova York e Nova Orleans. Para Harold Goodwin, fundador do ICRT, o turismo excessivo em Barcelona é discutido desde 2004 e a cidade não controla diretamente a chegada de turistas por vias aérea ou marítima.
Propostas
Escarrer também preside o Think Tank Exceltur, que é responsável por alertar para os efeitos da superlotação. Segundo o executivo, imóveis ilegais para aluguel de temporada já representam metade das casas disponíveis em destinos como as Ilhas Baleares e Canárias. “É preciso ir além de medidas simbólicas e entender a fundo a complexidade do problema”, destaca.
A Exceltur lidera a iniciativa Turismo Que Suma, uma PPP (parceria público privada) que busca mitigar os impactos do turismo excessivo com foco em governança, empatia e respeito às comunidades locais.
Fabián González, analista do Phocuswright, defende uma abordagem mais equilibrada. “A raiz do problema está nos anúncios ilegais, não no Airbnb como conceito. Todos os formatos de hospedagem precisam estar sujeitos à regulação local, ou não haverá condições justas de concorrência”, conclui.
(*) Crédito da foto: Unsplash