Quase R$ 80 milhões em potencial de VGV e 200 empreendimentos no Brasil: esta é a perspectiva que o “Cenário do Desenvolvimento de Multipropriedades no Brasil para 2024”, de Caio Calfat Real Estate Consulting, anuncia para 2024. Por outro lado, o número de desistências das aquisições e de distratos muitas vezes supera 50% da carteira vendida em muitos empreendimentos. Diante desses números, alguns cuidados podem ser úteis para proteção do negócio e dos demais adquirentes.

Em vista de o mercado ter como praxe uma forma de venda agressiva, muitas vezes em ambiente de férias e sendo uma compra de segunda moradia ou lazer, vê-se que é preciso alguns cuidados para evitar o rápido desfazimento. A Lei de Multipropriedade, Lei 13.777/2018, completou 5 anos, assim como a chamada Lei dos Distratos, Lei 13.786/2018, que veio estabelecer exigências para contratos e parâmetros a serem adotados quando as partes não conseguem ou desejam seguir com a contratação.

A Lei dos Distratos previu que os contratos de alienação de imóveis em incorporação imobiliária, inclusive empreendimentos de multipropriedade, devem conter expressamente no quadro resumo: a possibilidade de o adquirente desistir, em 7 dias da contratação, quando esta é feita em estandes de vendas e fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial, com a devolução integral dos valores recebidos; e, após tal prazo, as consequências do desfazimento do contrato, seja por meio de distrato com acordo das partes, ou por inadimplemento de obrigações, tanto do adquirente quanto do incorporador.

A lei é clara ao dizer que, para a desistência, o comprador teria que enviar uma notificação por escrito, com carta com aviso de recebimento, no prazo previsto no item 1) acima.

Após tal período, o cancelamento contratual permitirá ao empreendedor deduzir os tributos, os encargos imobiliários, como taxas de condomínio e associação de moradores, a comissão de corretagem e uma penalidade, que pode variar de 25% para empreendimentos em geral ou 50% para aquelas incorporações que tiverem aderido ao patrimônio de afetação (que segrega receitas, custos e despesas próprios da incorporação e permite uma tributação diferenciada).

Acontece que a jurisprudência ainda tem entendido que, mesmo após o período de 7 dias e sem a formalização exigida pela lei, há que se devolver o valor integral pago pelo adquirente.

Outro ponto que pode vir a gerar uma stop order ou necessidade de aprovação pela Comissão de Valores Mobiliários é se a comercialização tiver um grande foco menos como uma multipropriedade para uso próprio e mais como investimento.

Assim, é recomendável atentar-se para alguns pontos:

  • Os contratos devem ser redigidos em linguagem clara e didática, atentando-se para negritos e rubricas nas cláusulas nas quais a legislação recomenda essas providências;
  • Deve ser feito treinamento e acompanhamento da equipe de comercialização de forma a evitar vendas excessivamente emocionais ou com enfoque em rentabilidade e não uso próprio, sendo eventualmente permitida a colocação da unidade, dentro do tempo que for permitido ao multiproprietário, no pool de locações;
  • As informações sobre possibilidade de intercâmbio, entre empreendimentos, também devem ser garantidas de modo que os adquirentes optem por uma multipropriedade como segunda residência, mas sabendo das possibilidades de uso e gozo de outros empreendimentos, dentro das regras que venham a ser estabelecidas na convenção de condomínio e demais instrumentos contratuais e regulamentadores pertinentes; e
  • A equipe do pós-venda deverá manter uma relação com os multiproprietários de forma a incentivar o sentimento de ser efetivamente “dono” de sua fração de tempo, bem como acompanhar que qualquer solicitação de desistência ou cancelamento siga as formalidades exigidas por lei.

Uma boa estruturação jurídica, após um estudo de viabilidade econômica aprofundado e equipes de vendas e pós-vendas bem treinadas podem fazer todo o diferencial para que o VGV seja mantido com lucratividade a médio e longo prazo.

Ana Beatriz é Sócia do Perez & Barros, Masters of Laws pela New York University, Presidente da Comissão de Hotelaria e Multipropriedade do IBRADIM e Membro da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário da OAB/RJ.

(*) Crédito da foto: arquivo pessoal/Ana Beatriz Barbosa Ponte