Ana Rita Cohen

A ideia de mudar o mundo nunca me parece tão absurda. Lembrando os cuidados que a sociedade deve ao ambiente que vivemos, e em meio ao enorme desenvolvimento global, muitos de nós passamos a ser mais conscientes e seletivos, mediantes aos desequilíbrios causados pelas últimas gerações. Penso que mais atentos às nossas escolhas, esperamos compreender o papel que nos cabe como corresponsáveis em resposta, não somente aos impactos ambientais, mas especialmente aos reflexos que se expressam na saúde como um todo. 

E isso não é pouca coisa. No que diz respeito ao desenvolvimento global, serviços como “eco-friendly”, “planet-friendly”, e “people-positive” entraram em empresas de todas as áreas, e em todo lugar. Muitos entenderam e avançaram; outros ainda necessitam de um empurrão – ou um puxão de orelha?. No setor de serviços à alimentação não podia ser diferente. De fato. No Brasil, o setor ainda é resistente, não obstante um enorme desafio. Afinal, é uma questão de educação. A luta ainda é contra a indiferença; à apatia generalizada, falta de conteúdo e interesse. Contamos, no entanto, com a percepção e visão da geração mais jovem, que com mais informação e pró-atividade, vem resgatando valores de cidadania e humanização, confirmando o respeito e preservação ao meio ambiente, e cuidados com a saúde. 

Mas como trocar de faixa nessa grande pista onde se encontra o setor de serviço à alimentação? Como decidir o melhor momento de fazer a manobra? Daí a ideia de ter desenvolvido a metodologia para a certificação Cozinha Saudável-Responsável (CSR). Apostando em muitas experiências resultantes de uma longa jornada, o conceito tinha que ser um denominador comum de bem-estar tanto para o consumidor, como para o empresário e sua equipe. 

A certificação Cozinha Saudável – Responsável é baseada em cinco pilares interdisciplinares: alimento, saúde, ética socioambiental, arte-cultura e, bem-estar da equipe. É uma ferramenta que oferece ao estabelecimento uma forma de gestão e autonomia no que diz respeito à sustentabilidade; ao garantir saudabilidade ao seu cliente, além da responsabilidade ambiental assumida, tornando-a transparente ao seu público. Para o empresário, os resultados estão na economia, como por exemplo, a redução de desperdício e aproveitamento integral de alimentos, ajustes na compra, muito menos lixo, resultando em maior ganho. 

A partir de uma metodologia sistematizada e que contou com a colaboração da empresa francesa de inspeção e certificação Ecocert, a metodologia tornou-se um sistema de certificação em 2014, após um longo processo de desenvolvimento. Com alguns acertos, e feedbacks positivos de algumas cozinhas profissionais, a metodologia CSR devagar foi ganhando espaço. Pode ser adotada por restaurantes de todas as modalidades, cozinhas de hotéis e pousadas, de hospitais, escolas e refeitórios industriais. Incentiva um novo conceito, que naturalmente leva a uma gestão mais coerente, madura e consciente, além de melhor relacionamento interno e externo. 

Mas não é tão simples assim. Para uma implantação de sucesso é necessário que o empresário queira, em primeiro lugar, transformar e educar a sua equipe com este conceito. Em segundo, é imprescindível eleger um responsável para acompanhar o projeto, por exemplo uma nutricionista, um gerente ou um chef de cozinha. Esta pessoa irá acompanhar, tanto a implantação da metodologia, como também de sustentar um novo network de relações; manutenção e multiplicação das ações, até o momento da auditoria, já que se trata de uma certificação anual. Bacana é que, num ciclo de doze meses, o potencial de crescimento se torna inspirador, apontando liderança para a empresa e assim por diante.

Como ter o CSR?
Um estabelecimento, ao desejar obter o selo Cozinha Saudável Responsável (CSR), passa por um processo de auto avaliação dos 28 critérios, que vão desde o abastecimento de alimentos sustentáveis ao descarte, elaboração do cardápio, diminuição de desperdício de alimentos e resíduos na cozinha, à campanha pela diminuição do consumo excessivo de carne, e oferta de dietas especiais, que deverá ser bem comunicada aos clientes. No cardápio, 100% dos ingredientes devem estar livres de químicos, dando lugar aos alimentos sustentáveis, orgânicos, integrais e naturais. Dentro da cozinha, tudo o que se relaciona ao meio ambiente é abordado com soluções viáveis.

Numa dinâmica colaborativa entre as partes, a implantação do programa conta com uma rede de profissionais, desde produtores de alimentos sustentáveis, da agricultura familiar, às empresas de compostagem e/ou de eficiente tecnologia de tratamento de resíduos orgânicos; além de engenheiros e outros especialistas. Criar e manter uma horta é parte do programa, assim como incentivar atividades físicas para todo o time do estabelecimento. O projeto oferece as ferramentas necessárias, para que a implantação seja bem-sucedida. O resto é com a equipe. 

Legal. E o que mais? Bem, estar credenciado em programas com tais valores inspiraram o setor cada vez mais. Colocam a empresa em liderança e admiração aos olhos do consumidor. Por isso, a certificação CSR foi buscar standards elevados sobre alimentação saudável, ética socioambiental; contato com arte e cultura; mantendo este compromisso em comunicação entre cliente e comunidade.

Restaurantes certificados

A certificação CSR foi tomando vida entre 2008 e 2012, enquanto desenvolvia uma nova gestão de alimentação saudável  e desenvolvimento sustentável na rede “Central” de restaurantes em Florianópolis. A metodologia aplicada na rede Central mostrou-se um sucesso muito grande, sendo mais tarde levada a outras cozinhas da cidade. Entre algumas que adotaram a metodologia, duas foram certificadas com o selo CSR: O Lucila Bistrô, em Jurerê e, o Ponto do Pão, no centro da cidade.  

De volta a São Paulo, a certificação foi para o restaurante Badebec, sediado no Hotel Clarion no Itaim, um candidato e parceiro, que iniciou a implantação no segundo semestre de 2017, concluindo em fevereiro de 2018. Com um time fabuloso de colaboradores – externo e interno, os resultados logo se mostraram positivos: aderiram aos alimentos orgânicos e sustentáveis, diminuíram custos na compra, no desperdício de alimentos. Novas receitas foram criadas; bem menos resíduos, que inicialmente gerava aproximadamente 79kg/dia passando para 22kg pós CSR. Significativo? Bastante. Foi também implantado um sistema de compostagem com a Morada da Floresta, depois de algumas tentativas com outras empresas; criou-se hortas, e uma equipe mais unida, mais consciente. Atualmente, também participam de aulas de educação física algumas vezes por semana. 

A certificação tem como objetivo construir e ampliar o conceito de cozinha saudável e responsável. É uma oportunidade de economizar, otimizar, melhorar as relações internas e externas, além de garantir ações que promovem proteção ao meio ambiente, enquanto celebrando saúde, cultura e bem-estar. Transformar requer esforço de verdade, coragem e foco num propósito maior. E isso é muito bom! After all, tenhamos fé na humanidade!

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Ana Rita Cohen começou sua vida profissional em Nova York, onde trabalhou, estudou, e iniciou sua família. Como primeira formação, participou de projetos do meio artístico em SP e NY. Trabalhou na The Asia Society (filiada à Rockfeller Foundation, NY) onde se apaixonou pela arte e beleza do alimento; pela sábia gastronomia da cultura asiática. Decidiu investigar a gastronomia, entrando para a A Peter Kump’s Cooking School – hoje Institute of Culinary Arts -, seguida pela The Natural Gourmet Institute for Food & Health, cuja filosofia e conceito de saúde contribui bastante em seu caminho. Dalí veio a formação em Medicina Chinesa. Mais tarde, de volta ao Brasil, criou a Bread, Food & Goodtime em Florianópolis, com cursos livres. Ao mesmo tempo entrou para mentoria e assessoria em restaurantes. Em 2012 cursou Nutrição a base de plantas no Nutrition Studies Center, com o Dr. Thomas Campbell. Em 2014 participou do curso The Age of Sustainable Development com Jeffrey Sachs, na universidade de Columbia, NY, e saúde pública com a John Hopkins B.School of Public Health, entre outros.

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