Apetite do investidor - capaBrasil tem déficit de hotéis, mas será que teremos mais projetos este ano?

Quem olha os números do pipeline mundial conclui rapidamente que o setor está em crescimento. Dados da LE (Lodging Econometrics) mostram que 2018 fechou com o recorde de 13.573 projetos em andamento pelo mundo. Foi o oitavo ano consecutivo de elevação no indicador, com alta em todas as regiões, à exceção da América do Sul. Ou seja, a hotelaria se expande, mas parece passar bem longe do continente sul-americano. Instabilidade política e econômica, gargalos de infraestrutura, acesso limitado a crédito… o que explica o pouco interesse? Como está o apetite dos investidores pelo Brasil?

Para responder essas perguntas, a reportagem do Hotelier News conversou com nomes de peso do setor. Abel Castro e Rafael Guaspari, por exemplo, comandam a expansão das redes hoteleiras que mais cresecem no país, estando diariamente frente à frente com os investidores. Caio Calfat lidera os debates sobre assuntos turísticos e imobiliários no Secovi-SP, além de ser um consultor referência no mercado. Já Felipe Cavalcante, além de hoteleiro, preside uma associação que promove, por meio de eventos e outros canais de comunicação, amplos debates sobre o tema.

Antes de partir para as avalições dos especialistas, é importante citar outro conjunto de dados relevantes. Pois é aquilo: só se pode falar em crescimento de pipeline se há recursos para isso. Divulgado em fevereiro, o Hotel Investment Outlook talvez seja a principal referência mundial sobre o assunto. Produzido pela JLL Hotels & Hospitality, o relatório projeta um volume global de investimento em hotéis na casa de US$ 67,2 bilhões em 2019.

O montante é praticamente igual – mas um pouco menor – ao total investido no setor ao longo de 2018. De acordo com a consultoria, o volume de recursos aportado na hotelaria mundial no ano passado somou US$ 67,7 bilhões. O relatório aponta ainda duas questões relevantes para se analisar o que ocorre no Brasil:

Captação continua forte: fundos privados levantaram US$ 28,8 bilhões globalmente em diferentes veículos para investir em projetos hoteleiros 2018.

Multi-investidores: nos últimos cinco anos, 70% dos projetos foram financiados por investidores generalistas, que investem em múltiplos ativos.

 

Apetite do investidor no Brasil

Chama atenção no estudo da JLL Hotels & Hospitality a pouca (ou quase nenhuma) menção ao mercado sul-americano. Embora o relatório aborde investimentos, há um claro alinhamento disso com a desaceleração do pipeline da região. O que leva a esse desinteresse? Presidente da Adit Brasil (Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil), Felipe Cavalcante acredita que o Brasil tem uma realidade muito peculiar.

“Diferentemente dos mercados mais maduros, não temos aqui fundos de investimento e investidores especializados, que conhecem como funciona o modelo de negócios da hotelaria”, explica. “Não há essa cultura no Brasil, que desenvolveu o parque hoteleiro a partir de projetos do setor imobiliário, de investidores individuais, especialmente no interior do país, e por meio de condo-hotéis”, completa.

Apetite do investidor Caio Calfat_SecoviCalfat: projetos de condo-hotéis estão sendo desengavetados no país

De fato, os condo-hotéis – que recentemente foram regulamentados pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) – sempre foram um dos veículos mais populares. Há alguns anos, contudo, foram deixados de lado por conta da insegurança jurídica após a “intromissão” (correta para o investidor, por sinal) da CVM. Ainda assim, há muitos projetos espalhados pelo país. “Em São Paulo, por exemplo, dos 42 mil apartamentos disponíveis na cidade, uns 30 mil são condo-hotéis ou flats. É o jeito brasileiro de fazer hotelaria", comenta Caio Calfat, vice-presidente de Assuntos Turísticos e Imobiliários do Secovi-SP. “Esse número só ressalta o difícil acesso a financiamento que o mercado hoteleiro tem”, acrescenta Cavalcante.

Há especialistas que acreditam que o popular veículo pode cair em desuso, mesmo com a maior segurança trazida pela regulamentação. A avaliação é que, em função das obrigações estipuladas na norma, o custo dos lançamentos subiria, inviabilizando alguns projetos. Abel Castro, vice-presidente de Desenvolvimento & Relação com Investidores América do Sul da Accor, discorda um pouco da análise, mas prefere aguardar para saber o que acontecerá. “Ainda é uma incógnita. Do ponto de vista hoteleiro, a regulação foi justa. Muita gente, contudo, imagina que vai acabar, mas com hotéis rendendo, na média, 12% ao ano para o investidor, e com a perspectiva de melhora na performance da hotelaria, tenho minhas dúvidas”, avalia.

Perspectivas 2019

De fato, todos os entrevistados estão bastante otimistas com o Brasil. Outro ponto convergente de opinião é que, embora seja um fator importante, o acesso ao funding é um problema contornável. “Na realidade, nunca se deixou de fazer hotéis no Brasil por conta disso. No passado, com as altas taxas de juros, o custo do dinheiro era muito mais alto”, avalia Rafael Guaspari, diretor de Desenvolvimento da Nobile Hotéis. “Quando o mercado melhorar de fato, os investimentos serão retomados com toda certeza”, completa.

Castro faz coro às palavras de Guaspari em relação à taxa de juros. “Problema de financiamento sempre houve, o que muda agora é nova realidade dos juros, que nem nos acostumamos ainda. Hoje, com a Selic em 6,5%, o setor pode se aproveitar. Com a melhora do ambiente de negócios, isso será um grande incentivador para o mercado”, pondera. “O desenvolvimento hoteleiro dá retorno médio de 12% ao ano, o dobro da taxa de juros atual. Antes, dava essa mesma rentabilidade, mas os juros estavam acima de 14%. E, veja bem, o mercado continuou a expandir”, afirma.

Apetite do investidor - Abel Castro_AccorCastro: novos players no mercado aumentam liquidez dos ativos hoteleiros

Já Calfat observa que, mesmo praças concorridas como São Paulo e Rio de Janeiro, podem se beneficiar da melhora no ambiente de negócio – e com condo-hotéis. “A nova regulação traz mais segurança, afasta aventureiros. A tendência é de crescimento, com mais lançamentos”, avalia o consultor, que cita como exemplo o mercado paulista.

“São Paulo não tem novos projetos de condo-hotéis desde 2002-2003, insuficiente para atender à demanda, muito embora a cidade tenha saído de uma super oferta originada justamente dessa mesma época. Ela demorou a ser absorvida, mas isso foi totalmente contornado por volta de 2010. O mercado paulista precisa de novos hotéis”, diz Calfat. “Projetos engavetados foram desengavetados, principalmente para estudos de viabilidade. Tenho recebido muitos pedidos para revisão desses relatórios, que têm validade de um ano”, comenta.

Outro fator de otimismo, e que vem de carona na esperada retomada da economia, é a entrada de novos players do mercado. “Uma novidade é que esses atores estão comprando hotéis. No passado, a liquidez de um ativo hoteleiro era muito limitada. Estamos caminhando para outra realidade”, comenta Castro.

Ele cita a movimentação no mercado da gigante Blackstone, que comprou o Hilton Rio de Janeiro Copacabana. “Há ainda a XP Investimentos, que montou um fundo exclusivo para hotéis. O fundo já tem quase R$ 500 milhões em recursos. Nosso parceiro HSI (Hemisfério Sul Investimentos) também tem mostrado apetite. Ou seja, a entrada desses atores vai estimular mais investidores a tomar risco de construir hotéis, pois há mais liquidez”, avalia.

Já Cavalcante faz uma aposta nos projetos de multipropriedades, que vem atraindo investidores pessoa física. Também alvo de regulamentação, o produto é destinado para a hotelaria de lazer e vem ganhando o país, especialmente em cidades como Olímpia (SP) e Gramado (RS). “É o grande carro-chefe para desenvolvimento hoteleiro no país. Entendo que haverá menos riscos de sobreoferta, porque o produto é vendido para pessoas físicas que, em grande parte, querem utilizar o imóvel. É bem diferente do condo-hotel, no qual as pessoas compravam para investimento”, avalia.

Apesar do potencial do produto e da expansão atual, Guaspari alerta sobre sua utilização. “Temos que amadurecer mais o mercado. Se houver oferta descontrolada, é preciso cessar os lançamentos. Temos que olhar para trás e aprender com os erros, que estão aí”, diz o executivo da Nobile, destacando o boom de flats em São Paulo e a situação atual do Rio de Janeiro. “O investidor é soberano. As empresas devem apostar sempre na transparência”, finaliza.

(*) Crédito da capa: cocoparisienne/Pixabay

(**) Crédito da foto: Divulgação/Accor

(***) Crédito das fotos: Vinicius Medeiros/Hotelier News