Comunicação é a chave para qualquer relação, seja ela pessoal ou profissional. Em tempos de escassez de mão de obra, cultivar um diálogo aberto entre equipes e lideranças pode ser a âncora para reter talentos e promover um ambiente de trabalho saudável. Na cultura empresarial, manter uma rotina constante de feedback é um caminho para a autorreflexão de gestores e colaboradores, mas como dar devolutivas genuinamente construtivas?

Primeiro, é preciso desmistificar a ideia de que o feedback é uma via de mão única. No cenário corporativo do século XXI, críticas e elogios podem (e devem) partir tanto de funcionários quanto de líderes. Além do sentimento de pertencimento, a prática reforça a construção de uma relação mais horizontal, ainda que existam hierarquias.

Consultor de carreira da QI Profissional, Márcio Moraes salienta que a cultura do feedback é de extrema importância na cultura organizacional das empresas, pois promove a autorreflexão de ambas as partes, identifica pontos de melhorias e destaca metas e objetivos de determinada companhia.

“É uma prática que fortalece o relacionamento entre os profissionais e impulsiona o desenvolvimento dos colaboradores. As empresas têm que considerar a fidelização do cliente interno”, diz Moraes, que acrescenta que apontar características positivas e negativas é parte do investimento na carreira das equipes.

CEO da HotelConsult, Lucila Quintino corrobora com a fala de Moraes ao ressaltar a importância das devolutivas como um ponto forte na comunicação empresarial. “Tem que vir de ambas as partes, sempre com muito respeito. Os colaboradores, muitas vezes, têm receio de dar o feedback aos seus gestores pela aceitação. O estilo da liderança é fundamental para que essa prática seja uma via de mão dupla”.

Márcio Moraes

Moraes destaca a autorreflexão dos profissionais

A constância ideal existe?

Existe uma constância ideal para o feedback? Bem, cada empresa possui sua própria metodologia. Algumas realizam reuniões mensais, bimestrais, semestrais, e por aí vai. Outras atuam de forma mais estruturada, com devolutivas baseadas em dados, estudos e índices de desempenho. Todavia, a troca informal é a mais adotada no mercado.

“O contato no dia a dia, quando o profissional expressa questões importantes, sem esperar reuniões e processos é valioso, desde que seja de forma construtiva. Por exemplo, um gestor resolve um problema e dá uma dica de como seu colaborador pode fazê-lo caso aconteça novamente no futuro. São ajustes”, avalia Moraes.

Lucila acredita que a constância varia, pois depende do perfil da liderança. Um gestor que está no dia a dia da operação pode dar um feedback no ato de um problema, mas é preciso saber a hora certa. “Não expor a pessoa é fundamental, de preferência em particular. Um bom líder dá feedbacks constantes conforme a demanda e não demora para fazer as devolutivas, pois o fio da meada pode se perder e o colaborador nem sabe mais o que fez de errado”.

Trabalhar com evidências e cenários reais pode facilitar o entendimento do ocorrido. Por outro lado, muitas companhias atuam com reuniões de devolutivas gerais, com avaliações de desempenho que não inclui apenas a performance quantitativa, mas também comportamental.

Liderança aberta e democrática

Na HotelConsult, é comum a orientação de como gestores podem dar um feedback mais construtivo para seus times. “O primeiro passo é entender que a devolutiva não é uma crítica, mas sim para que a pessoa cresça profissionalmente. Reforçar pontos positivos de quem está recebendo o feedback também é importante”, diz Lucila, que acrescenta que trazer as características fortes abre a possibilidade de uma escuta mais aberta.

Deixar claro que não se trata de uma opinião pessoal é um dos pilares destacados pela consultoria, assim como a objetividade da devolutiva. “Ter empatia e respeito por quem está recebendo evita que o feedback seja mal recebido e ocorra uma reação indesejada”, complementa a executiva.

Moraes afirma que, mesmo com composições hierárquicas, a responsabilidade da entrega é compartilhada por todos. Do lado dos gestores, ouvir a base é importante, visto que são profissionais que estão mais próximos da estrutura operacional. “O líder tem que entender que sua gestão impacta na outra ponta. Dar condições para o time compartilhar sua visão é uma forma de demonstrar transparência”.

Mostrar os pontos positivos e cultivar devolutivas é uma medida para reter talentos. Afinal, um profissional que sente que faz a diferença é mais engajado no dia a dia de trabalho. “Muitos colaboradores descobrem que são bons profissionais apenas quando pedem demissão, pois nunca tiveram um feedback”, diz Moraes.

As devolutivas do colaborador para sua liderança são mais raras, porém igualmente relevantes. Para Lucila, a prática vem sendo adotada em empresas mais modernas e que se preocupam com a cultura organizacional. “Só vejo vantagens, pois acaba tornando o ambiente de trabalho mais aberto. Tudo depende do líder, pois um chefe autoritário não abre esse tipo de espaço. É uma relação ganha-ganha”.

Para que a devolutiva de mão dupla aconteça, o funcionário precisa estar seguro para se expressar. Outra via é adotar o feedback anônimo para evitar possíveis represálias por parte dos gestores. “A empresa que permite essa prática deixa a equipe motivada e traz mudanças positivas”, salienta a executiva.

Ana Paula André

Ana Paula detalha ações da HotelCare

Os impactos do feedback

Em fase de reestruturação de seu RH (Recursos Humanos), a HotelCare vem colocando sua atenção na gestão de pessoas. Um exemplo é a contratação de Ana Paula André como gerente do departamento. De acordo com a profissional, a operadora hoteleira adotou a cultura de devolutivas constantes e estruturadas.

“A importância do processo é o aculturamento. Se a empresa não tem essa cultura instalada, acaba prejudicando o procedimento. Nosso primeiro passo foi trazer essa conscientização para as lideranças e tratamos do assunto desde a contratação”, conta Ana Paula.

Na HotelCare, o feedback constante vem do engajamento de líderes e liderados. Muitas vezes, as devolutivas são até diárias, o que facilita a comunicação. “O setor hoteleiro está atuando com novas gerações, com outro perfil de profissional. A inovação tem contribuído muito com as avaliações de desempenho e planos individuais de desenvolvimento”, ressalta a gerente de RH.

Com incentivos constantes para as devolutivas, a HotelCare orienta as partes sobre o melhor momento para o feedback, que acontece de ambas as partes. “O colaborador faz uma autoavaliação, enquanto o líder também compartilha sua devolutiva. É um sistema consensual para entender o melhor caminho para ajustes”, explica Ana Paula.

A gerente ainda ressalta que de nada adianta dar devolutivas sem treinar e desenvolver pessoas para este momento. A operadora promove conscientização e treinamentos específicos para o feedback. “Tanto líder quanto liderado recebem essa conscientização de estar aberto, ser humilde e ter uma escuta ativa. Nossa cultura de desenvolvimento coloca muita energia nisso. Nossa gestão é participativa e acreditamos no exemplo como o caminho mais assertivo”.

No Hotel Unique, o feedback é trabalhado em cursos e encontros de equipe e liderança. Marcia Vasconcellos, consultora de Desenvolvimento do empreendimento, acredita que o mundo corporativo caminha para relações mais maduras. “É fácil? Não, mas já percebo que, mesmo após uma conversa madura e difícil, não existe represália e sim crescimento. O Unique vem investindo muito em treinamento, tanto de quem já é líder quanto de quem quer se preparar para ser um dia”.

E o impacto tem se mostrado positivo na HotelCare. Além do engajamento, o clima organizacional mudou para melhor. “Conseguimos construir um ambiente feliz e de colaboração. Também observamos uma queda no turnover”, revela a gerente.

“É muito satisfatório ver que as pessoas estão disponíveis para serem profissionais e pessoas melhores. Tenho orgulho de poder fazer parte deste grupo e ver as pessoas conquistando seus espaços . Queremos e estamos dando mais oportunidades para que os colaboradores percebam que podem mais”, finaliza Marcia.

(*) Crédito da capa: Unsplash

(**) Crédito das fotos: Divulgação