Entre abril e maio, o Rio Grande do Sul foi duramente castigado por fortes chuvas e enchentes, resultando em severos impactos econômicos e sociais. Diversos setores que registraram perdas e prejuízos agora se unem com o objetivo de reverter a situação. Na hotelaria gaúcha, empresas e entidades têm realizado ações conjuntas visando fomentar uma retomada rápida e efetiva do turismo.

Em junho, a ocupação hoteleira foi de 35,19%, queda de impressionantes 42% frente ao mesmo período do ano passado, segundo dados da ABIH-RS (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Rio Grande do Sul). Já a diária média teve recuo de 15,5% na mesma base comparativa. De acordo com a entidade, o resultado foi consequência das limitações de acesso à capital Porto Alegre, principalmente em função da paralisação das operações do Aeroporto Salgado Filho.

“A enchente inundou 37 hotéis da cidade em maio. Ainda teremos tempos difíceis para a hotelaria sem o Aeroporto Salgado Filho. Eventos importantes, como Expointer, Expo Abav, Salão de Turismo, Maratona Internacional de POA e a 25ª Construsul serão retomados aos poucos, e apesar de não apresentarem o mesmo desempenho dos anos anteriores, deverão minorar um pouco as difíceis condições atuais de ocupação e faturamento”, destaca José Reinaldo Ritter, presidente da ABIH-RS.

“Como sempre, o setor de turismo é o mais afetado por este tipo de limitação de acesso a uma cidade, mas é preciso que as autoridades do governo federal se atentem a esse fato, pois os auxílios e recursos financeiros indispensáveis para a manutenção das empresas e seus postos de trabalho não estão sendo disponibilizados”, complementa o gestor da entidade.

Performance da hotelaria

Em entrevista ao Hotelier News, Gabriela Schwan, CEO da Swan Hotéis, afirma que os números da rede alteram mês a mês. Em maio, a companhia superou a meta para Porto Alegre, pois a unidade da capital era uma das únicas a ter água. “Os próprios moradores que estavam sem água vinham se refugiar. Em novo Hamburgo, o cenário foi muito parecido”.

“Em um primeiro momento, a praça de Caxias teve queda de 30% na ocupação, e na Serra Gaúcha o recuo também foi grande, de 60%. A nossa expectativa é de que a Caxias volte à normalidade em breve, pois foi a grande porta de entrada do estado até abrirem os voos na base aérea de Canoas”, complementa a executiva.

Gabriela destaca também que há forte expectativa para os próximos dias com relação à viabilidade das operações dos aeroportos de Canela e Torres. “Dia 15 de julho chegam os laudos da pista do Aeroporto Salgado Filho. Será um divisor de águas se teremos ou não 1,5 mil metros de pista para voltar a operar ao menos os voos nacionais. A recuperação será longa e mais complexa do que a pandemia, visto que naquele período estávamos lidando com uma crise global. Agora, ela é isolada. O mais razoável seria a adoção de medidas como as que foram tomadas na época da Covid-19, como desburocratização de acesso a crédito, entre outras”, ressalta a CEO da Swan Hotéis.

Lísia Diehl, diretora de Vendas e Marketing da Gramado Parks, também conversou com a reportagem do Hotelier News sobre o cenário atual da hotelaria gaúcha e do desempenho da empresa. “Tivemos um trimestre desafiador. O mercado regional do turismo foi bem impactado pela falta de aéreo e ainda está. Em maio, o desempenho foi de apenas 20% do ano anterior, e em junho tivemos uma retomada de 30% do mesmo período”, explica.

A executiva pontua que, neste mês, há a expectativa de que a performance chegue a 50% de 2020, considerando o período de férias escolares. Segundo Lísia, a rede está vivendo, basicamente, do público regional do Sul. Uma das estratégias que estão sendo desenvolvidas é trabalhar com turistas de países como Paraguai e Uruguai, que podem acessar o estado via terrestre, por mais que a contribuição desse público no share geral seja menor. “A ideia é compensar a falta do aéreo”, endossa.

Segundo Lísia, a expectativa é positiva, mas a retomada do aéreo ainda será determinante para consolidar essa retomada. “É uma demanda que impacta fortemente na venda dos pacotes e na produção hoteleira”.

Hotelaria gaúcha - Rafael_Peccin

“O cenário é desafiador”, diz Peccin

Na Casa Hotéis, o cenário é similar, com a retomada acontecendo, mesmo que a passos lentos, segundo Rafael Peccin, diretor de Marketing da companhia. “No final de junho, tivemos 85% de ocupação aos fins de semana. O que contribuiu para este movimento foi, sem dúvida, o frio, que animou o turista para visitar a Serra Gaúcha como um destino acolhedor de inverno. Foi o primeiro fim de semana em que tivemos uma ocupação expressiva desde as enchentes”.

Segundo ele, a expectativa é de um julho desafiador frente à questão dos acessos via aeroportos, visto que a maior parte do fluxo turístico chega ao Rio Grande do Sul de avião. “Teremos uma alta temporada em julho com menos movimento do que o normal, mas ainda assim em uma perspectiva de retomada”.

Marcelo Marinho, diretor da ICH Administração de Hotéis, explica que a retomada é um processo que leva tempo. “O povo gaúcho é muito guerreiro. A economia voltou, mas a do turismo não. Temos um aeroporto fechado, e isso traz muitos impactos. As pessoas precisam entender que a hotelaria gaúcha está pronta para recebê-las novamente, mas isso só acontece se mostrarmos nossos atrativos e nós, enquanto setor, temos um papel muito importante de contar essa história. O Brasil enviou muita ajuda para o nosso estado, e agora é hora de ele vir e ver pessoalmente as coisas voltando à normalidade. Neste ano, o Natal Luz, de Gramado, vai voltar a ser nas ruas, e isso já é um ponto muito positivo, pois é uma festa que atrai muitos turistas”.

Nos hotéis da companhia, segundo o executivo, a ocupação ainda está baixa, mas com uma melhora considerável em mercados como Canoas, Gravataí e Caxias. “A hotelaria e o turismo têm efeito multiplicador, gera empregos, renda e receita. O investimento desses setores é pulverizado, e muitos segmentos dependem dessas atividades. Hoje, o turismo representa 6% do PIB (Produto Interno Bruto) gaúcho. No Brasil, é de quase 10%. Gramado é o destino mais visitado do Brasil depois do Rio de Janeiro. Precisamos mostrar isso de forma positiva”, continua Marinho.

Reaberturas

Passadas as chuvas, a hotelaria gaúcha segue trabalhando em seu processo gradual de retomada, com diversos empreendimento retornando às atividades. A Atrio Hotel Management, por exemplo, fez um balanço da operação no estado que, historicamente, representa 20% dos negócios da companhia. Responsável pela gestão de 12 hotéis no Rio Grande do Sul, cinco deles afetados pelas cheias, a empresa confirmou a reabetrura de 10 unidades e a finalização do planejamento para o retorno das duas que seguem fechadas e em fase final de avaliações, aponta o Portal Hoje Em Dia.

“Nós não vamos abrir mão da segurança em nossas operações. Isso significa que passada a fase do retorno para as unidades, após a água baixar, entramos na fase de avaliação das perdas, limpeza e planejamento da recuperação e reabertura. Um dos principais desafios foi o acesso aos hotéis e também à própria cidade”, disse Alejandro Lemos, gerente sênior de Operações da Atrio para a região Sul ao site.

Embora atuando com taxas de ocupação mais baixas do que a média regular, Lemos destacou que a reabertura dos empreendimentos é fundamental para contribuir com a recuperação da hotelaria gaúcha. “O setor é essencial nessa retomada. E o povo gaúcho, reconhecido pelo seu espírito de luta, demonstrou claramente isto, se unindo para que as coisas voltem à normalidade o mais breve possível”.

A empresa prevê que os outros dois empreendimentos, ibis Porto Alegre Assis Brasil e ibis Porto Alegre Aeroporto, devam retomar suas atividades na primeira quinzena de julho. “A reabertura do aeroporto Salgado Filho é parte fundamental da recuperação do estado de forma ampla e completa, considerando, além das taxas de ocupação hoteleira e da pujante indústria do turismo, todos os demais setores que integram a economia, cultura, saúde, educação e sociedade, de modo geral”, disse Lemos.

O Deville porto Alegre também está planejando sua reabertura. A reconstrução de unidade é vista como prioridade para a empresa, com investimento estimado de R$ 7 milhões na recuperação de equipamentos, consertos, obras de reparação e novas áreas sociais. A meta é deixar o hotel 100% funcional o mais breve possível, garantindo não apenas a volta ao trabalho dos colaboradores, mas também proporcionando um ambiente renovado e seguro para todos.

“Estamos unidos e determinados a colocar a operação do Deville Prime Porto Alegre funcionando o mais breve possível, com previsão de reabertura em setembro. A segurança e o bem-estar dos nossos colaboradores são nossa prioridade máxima, e estamos tomando todas as medidas possíveis para apoiá-los neste momento desafiador”, afirma Jayme Canet Neto, CEO da Rede Deville.

Iniciativas

Várias ações estão sendo desenvolvidas por representantes da hotelaria gaúcha, a fim de recuperar o fôlego do setor. Gabriela é vice-presidente do Transforma RS, um hub que trabalha a competitividade do estado. “Assumi essa responsabilidade pouco antes da pandemia e, desde então, estou à frente do turismo gaúcho. Atuamos durante a crise sanitária, e agora estamos realizando ações novamente para reverter as consequências dessa enchente. Também estamos trabalhando no comitê de crise do setor, a fim de aplacar esses impactos”.

Hotelaria Gaúcha - Gabriela_Schwan

Gabriela comenta sobre iniciativas da rede

“A rede Swan fez tarifa solidária e disponibilizou 10% do inventário para receber equipes que vinham ajudar o estado. Hoje, estou como conselheira do FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil), e foi mobilizada uma campanha para os funcionários dos hotéis atingidos”, conta a CEO.

“Estamos ainda com uma campanha solidária para compra de colchões. Ajudamos as pessoas diretamente atingidas. Criamos também o Instituto RSNasce, uma entidade com data de início a partir de agora e encerramento em 2027, tempo que acreditamos que a economia de turismo e eventos levará para se reconstruir de uma maneira criativa e estratégica. Agora o estado também criou a câmara temática do turismo para essa reconstrução”, continua Gabriela.

Já na Gramado Parks, a estratégia é a participação em um roadshow para divulgar os atrativos do estado. “Participam desse evento diversos grupos hoteleiros e de bares do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Nas próximas edições, iremos trabalhar com donos de agências de diferentes cidades, além de promoções. A gastronomia da Gramado Parks é conhecida por ser diferenciada, então estamos tentando incluir isso no nosso pacote de atrações, visando diversificar o funil de vendas”, revela Lísia.

A Intercity, por sua vez, também está envolvida nas ações promovidas pelo Instituto RSNasce. “Além disso, criamos um fundo que foi 100% distribuído em forma de Pix para os colaboradores, e o valor depende da gravidade das perdas. Também atuamos muito com voluntariado, em parceria com a ONG Acendendo Mentes, que faz um trabalho incrível para seus apoiados. Por fim, também estamos com essa campanha de mostrar o Rio Grande do Sul, convidar o turista de volta ao nosso estado. É importante mudarmos a narrativa, contar o lado bom da história”, compartilha Marinho.

A Casa Hotéis, também integrante do RSNasce, está participando de núcleos e grupos para acelerar a retomada da hotelaria gaúcha. “Esses grupos são muito focados na questão da infraestrutura, e estamos tentando fazer com que os órgãos, tanto estaduais, quanto federais, acelerem o máximo possível a liberação não só de recursos, mas para quebrar a burocracia existente para que a gente consiga ter mais um aeroporto atendendo a Serra Gaúcha”, aponta Peccin.

“Também estamos pedindo o aumento da malha aérea em Caxias, e estudando para transformar o terminal de Canela em um aeroporto que opera voos comerciais com frequência. Além disso, a hotelaria gaúcha está cobrando por uma organização melhor nos acessos rodoviários, já que ainda existem algumas estradas com bloqueios parciais. Foi um impacto bastante grande, mas o setor está se recuperando”, finaliza o diretor da Casa Hotéis.

(*) Crédito da capa: Divulgação/Casa Hotéis 

(**) Crédito das fotos: Arquivo Pessoal