Diária média x inflação: a hora de equilibrar a balança
19 de outubro de 2021A ressaca de grandes crises financeiras costuma ser longa, com a estabilidade econômica vindo após muito Doril, planejamento, corte de curtos e, claro, paciência. Com o setor turístico altamente afetado por uma pandemia ainda em curso, o mercado sente dificuldades em repor prejuízos. Entre os múltiplos empecilhos que barram a recuperação da hotelaria, equilibrar a diária média com a inflação é uma das prioridades dos gestores no atual momento.
De acordo com levantamento da FGV (Fundação Getulio Vargas), com base no relatório do FMI (Fundo Monetário Internacional), o Brasil deve fechar o ano com uma inflação maior do que 83% dos países do globo. Com a disparada dos preços, economistas apontam que a desvalorização do real frente ao dólar e incertezas fiscais são as principais razões do cenário.
No início desta semana, o BC (Banco Central) divulgou que IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), considerada a inflação oficial do país, subiu de 8,59% para 8,69% (acima do teto), sendo esta a 28ª elevação consecutiva da projeção. Para 2022, a estimativa ficou em 4,18%.
Somando-se tudo isso a uma crise hídrica (que elevou as bandeiras tarifárias de energia elétrica), uma população economicamente defasada e uma crise sanitária, é compreensível que o setor hoteleiro ainda tenha ressalvas para aumentar diárias, ainda que esta seja a atitude mais certa a tomar.
Diária média: recuperação em foco
Para Orlando Souza, presidente do FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil), que fará amanhã (20) um evento online focado na recuperação de diárias médias, o momento pede comprometimento e coragem por parte dos hoteleiros para impulsionar uma recuperação mais consistente.
“Este ano foi de salvação dos negócios desde o primeiro trimestre. Agora, começa de fato a retomada. Os números mostram a seta virada para cima em termos de demanda e ocupação, logo, é a hora de começar a pensar na recuperação das diárias. Não adianta ter 100% de ocupação com todos os hóspedes de cortesia”, pontua Souza.
Com a vacinação ganhando tração e o número de casos de Covid-19 em queda, o presidente executivo do FOHB acrescenta que a demanda apresenta maior robustez, sem grandes oscilações como o observado em fases anteriores da crise sanitária. O executivo destaca ainda que, para elevar os preços, os hotéis não podem esperar estabilidade das ocupações.
“Essa retomada é consistente e não oscilante. Cada empreendimento precisa saber qual seu mix de vendas e trabalhar dentro do seu segmento. Como há defasagem, até em função da pressão da inflação, é preciso elevar a diária média, mesmo que isso represente uma pequena queda nas vendas. É na tarifa que se recupera a performance do futuro. Se continuarmos a jogar para baixo, não vamos virar a chave em 2022”, salienta Souza.
Agora, diante de tudo isso, o pior cenário possível para o mercado hoteleiro seria uma possível guerra tarifária. “Diária média só aumenta se houver base de demanda. Mercados com menos de 60% de ocupação não conseguem repor a inflação, a não ser que haja um consenso entre todos os hotéis da praça”, diz um conhecido consultor hoteleiro ouvido pelo Hotelier News. Ele lembra ainda que, em várias praças secundárias e terciárias no país, hotéis voltaram a não trabalhar com tarifas flutuantes. “São as famigeradas diárias fixas de dia de semana e de final de semana. Ao fazer isso, como justificar elevação de preço aos consumidores?”, complementa.
Previsões de alta
Segundo Ricardo Souza, gerente de Novos Negócios da OTA Insight, em linhas gerais, o mercado hoteleiro não tem apresentado a capacidade de repassar a inflação ao consumidor final em termos de preços, muito pelo medo de perder conversões de vendas. “Em praças centrais, como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre, temos visto uma estagnação dessa variação desde julho. Os preços variam dentro da casa do 1%, sempre pequenas e pontuais, como finais de semana e feriados.”
O executivo da OTA Insight ainda explica que a maioria do mercado vem praticando os mesmos preços há cerca de dois meses. Para o futuro, a previsão é manter subidas pontuais, como para o período da F1 em São Paulo, por exemplo. “A capital paulista deve subir de preços em 9%, enquanto o Rio deve elevar as tarifas em 10% para o fim do ano. Isso quer dizer que o movimento para o aumento de preços em 2022 ainda não começou com diárias que reflitam a inflação”, explica.
Nos próximos 90 dias, período que configura a alta temporada de verão, praças pontuais como o Rio, que prevê alta de 7% no feriado de 15 de novembro, são um caso à parte. Em linhas gerais, a alta esperada é de 0,96%, na média.
“Esse movimento será tardio. Muitos empreendimentos estão focados em estratégias de fim de ano em mercados voltados ao verão e ao lazer. A percepção que temos é que a retomada será gradual após o Carnaval nas praças principais. É difícil pensar em um aumento de tarifa em mercados do Centro-Oeste e Campinas, por exemplo. Não adianta olhar apenas para janeiro e fevereiro, mas para o primeiro semestre inteiro”, recomenda Souza.
Passado o Carnaval, a hotelaria deve analisar a demanda de segmentos ainda estagnados, como eventos, corporativo e internacional. “Caso isso aconteça, os hotéis terão uma justificativa para absorver esse aumento de preço, mas ainda com cautela, na casa dos 7%”, complementa o executivo da OTA Insight.
De olho no budget
Visando iniciar o ano que vem de maneira equilibrada, o presidente do FOHB destaca que é preciso preparar o budget de 2022 mirando em performance. “Dados de macroeconomia mostram que, se isso não for feito, começar 2022 com diárias baixas será mau negócio. Elevá-las depois será mais complicado”, avalia. “Inflação, taxas de juros, custos de energia e alimentação em viés de alta, além da crise hídrica… Se colocarmos tudo na ponta do lápis, entendemos que é preciso elevar as tarifas para encarar as dificuldades que virão.”
Encontrar o ponto de equilíbrio do valor mínimo para se obter lucro com as hospedagens é o primeiro passo para balancear as contas. “É saber que abaixo daquele número a reserva não pode ser vendida, pois o hotel não estará comercializando diárias, mas pagando para o hóspede estar ali. O foco é rentabilizar o empreendimento, analisando custos, fazendo projeções e criar o valor”, complementa Souza.
Para fazer projeções assertivas, o trabalho de RM (Revenue Manegement) se mostra ainda mais relevante do que nunca neste momento de retomada. No caso do segmento de lazer, é possível fazer previsões mais certeiras, o que não se aplica a outros públicos, como corporativo e eventos.
“RM só funciona com demanda ou previsibilidade, o que praças de perfil corporativo não têm ainda no momento. A pandemia reduziu a demanda corporativa e de eventos. Logo, praças estratégicas como São Paulo perderam uma base importante de hóspedes. Já destinos de lazer tiveram aumento expressivo de procura, acompanhado por aumento de tarifas bem acima da inflação. Bons cases são o Le Canton e o Palácio Tangará”, pontua André Matielo, diretor da Feasi Hospitality.
Ainda assim, em um mercado pulverizado como a hotelaria, é difícil generalizar soluções. Leo Melro, do YHM Group, afirma que rever estratégias comerciais e analisar dados históricos devem nortear as decisões dos gestores – mas deixando de lado a base de comparação com 2020.
“Cada hotel é um caso único. O hoteleiro precisa se fazer mais perguntas, principalmente relacionadas a custos, como gastos com energia elétrica e distribuição. Só após olhar para todos esses fatores é possível repensar a estratégia comercial. Neste sentido, conhecer o mix de clientes é fundamental. Sabendo isso, podemos revisitar as políticas comerciais e iniciar uma caminhada para repor os prejuízos”, destaca Melro.
(*) Crédito da capa: reprodução/Seu Dinheiro
(**) Crédito das fotos: Divulgação