turismo LGBTBolsonaro: "Não pode ficar conhecido como o paraíso do mundo gay aqui dentro"

No dia 25 de abril, o presidente Jair Bolsonaro, soltou mais uma das suas frases polêmicas. Até aí, nenhuma novidade. O problema é que, dessa vez, a afirmação pode afetar o turismo nacional. Em café da manhã com jornalistas, Bolsonaro disse que “O Brasil não pode ser um país do mundo gay, de turismo gay”. Não satisfeito, complementou: “Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay aqui dentro”, acrescentou.

A fala foi encarada como desastrosa tanto por alguns players do trade, como pela comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros). A avaliação é que, preconceitos à parte, a declaração pode gerar perdas significativas para o turismo brasileiro, uma vez que potencialmente afasta o turista LGBT. Essa relação é até simples de fazer.
   
Divulgado na WTM-London (World Travel Market), no final do ano passado, estudo aponta que os gastos de turistas da comunidade LGBT no mundo somam impressionantes US$ 218 bilhões anuais. Organizado pela Out Now, o levantamento mostra que, só no Brasil, o montante chegou a US$ 26,8 bilhões. O valor coloca o Brasil como segundo na lista, atrás apenas dos EUA, com US$ 63,1 bilhões.

Ao se posicionar contra o turismo LGBT, portanto, Bolsonaro pode afastar uma fonte de receita bastante relevante para o turismo nacional. Ou seja, agências de viagens, hotéis, pousadas, hostels, restaurantes, bares e boates, entre outros estabelecimentos usualmente “consumidos” pela comunidade LGBT em suas viagens, poderiam perder um considerável volume de recursos.

Turismo LGBT: relevância

Em 2010, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estimou que a população homossexual no Brasil estava em torno de 20 milhões de pessoas. Mais do que antigo, o número é também subavaliado, uma vez que nem todos os entrevistados se assumem homossexuais. 

Já pesquisa da Out Leadership aponta que o público LGBT tem potencialmente US$ 3 trilhões para gastar ao ano. Publicada em 2015 pela associação internacional de empresas que desenvolve iniciativas para essa comunidade, o levantamento ressalta que essa quantia equivalia, na época, ao PIB (Produto Interno Bruto) da França. No Brasil, o potencial financeiro do segmento era estimado em US$ 133 bilhões.

Atualmente, o turismo LGBT é um dos segmentos que apresenta maior potencial para o mercado de turismo no Brasil. Segundo levantamento de 2017 da Abrat-GLS (Associação Brasileira de Turismo para Gays, Lésbicas e Simpatizantes), o turismo gay movimenta cerca de R$ 150 bilhões por ano no país. Ainda de acordo com a pesquisa, o segmento registrou crescimento de 11% em 2017 frente ao ano anterior, ante crescimento de 3,5% do setor como um todo.

De acordo com a Consultoria Cognatis, os fatores que contribuem para que o turismo LGBT tenha essa capacidade financeira é que, por normalmente não terem filhos, os gays não economizam em vestuário, gastronomia, diversão e… viagens!

Então, além de possuir renda acima da média nacional, a comunidade LGBT também é um viajante frequente. Mais ainda, estudos mostram que casais homoafetivos possuem renda duas vezes maior do que casais heterossexuais. Quando se fala de casais homoafetivos do sexo masculino, esta renda passa a ser três vezes superior. Além disto, o público LGBT gasta, em média, 30% mais do que os heterossexuais.

Em relação a viagens, 45% de homens e mulheres homossexuais visitam países do exterior a cada ano. Enquanto a média nacional é de 9%.

Turismo LGBT: turismo sexual

O rebuliço em torno da frase polêmica não se restringiu ao ataque à comunidade LGBT. A segunda parte da afirmação não só relaciona o turismo gay com turismo sexual, como até encoraja esse tipo de turismo, desde que hetero obviamente. 

Diante disso, a Câmara de Comércio e Turismo LGBT divulgou nota de repúdio à fala do presidente. “A fala apresentada traz em si uma falta grave relacionada ao conceito de Turismo LGBT, que não promove o turismo sexual. Ao dizer ‘Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade’, o autor da frase sugere que o governo incentivará o turismo sexual em território brasileiro, o que não é aceitável do ponto de vista moral e ético”, diz o texto. 

“Além de ser um grave ataque aos direitos universais, que eu nem vou entrar na questão social dessas afirmações, esse posicionamento não ajuda o país em absolutamente nada”, afirmou Ricardo Gomes, presidente da entidade, em entrevista ao Hotelier News.

Segundo Gomes, a afirmação do presidente também pode acarretar perdas de negócios em outros setores. “Essa posição de Bolsonaro pode piorar vários pontos em questão de negócios com empresas estrangeiras e relações com outros países. Nova York é um exemplo. O governo pode ter a boa vontade da Casa Branca pela proximidade com o presidente Donald Trump, mas já perdemos o centro financeiro mais relevante nos Estados Unidos por causa de afirmações desse tipo”, disse. 

De acordo com Gomes, a Câmara está trabalhando em um “plano de contenção” em conjunto com outras entidades simpatizantes da causa LGBT. “Estamos planejando campanhas internacionais que enfatizem que, no Brasil, todos são iguais perante a lei, nosso país é laico e aberto a todos e todas que queiram visitar nossas maravilhas. Campanhas contra o turismo sexual, na linha do que fez o governo do Maranhão, também estão previstas”, comentou. 

Governos de alguns estados, principalmente do Nordeste, manifestaram-se após a declaração presidencial. Postagens de estados como Maranhão, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte, com atrações como praias ao fundo, estampam o alerta de que o local está à disposição dos turistas. Em todas elas, contudo, a mensagem enfatizava que as mulheres não estavam ao dispor do visitante.

turismo lgbtCampanha publicada na conta do Twitter do Governo do Maranhão @GovernoMA

Turismo LGBT: consequências

Com toda confusão a partir de sua fala, que teve outros agravantes, pormenores e histórias paralelas, Bolsonaro anunciou que não vai mais comparecer à cerimônia. O estrago, entretanto, já está feito. As consequências da fala só vamos saber no futuro próximo. Que a comunidade LGBT se sinta sempre à vontade no Brasil. O turismo nacional lhe abraça…

(*) Crédito da capa: Peter Hershey/ Unsplash

(**) Crédito da foto: Isac Nóbrega/ Agência Brasil

(***) Crédito da foto: Divulgação/ Governo do Maranhão