Na hotelaria, a palavra previsibilidade tem grande importância. Isso porque, ao antecipar a demanda, muitos hotéis conseguem aprimorar seus resultados, especialmente em períodos de grandes eventos. No entanto, o cenário atual exige que os forecasts sejam cada vez mais precisos para garantir as melhores margens.

Neste ano, por exemplo, em eventos como o show da cantora pop Madonna em Copacabana, em maio, e o Rock in Rio, em setembro, a hotelaria obteve um desempenho abaixo das expectativas em relação a preços, evidenciando que elaborar forecasts é uma tarefa desafiadora.

Análises comparativas com anos anteriores já não são mais suficientes neste contexto. É necessário adotar uma visão mais ampla para acertar na estratégia. No caso do Rock in Rio, ficou claro que observar o lineup do festival era essencial para definir a precificação.

Para entender melhor como são construídos os forecasts para grandes eventos e os fatores considerados, o Hotelier News conversou com especialistas do setor. Ricardo Souza, team leader Latam da Lighthouse, afirma que as variáveis estão cada vez mais dinâmicas. “Hoje, o primeiro passo é compreender a intenção de compra. Ao falar de futuro, é importante saber o que as pessoas estão pesquisando e o volume de buscas. Cada ano se comporta de maneira diferente”, explica.

Forecasts - Ricardo_Souza

Souza elenca fatores importantes para construção dos forecasts

“Além disso, é fundamental considerar se as pessoas estão pesquisando voos, hotéis, se o nível de busca é satisfatório, entre outros pontos. Um dado que gostamos de observar é a oferta disponível, pois é um indicador de que a demanda está se concretizando. Então, entender a ocupação, fazer comparativos futuros e avaliar o comportamento da concorrência é essencial”, complementa o executivo.

Souza destaca que, para a precificação, é necessário analisar cenários distintos: dias de semana e finais de semana. “Em um show da Madonna em um sábado, por exemplo, não há referência para balizar. Nesse caso, o que pode ser feito é analisar a intenção de compra, verificar a demanda potencial e a tarifa média do dia do evento”, explica.

Além disso, o team leader da Lighthouse reforça que analisar dias de alta ocupação também é uma estratégia eficaz. “Assim, os hotéis podem definir um preço mínimo e ajustar para um valor ideal. Contudo, é preciso uma abordagem mais ampla, integrando as áreas de marketing e RM, pois a visão precisa ir além da gestão de receitas. Em shows, as vendas de ingressos são um bom indicador, mostrando qual dia tem maior demanda. Grandes artistas fazem turnês com várias datas no Brasil, especialmente em São Paulo, e o público de meio de semana pode diferir do de sábado ou domingo”, conclui.

Prevendo a demanda

Luiz Felipe Albuquerque, revenue manager do Grand Hyatt São Paulo, afirma que a principal dificuldade para elaborar forecasts no cenário atual está em identificar quem é o público dos grandes eventos e o quanto esses acontecimentos são únicos.

“Em São Paulo, tivemos o The Town em 2022, que gerou uma grande expectativa, principalmente pela comparação com o Rock in Rio. No entanto, o lineup e o fato de ser um evento novo, entre outros fatores, fizeram com que o desempenho fosse inferior ao esperado. No ano passado, por outro lado, tivemos uma série de shows do Coldplay, uma banda de alta demanda, com fãs em todo o Brasil, o que influenciou positivamente nos resultados”, analisa.

Luiz Felipe Albuquerque

“Um bom comparativo é fundamental”, diz Albuquerque

Segundo Albuquerque, eventos considerados únicos geram um cenário mais previsível. “Por outro lado, quando a demanda não é tão ampla, elaborar forecasts se torna mais complexo. No caso do show da Madonna, no Rio de Janeiro, a apresentação gratuita e em ambiente aberto afetou consideravelmente a procura”, complementa.

O revenue manager do Grand Hyatt São Paulo comenta que, para realizar forecasts, é necessário ter referências anteriores. “Se o objetivo é prever a demanda de um evento futuro, é fundamental dispor de uma base comparativa. No entanto, a demanda é dinâmica e nos permite identificar sua evolução”, afirma.

Para a precificação, o Grand Hyatt São Paulo calcula os preços de partida com base em comparativos anteriores. “Normalmente, expandimos essa análise, comparando não apenas com nossos próprios dados, mas também com o mercado. Contudo, como somos um hotel cinco estrelas, temos uma abordagem mais restrita, pois não fazemos parte da maior parcela de oferta. Em outros segmentos, existem ferramentas que fornecem dados da demanda local, o que serve como referência para entender se algo está acontecendo”, comenta.

O que fazer?

A reportagem do Hotelier News também conversou com Waleria Fenato, consultora de Revenue Management e co-fundadora da RMVIEW. Ela afirma que, estatisticamente, os forecasts são realizados com base na sazonalidade (mês/dia/semana) e no comportamento de demanda de eventos semelhantes no passado.

“Entretanto, como ocorreu no Rock in Rio, nem sempre o comportamento é o mesmo. Quando essa diferença é detectada, passamos a monitorar a demanda do evento em questão, observando variáveis como número de consultas versus reservas efetivas, pick-up atual, entre outros fatores. É crucial entender se há interesse pela data, mas sem reservas, o que pode indicar preços elevados”, explica.

“Nessas situações, o hotel pode recorrer às OTAs parceiras, que costumam ter dados de pesquisa para o destino e data específicos, podendo compartilhar essa informação com os hotéis”, comenta.

Waleria acrescenta que, na precificação para grandes eventos, é comum estabelecer uma tarifa de partida mais alta, com base nas vendas anteriores. “Contudo, ao perceber uma discrepância na expectativa de demanda, é necessário reavaliar. A regra de ouro no RM é começar de forma conservadora e ajustar os preços conforme a demanda se aquece. A gestão de receita pode fazer testes e monitorar, junto à equipe de reservas, a percepção do cliente durante a consulta”, pontua.

A executiva salienta a importância de analisar todos os dados possíveis, como as características do evento, se a programação é atrativa, os dias da semana comparados à edição passada, o público esperado, entre outros fatores.

Desenhando a estratégia

Por fim, Luciano Motta, CEO da Mabu Hotéis & Resorts e do Blue Park, ressalta que uma das maiores dificuldades atuais na elaboração de forecasts é a situação econômica, com fatores como a alta do dólar, passagens aéreas elevadas e a competitividade com locações de curta duração impactando diretamente o planejamento das redes hoteleiras.

“Além desses fatores, novos eventos e festivais estão crescendo, principalmente devido à exclusividade dos lineups. Para mapear a demanda potencial, é importante saber a duração dos eventos e ficar atento a hospedagens indiretas, como o Airbnb, e ao custo das passagens aéreas”, explica.

“Os preços de partida precisam estar alinhados com os dos principais concorrentes locais. Em alguns casos, é válido até mesmo dialogar com outros hotéis para discutir a demanda e estabelecer um preço médio inicial. Também é essencial observar os valores de outras formas de hospedagem”, acrescenta.

O executivo destaca que os dados frios são apenas uma base, justificando uma abordagem mais ampla. “É preciso considerar o volume de vendas, a demanda do mercado, a busca por passagens e a disponibilidade de quartos no destino”, finaliza.

(*) Crédito da capa: Divulgação/Mapa dos Eventos 

(**) Crédito das fotos: Arquivo pessoal