De maneira discreta, e de forma ainda inicial, as grandes redes internacionais planejam alterar suas estratégias de distribuição corporativa. A ideia, conta o Skift em matéria assinada por Sean O’Neill, é contornar intermediários tradicionais para vender diretamente para clientes de negócios. Com bilhões em jogo, espera-se resistência dos agentes tradicionais.

Para chegar a esse objetivo, a aposta das grandes redes passa por entregar mais valor e personalização nas reservas feitas em seus canais proprietários. O que isso significa? Utilizar os chamados ABS (Attribute-Based Selling), que já foi fonte de matéria do Hotelier News no passado (releia aqui para entender). O’Neill revela, inclusive, que IHG Hotels & Resorts, Choice Hotels, Marriott International e Hilton já estariam testando o modelo.

“Acredito que, nos próximos dois a três anos, a adoção (dos ABSs) vai disparar,” disse Abhijit Patel, vice-presidente de gestão de receita e distribuição global da Choice Hotels, para o editor sênior de hospitalidade do Skift.

Abhijit Patel - Choice Hotels distribuição corporativo

Patel: custos de TMCs e OTAs são altos 

A decisão das grandes redes em investir nos ABSs, em um setor tão intermediado na distribuição (e mais ainda no corporativo), tem claras motivações financeiras, o que significa “eliminar” terceiros para incrementar a diária média líquida. Mais ainda, isso significa também ter maior controle sobre o tarifário.

Hoje, o ecossistema das viagens de negócios funciona em um modelo claro: a maioria das corporações utiliza TMCs (Travel Management Companies) para selecionar o que os funcionários podem reservar. Essas empresas obtêm grande parte do conteúdo do inventário de hotéis (e também de voos) por meio de terceiros, que cobram comissões.

PMEs (pequenas e médias empresas), por sua vez, permitem que os colaboradores façam suas próprias reservasem OTAs, por exemplo. “Para os hotéis, os custos de distribuição por meio de TMCs e OTAs são bastante altos. Então, obviamente temos um incentivo para impulsionar essa conversa”, acrescenta Patel.

A outra ponta

Em sua reportagem, O’Neill conta que não só os hotéis que estão ávidos por mudanças no modelo atual intermediado. Grandes corporações, por exemplo, entendem que os ABSs os ajudarão a entender melhor seus gastos com viagens. “Estamos prontos para a mudança”, disse Bryan Bachra, vice-presidente de Parcerias de Hospedagem e Transporte Terrestre da Salesforce. “Agora, precisamos garantir que, obviamente, nossos parceiros de hotéis, tecnologia e TMCs estejam prontos para isso também”, completa.

“As plataformas de distribuição existentes não permitem que um hotel conte sua história de forma eficaz e se diferencie do concorrente na mesma rua, porque elas só oferecem 80 caracteres de texto, ou qualquer que seja o limite”, afirma Rita Visser, diretora de Sourcing Global de Viagens da Oracle. Já players menores na indústria de viagens corporativas, como Navan e HRS, disseram que veem grandes empresas querendo trabalhar com grupos hoteleiros para adotar novos fluxos de trabalho.

“Existem algumas contas gerenciadas muito grandes na Choice Hotels que estão se movendo em direção a uma melhor experiência do usuário ao trocar as TMCs tradicionais por players mais novos”, destaca Patel. “Eles estão buscando custos mais baixos, melhores integrações de pagamento e melhores relatórios. Isso pressionará os grandes players“, acrescentou o executivo da Choice, sem dar nomes aos bois, mas podemos nominá-los como Amadeus e Sabre.

Desafio tecnológico

Agora, nada é tão simples quanto parece, a começar pelo gigantesco desafio tecnológico para colocar uma mudança dessas em curso. Isso porque a hotelaria opera de forma muito fragmentada, com sistemas mil (PMSs, channel managers, chatbots e por aí vai) conectados um ao outro para fazer essa roda girar.

Paulo-Salvador - distribuição no corporativo

Salvador: 

Por isso, segundo O’Neill, muitos especialistas acreditam que o setor não conseguiria implementar tão facilmente os ABSs sem que um órgão da indústria estabeleça padrões compartilhados. Sem um código padronizado para, por exemplo, um tipo específico de upgrade de quarto, como diferentes sistemas em países mundo afora reconheceriam isso para precificá-lo corretamente?

Especialista em distribuição e Associate Partner para as área de Marketing & Innovation na Noctua Advisory, Paulo Salvador concorda com a análise sobre a complexidade que essa mudança demanda. Ele lembra ainda que, em paralelo ao trabalho para desenvolver os ABSs internamente, redes internacionais estão buscando acordos com os grandes players citados acima.

A Accor, por exemplo, fechou acordo estratégico com a Amadeus, enquanto a IHG Hotels & Resorts renovou sua parceria com a gigante de distribuição norte-americana. Já a Marriott International estendeu seu contrato com a Sabre. “Com isso, elas passam a centralizar essa parte da distribuição em um único player“, explica Salvador.  “Ou seja, eliminam sistemas legacy para ficar próximo das líderes”, complementa.

Ao renovar as parcerias, portanto, essas gigantes hoteleiras deixam o sonho da venda corporativa direta um pouco mais longe. “Os custos continuam lá, porque na medida em que Sabre e Amadeus seguem no meio da cadeia, há custos de conectividade, distribuição e etc. Então, isso torna o sonho da distribuição direta do corporativo uma utopia, em vez de um sonho próximo”, comenta Salvador. “Ou seja, a implementação de canais diretos com o cliente final no segmento corporativo não é, neste momento, algo tão evidente”, continua.

Ele lembra ainda que, em paralelo, muitas TMCs têm fechado acordos diretos para obter conteúdos dos hotéis, tirando channels managers da jogada. “Em resumo, para levar os viajantes de negócios diretos para as plataformas das grandes redes será necessário um NDC (New Distribution Capability) para hotelaria”, acrescenta Salvador.

É um emaranhado complexo, não?

Enquanto isso em Pindorama…

Bem, no Brasil esse debate ainda passa ao largo do dia a dia dos hotleiros. Por aqui, o debate ainda gira em torno da utilização de tarifas dinâmicas nas vendas corporativas. A boa nova é que, ao menos, essa discussão vem avançando, o que já é positivo para o mercado. De fato, não faz sentido empreendimentos hoteleiras terem que honrar tarifas negociadas a preços mais baixos em períodos de elevada demanda.

Em evento da TOTVS esta semana em São Paulo, Leonardo Rispoli ressaltou o avanço das tarifas flexíveis no segmento corporativo. Segundo o diretor executivo da B2B Reservas, esse modelo tarifário já representa 65% das reservas que passaram pela plataforma ao longo de 2024. “Outra boa notícia é que a diferença de preço entre as negociadas e as flexíveis caiu de 9% para 3% ao longo deste ano. Com certeza, há espaço para mais avanço aqui”, ressaltou.

É aquilo, é preciso jogar o jogo com as armas que cada um tem. Hoje, gasta-se tempo e energia com as tarifas flexíveis, o que é positivo para o mercado. Em relação aos ABSs, ainda estão bem longe no horizonte…

(*) Crédito da capa: Tumisu/Pixabay

(**) Crédito das foto: Divulgação/Choice Hotels

(***) Crédito das foto: Divulgação/Noctua Advisory