Desde março, quando foi decretada a pandemia, ela é motivo de preocupação para hoteleiros. Mais assustadora do que qualquer história de terror, a guerra tarifária foi uma das primeiras especulações e preocupações para o momento da retomada. Com 92% dos empreendimentos em funcionamento, será que o fantasma da batalha de preços saiu do imaginário e virou realidade?

Em um país de dimensões continentais como o Brasil, já era sabido que cada praça e região se comportaria de maneira diferente. Outro ponto relevante são as demandas retraídas, como corporativo e eventos, nichos importantes para metrópoles como São Paulo e Goiânia. Em contrapartida, resorts e empreendimentos voltados ao lazer gozam de resultados satisfatórios diante da situação. Já propriedades de luxo, muitas vezes, nem cogitaram a possibilidade de fazer ajustes nas diárias, pelo contrário, querem repor perdas para inflação.

Para entender mais a fundo como o mercado vem reagindo em relação a uma possível guerra tarifária, o Hotelier News teve ajuda de Ricardo Souza, gerente de Novos Negócios da OTA Insight, e André Matielo, diretor associado da Feasi Hospitality. Para o alívio dos hoteleiros, os profissionais sinalizam um bom comportamento dos preços, apesar das quedas de tarifas já prevista em função dos efeitos da pandemia.

“Em nossa visão, não existe uma guerra de preços como se imaginava. Vemos uma readequação da maioria dos hotéis. Em grandes capitais que monitoramos, desde junho não identificamos nenhum decréscimo significativo. Pode ser que exista um ou outro mais agressivo, mas, no geral, nossa base de dados oscila entre 10% e 15% de redução em relação ao período pré-pandemia e 2019”, revela Souza.

Matielo destaca que essa é uma equação difícil de resolver, pois envolve muitas variantes. “Essa não é uma resposta simples. Engloba a hotelaria independente, por exemplo, que conseguiram segurar melhor em linhas gerais. Nossas análises vão de Belo Horizonte para baixo, com foco no Sul e Sudeste. Acabamos não entrando tanto em praças importantes do Nordeste, como Recife e Salvador”, pondera.

Guerra tarifária: as capitais

Com dados de oito capitais (Rio, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Brasília, Salvador, Fortaleza e Belo Horizonte) e Foz do Iguaçu (PR), a OTA Insight monitora 1 mil hotéis clientes. Segundo Souza, ao olhar os preços de novembro a janeiro, não existe variação negativa expressiva, com mobilidade entre -5% e -10%. “As principais praças estão entre 0% e -5%. Pode ser uma adequação. Se olharmos para os próximos 90 dias, a variação média de São Paulo é de -2%.”

Guerra Tarifária - especulação ou realidade_Ricardo Souza

Souza: nas principais praças analisadas pela OTA Inisght, mobilidade das tarifas é de -5% a -10%

O gerente da OTA Insight ainda relembra que o mercado vive uma nova realidade, sem segmentos importantes como o Mice. “Para nós, esses percentuais não se traduzem em guerra tarifária. É natural que haja uma mudança devido às demandas retraídas”, avalia.

Capital citada pelos dois profissionais, o Rio de Janeiro segue com o maior número de empreendimentos fechados até agora (21,46%). Segundo Matielo, a Cidade Maravilhosa foi a mais afetada. “Nós temos o Rio como principal praça impactada. Observamos que alguns hotéis menores têm entrado em whosaler. O destino, que tem tantos atrativos, hoje está com eventos zerados e o corporativo parado, segmentos que tradicionalmente traziam tarifa”, avalia.

Souza observa declínio de -0,8% na capital fluminense com aumento de 15% para o Réveillon, variações estáveis para o cenário atual. O gerente ainda lembrou que a praça já vinha sofrendo uma batalha interna protagonizada por empreendimentos da Zona Sul e Barra da Tijuca mesmo antes da pandemia. “Hotéis novos e modernos vêm praticando preços mais baixos, o que não beneficia ninguém. Já existia essa rixa, mas não diria que foi intensificada”, avalia.

Na visão de Matielo, Curitiba foi uma boa surpresa, sem entrar em guerras de preços. Já Souza afirma que a capital paranaense sofreu perdas devido ao seu perfil corporativo. “Curitiba depende muito de feiras e business e vem sentindo nesse segundo semestre com variação que estava em -12%”. Já Foz do Iguaçu viveu seu momento de retração quando o mercado reabriu, mas agora vem em uma crescente de preços. “O equilíbrio de tarifas e demanda é algo esperado. Em nossa visão, Foz também não performa em guerra tarifária”, confirma.

Com uma análise mais abrangente da capital paulista, Matielo afirma que a praça vem se mostrando a mais estável até o momento. “Dentro de nossos trabalhos, acabamos tendo um conhecimento de microrregiões como Jardins, Bela Vista e Centro, que performam melhor. Já a Berrini você encontra mais dificuldade, mas é difícil falar em percentuais”, revela.

O diretor da Feasi explica que a redução do corporativo fez com que as diárias aumentassem em alguns casos. “A quebra de demanda fez com que os preços subissem, pois os contratos que eram descontados garantiam um volume grande. É um paradoxo, mas acontece”.

Praças secundárias e hotéis independentes

Enquanto as capitais se equilibram na corda bamba da falta de demanda, Souza afirma que praças secundárias tendem a sofrer mais pelo seu perfil de mercado. “São cidades com uma operação mais imprevisível. Historicamente, sempre foi assim. A representatividade das redes é menor quando comparadas às grandes cidades, que possuem também maior inventário. Mesmo com a retração de demanda, também não enxergamos uma guerra de preços”.

De acordo com Matielo, cidades como São José do Rio Preto (SP), que não configuram super oferta, apresentam estabilidade. Já Ribeirão Preto (SP) desponta com uma batalha de preços maior. “É um mercado que corre sérios riscos de sofrer fechamentos nos próximos meses”. Sobre praças terciárias, com poucos empreendimentos, o cenário é de tranquilidade. “São hotéis que precisam de cuidados menores, pois são destinos pouco afetados pela pandemia. O público continua pagando os mesmos valores, sem grandes modificações”, acrescenta.

Guerra Tarifária - especulação ou realidade_André Matielo

Matielo: é cedo para avaliar como a hotelaria independente vem se comportando sobre os preços

Apesar de não realizar o monitoramento do setor, Souza faz um adendo sobre os resorts. Na crista da onda da retomada, o segmento vive uma crescente, após quase entrar em guerra tarifária no início das reaberturas. “Julho e agosto houve uma recaída para uma possível guerra tarifária, mas que se estabeleceu e, hoje, não acontece. São empreendimentos que começaram a investir em novas ideias, marketing e produtos. Houve uma estratégia de abaixar preço para trazer demanda, mas perceberam que esse não era o melhor caminho e focaram na oferta.”

Sobre a hotelaria independente, Matielo acredita ser cedo para avaliar, visto que muitas propriedades demoraram a retomar as atividades. “Ainda não dá para cravar os efeitos nos hotéis independentes, pois muitos estão com apenas um mês de reabertura. Teremos um panorama mais assertivo em três meses. Aí sim saberemos se vão reduzir preços ou manter”.

Com a chegada da segunda onda na Europa, hoteleiros já consideram uma possível chance de paralisação. E, se em princípio o mercado não cometeu nenhuma loucura e se comportou como deveria, o setor consegue aguentar mais um processo de fechamento e reaberturas? “Não acredito que vá gerar uma queda tarifária muito maior. O que está salvando a hotelaria são os preços perto do histórico. Mesmo se abaixar, esses empreendimentos não vão gerar hóspedes”, finaliza Matielo.

(*) Crédito da capa: WikiImages/Pixabay