O uso da IA (Inteligência Artificial) na contratação de profissionais já é amplamente adotado em diversos setores. No LinkedIn, por exemplo, a tecnologia realiza a triagem de currículos e busca perfis adequados às vagas. Mas será que essa ferramenta é, de fato, o melhor caminho para encontrar o candidato ideal?
Um estudo recente publicado no Hotel News Resource e conduzido por pesquisadores da Associação para o Avanço da Inteligência Artificial e da Associação para Máquinas de Computação sobre IA, Ética e Sociedade revelou viéses discriminatórios em diferentes etapas de processos seletivos automatizados. Os pesquisadores Kyra Wilson e Aylin Caliskan analisaram 554 currículos e 571 descrições de cargos, simulando 3 milhões de combinações para avaliar o impacto da IA nas decisões de contratação.
Os testes envolveram a substituição de nomes nos currículos por 120 variações associadas a gênero e etnia, enviando-os para diferentes funções, de cargos executivos a vendedores. O resultado foi alarmante: currículos com nomes associados a pessoas brancas foram selecionados em 85% das vezes, enquanto os vinculados a pessoas negras receberam preferência em apenas 9%. Além disso, candidatos com nomes masculinos foram escolhidos 52% das vezes, mesmo para vagas tradicionalmente ocupadas por mulheres.
Diante desses desafios, o Hotelier News conversou com especialistas para entender como a hotelaria pode utilizar a IA de forma mais justa e inclusiva nos processos seletivos.
IA na seleção de talentos
Para Márcio Moraes, CEO da QI Profissional, a tecnologia tem um papel importante na triagem de currículos, ajudando a identificar candidatos alinhados aos requisitos da vaga. “A IA é rápida e eficiente ao cruzar informações e verificar compatibilidade com o perfil desejado. Isso otimiza o processo e reduz o tempo gasto analisando currículos”, avalia.

Por outro lado, ele alerta que o preconceito não está na tecnologia em si, mas nos filtros aplicados pelas empresas. “A hotelaria, por exemplo, não justifica a adoção de sistemas altamente complexos devido ao volume de vagas disponíveis. Isso leva a soluções mais simples, que podem acabar perpetuando discriminações ao invés de mitigá-las”, explica Moraes.
Ainda segundo o executivo, as empresas buscam compatibilidade técnica, o que torna a IA uma aliada. “A maioria das plataformas não tem um banco de currículos amplo o suficiente, o que gera dificuldade para hotelaria, turismo e agências de viagens encontrarem profissionais qualificados”, aponta.
Ele enfatiza que a IA, por si só, não é preconceituosa. O problema reside em quem define os critérios de filtragem. “A tecnologia deve ser supervisionada por pessoas idôneas para evitar distorções no processo. O avanço da IA na seleção de talentos depende da forma como é programada e utilizada”, acrescenta.
Para Johannes Bayer, gerente geral do InterContinental São Paulo, um aspecto a ser aprimorado é o fact-checking dos currículos. “A hotelaria ainda caminha devagar na adoção dessa tecnologia, mas seu potencial é inegável se usada de forma estratégica”, destaca.

Bayer também aponta como desafio a falta de controle total sobre os algoritmos que filtram candidatos. “Se a IA for alimentada com parâmetros enviesados, o erro não é da máquina, mas da forma como foi treinada. O preconceito surge na programação e na definição de critérios usados pelas empresas”, explica.
Na IHG Hotels & Resorts, a implementação da IA ocorre de forma gradual. “Já utilizamos a tecnologia para melhorar a experiência do cliente, mas ainda estamos avaliando seu uso na seleção de talentos. Queremos garantir que ela seja aplicada apenas onde há total segurança e controle”, ressalta.
Jorge Della Via, diretor de Tecnologia do Grupo Mabu, afirma que ainda não há um modelo ideal de IA, mas critérios bem definidos e um bom volume de dados são a chave para aprimorar a ferramenta. “No fim o que queremos é ter um processo mais automatizado, que auxilie na tomada de decisão para chegar no momento mais importante do processo, que é ouvir pessoalmente o candidato, chave no processo”, destaca.
“Sem critérios bem definidos para que a IA faça e entregue o dado que realmente a empresa precisa, com certeza teremos erros e falhas. Você consegue imaginar começar a construir uma casa pelo telhado, sem fazer as paredes e muito menos o alicerce? Vai dar errado e o resultado final vai ter muitas falhas. Treinar uma IA para um fim é a mesma coisa: você precisa dizer a ela e criar um passo a passo com começo, meio e fim só assim teremos um resultado sem erros, falhas ou discriminação”, completa.
Tornando os processos mais justos
Para Paulo Lázari, CEO e fundador da Recrutei, a IA deve ser utilizada de forma ética e transparente. “É uma ferramenta poderosa, mas não resolve todos os desafios do recrutamento sozinha. Seu uso precisa ser equilibrado, respeitando boas práticas e eliminando discriminações”, afirma.
Lázari defende a anonimização de dados sensíveis, como gênero e raça, para evitar preconceitos. “Nosso sistema aplica filtros que garantem análises imparciais, focadas apenas nas qualificações profissionais”, explica.
Kelly Amorim, gerente de Desenvolvimento Organizacional da Premium Essential Kitchen, reforça que o monitoramento da IA é essencial para impedir distorções. “Os algoritmos precisam ser ajustados para bloquear qualquer forma de discriminação”, pontua. Ela acrescenta que as decisões tomadas pela tecnologia devem ser revisadas por humanos para garantir um processo seletivo mais justo e inclusivo.

Já Andrea Deis, professora da Mackenzie e doutora em Administração, destaca que a IA não trabalha com relações humanas, mas com dados, que podem refletir preconceitos. “As empresas precisam revisar constantemente seus algoritmos para garantir equidade nos processos seletivos”, alerta.
O maior risco, segundo ela, está na fase de triagem, que pode eliminar perfis de forma indevida. “A supervisão humana é essencial para mitigar falhas e garantir diversidade nos processos de recrutamento”, afirma.
Tendências para o futuro
Com a IA cada vez mais presente no recrutamento, os especialistas apontam algumas tendências para os próximos anos:
- Maior alinhamento com diversidade e inclusão: a parametrização dos sistemas será cada vez mais rigorosa para evitar distorções.
- Unificação de plataformas: empresas poderão consolidar bancos de talentos, reduzindo a necessidade de múltiplos cadastros por parte dos candidatos.
- Transparência nos algoritmos: haverá maior exigência de clareza sobre os critérios usados pela IA na seleção de perfis.
“Esses avanços permitirão uma análise mais justa dos profissionais, garantindo que a IA seja uma aliada na inclusão e na otimização dos processos seletivos”, conclui Moraes.
Para Lázari, a IA continuará evoluindo para se tornar mais centrada no candidato. “Veremos a expansão dos agentes de IA, capazes de auxiliar rotinas mais complexas e tornar o recrutamento ainda mais eficiente”, reforça.
Della Via, por sua vez, acredita o processo de recrutamento pode ser muito beneficiado pela IA, apoiando a tomada de decisão dos profissionais de Recursos Humanos e gerentes de contratação. “Um algoritmo bem estruturado pode prever quais canais de contratação teriam maior probabilidade de atrair os candidatos ideais para um cargo específico, reduzindo os gastos com essa etapa do processo. Mas o mais importante sempre será o fator humano, pois cada vez mais o perfil pessoal se mostra essencial nas contratações”, finaliza.
(*) Crédito da capa: Arquivo HN
(**) Crédito das fotos: Arquivo Pessoal