(foto: esfinfanciasperturbadas.blogspot.com)
 
Seja para comprar alimentos, usar psicotrópicos ou até mesmo pagar uma conta dentro de casa, o fato é que milhares de crianças e adolescentes estão espalhados pelo País a fora oferecendo seus corpos a preços que, em alguns casos, beiram a miséria. A exploração sexual infantil voltou à tona na última semana em decorrência do Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Manifestações ocorreram e instituições repudiaram o problema. A hotelaria também mostrou a cara, reafirmando o posicionamento de embate a este tipo de atividade, com frequência associada ao turismo, e assinando, junto a entidades do setor, a Declaração de Compromisso Corporativo no Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes.
 
O Fohb (Fórum Nacional de Operadores Hoteleiros), a Resorts Brasil, a ABIH Nacional (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis) e outras instituições vão promover treinamentos com as equipes dos hotéis no intuito de coibir a exploração sexual dentro dos empreendimentos – o que é de fato positivo, apesar de muito pequeno ainda.
 
Contudo, como deixou claro Enrico Fermi Torquato, presidente da ABIH Nacional, já na ocasião de assinatura do termo, o problema é estrutural. O hotel nada mais é do que o lugar último, no qual a matemática da exploração sexual ocorre e acaba sendo, se assim se pode dizer, sinônimo de facilitador para que o fato se consume – e, por conseguinte, aparece como cerne da questão. O que se precisa pensar é que a comercialização do sexo vem reverberando de muitas outras pontas antes de chegar à hotelaria.
 
O embrião do turismo sexual no Brasil está muito distante. Sem chutar cachorro morto, vale lembrar a reportagem publicada recentemente pela revista Nova, da Editora Abril, em março último, cujo título tinha em letras garrafais a dica: “Como descolar um gringo no Carnaval”. Sim, o texto dava conselhos, do tipo “invista no bronze, esteja da cor do pecado”, para angariar estrangeiros interessados em sexo fácil durante a farra carnavalesca. Nada mais nada menos do que um estímulo à promiscuidade e à fomentação da imagem de um país no qual traseiros e sexo fácil são palavras de ordem.
 
Mas a mídia incitando esse rubor soa até sutil frente à postura do próprio Judiciário. Necessário rememorar um causo de 2003, quando José Luiz Barbosa, o Zequinha Barbosa (campeão mundial em 1987 na corrida de 800 metros rasos), e o ex-assessor Luiz Otávio Flores da Anunciação pagaram R$ 80 a duas meninas de 12 e 13 anos, que trabalhavam como prostitutas, para fazer sexo num motel. O tribunal do Mato Grosso do Sul absolveu os réus, argumentando que não foram eles que iniciaram as meninas na prostituição. O juiz estadual disse à época que “as prostitutas já esperam os clientes na rua e não são mais pessoas que gozam de uma boa imagem perante a sociedade”. História trágica e que serve de símbolo à omissão dos digníssimos magistrados brasileiros. Os tantos outros envolvidos só estão de carona nessa catástrofe da miséria humana.
 
Daqui somente se pode extrair que funciona como escolha representar tal imagem e que o problema, antes de mais nada, é ranço do caos social e cultural que o Brasil presencia. Sintomaticamente deve-se lembrar que na propaganda a cena de uma nação cujo sexo é moeda de troca se repete; que semanalmente operadoras despejam nas regiões Nordeste e Norte estrangeiros em busca de diversão fácil e a preços módicos; que muitas das crianças e adolescentes que se prestam a tal trabalho normalmente vivem em condições miseráveis e, em alguns casos, estão envolvidos com o consumo de drogas e bebidas alcoólicas; e que a própria economia do Brasil, à revelia do que dizem os especialistas, também gira e cresce com este tipo de mercado.
 
É cediço dizer que os hoteleiros têm o seu papel aí e devem se mobilizar para que a exploração sexual seja freada – nem que seja em última estância, em vias de fato de se consumar. É uma postura que ao menos não soará como condescendente. Porém, é preciso reafirmar que, seja num hotel, dentro de um carro, num prostíbulo ou em qualquer outro local, o turismo sexual de crianças, adolescentes e até mesmo de adultos deve ser inibido em seu âmago, com uma ação mais austera e incisiva por parte do Estado e com a queda de agenciadores que contam com a conivência e com o auxílio dos títeres que movimentam tais fantoches.