Há 10 anos um alerta tocou (alto) em Portugal. A crise dos sub-primes não quebrava apenas o Lehman Brothers. Ela cruzava o Atlântico trazendo muita instabilidade econômica para nosso antigo colonizador. De 2010 a 2014, segundo fontes locais, o país viveu um de seus piores momentos, com fechamento de empresas e explosão no desemprego. Enquanto a “marolinha” corria solta no Brasil, Portugal registrava 52 falências judiciais por dia em 2012. Para sair do buraco, o governo (e a nação junto) escolheu alguns caminhos – e o turismo foi um deles.

Um conjunto de dados ilustra o tamanho da crise que Portugal viveu. Em 2009, por exemplo, o PIB (Produto Interno Bruto) lusitano caiu 2,98%. Apesar do suspiro de 2010 (expansão de 1,9%), a recessão se aprofundou de 2011 a 2013, quando a geração de riquezas decresceu 1,83%, 4,03% e 1,13%, respectivamente. Em igual período, o desemprego explodiu, registrando um pico de 16,2% em 2013 – entre os jovens a taxa chegava a 38,1%. No segmento de hospedagem e restaurantes, por exemplo, o total de trabalhadores ocupados recuou de 317,5, mil, em 2008, para 258,7 mil em 2015. Os dados são do segundo o INE (Instituto Nacional de Estatística).

Menos de uma década depois do início da recessão, os números são bem diferentes. O PIB teve crescimento gradual a partir de 2014, atingindo alta de 2,52% no ano passado. Para 2018, segundo o Banco de Portugal, o aumento previsto é de 2,3%, acima da média dos demais países da EU (União Europeia), de 2%. Já o desemprego vem gradualmente recuando, chegando a um patamar de 7,9% em janeiro de 2018, nível mais baixo em quase 14 anos. 

Portugal e o turismo

Desde que assumiu, em 2015, o primeiro-ministro António Costa, do Partido Socialista, abandonou medidas de austeridade e conseguiu recuperar a economia. Mesmo sendo difícil precisar a contribuição do turismo nesse processo, o impacto da atividade na geração de emprego e divisas é visível. Outro conjunto de números ressalta isso. 

Portugal PortoPorto é um dos destinos mais procurados no país

O número de turistas que passaram pelos hotéis portugueses cresceu 8,9% ano passado frente a 2016, totalizando 20,6 milhões de pessoas – recorde histórico. Os pernoites expandiram 7,4% na mesma base de comparação, somando 57,5 milhões, dos quais 72,4% eram estrangeiros. Já a receita da hotelaria local totalizou € 3,3 bilhões em 2017, informam dados do INE. Por fim, o total de profissionais ocupados na área ultrapassou os níveis pré-2008, somando 323,2 mil pessoas.

Talvez a coroação dessa retomada do setor, pelo menos em nível internacional, tenha vindo na forma de prêmios. Em 1º de dezembro, o país foi eleito, pelo segundo ano consecutivo, o melhor destino de 2018 pelo WTA (World Travel Awards). Bernardo Cardoso, diretor do Turismo de Portugal, explica que o governo português adotou uma estratégia de buscar diferenciação para criar experiências únicas aos viajantes.

“Seja nas ondas gigantes de Nazaré, na natureza dos arredores do Porto ou por meio da cultura de rua em Lisboa, Portugal aprendeu a cativar por nichos antes não muito explorados. Isso gerou um bom fluxo”, explica o executivo, que rechaça a hipótese do país estar localizado na Europa ser um facilitador. “Somos um país considerado periférico e, assim, utilizamos nossa hospitalidade aliada à tecnologia para atrair turistas”, completa.

Em 2018, a receita continua dando certo. Segundo dados do Turismo de Portugal, baseado em números do Banco de Portugal, as receitas provenientes do turismo subiram 1,4% de janeiro a setembro, em comparação com igual período de 2017, somando € 12,8 bilhões. Reino Unido, França, Espanha e Alemanha são os países líderes em geração de divisas internacionais.

Portugal: hotelaria

A indústria de hospedagem mantém também bons indicadores em 2018. No acumulado até setembro, segundo o Turismo de Portugal, o total de hóspedes sobe 1,3% frente a igual período de 2017. Já as receitas com hospedagem subiram 6,3% na mesma base de comparação, totalizando € 2,9 bilhões.

Para Pedro Ribeiro, diretor de Vendas & Marketing da Dom Pedro Hotels & Golf Collection, uma combinação entre localização e malha aérea, somada à estratégia de promoção do país, ajuda a explicar o bom momento. “A estruturação dos meios de locomoção foi um bom ponto colocado pelo governo nos últimos meses. Isso tornou o destino mais acessível e os transformou em um polo receptor de 20 milhões de pessoas no ano passado”, contou.

Ribeiro explica que o mercado hoteleiro foi incentivado por diferentes programas. O mais simbólico é fruto de uma parceria entre o governo português e a UE, que previu a criação de polos de atração em zonas periféricas, gerando assim um balanceamento no número de turistas nas regiões. “Hotéis de locais mais afastados recebem mais hóspedes, o que faz a economia girar e Portugal se promover ainda mais”, ressalta.

O executivo também destaca a forte colaboração de empresários do trade com os CVBs (Conventions Bureaux) portugueses. Para ele, essa parceria é um dos principais pilares da promoção turística internacional do país atualmente. “As pessoas se surpreendem com nossa estrutura, pois a expectativa é outra. Bons estabelecimentos, eventos e outras atrações recheiam os roteiros dos viajantes estrangeiros e locais”, acredita. 

PortugalMariana: foco na experiência ajuda na atração de turistas

Ensinamentos para o Brasil

O Hotelier News conversou com especialistas a fim de traçar um paralelo entre os dois países. Para as fontes ouvidas, é difícil comparar os planos de turismo, seja por motivos territoriais, culturais ou políticos. Entretanto, em certa medida, elas acreditam que é possível aprender com Portugal, em especial na valorização da experiência do turista.

Mariana Aldrigui, professora do curso de Turismo da USP (Universidade de São Paulo) acredita que um dos maiores acertos do governo português foi valorizar as atrações dos destinos do país. “Em Lisboa, o entretenimento noturno se tornou um dos diferenciais da cidade. A modernização de bares, restaurantes e outros estabelecimentos é um exemplo de como atrair turistas sem grandes investimentos na promoção turística”, avalia Mariana, que também é e presidente do Conselho de Turismo da FecomercioSP.

“Dadas às proporções, devemos observar o funcionamento do turismo português e criarmos um mindset que se adeque às nossas características”, afirma a professora. “No Brasil, política e interesses individuais são os principais problemas no andamento dessa indústria. Quando o setor turístico se unir, imagino que se desenvolva mais rapidamente”, completa.

Para Janine Pires, ex-presidente da Embratur, o forte trabalha na ampliação da malha aérea do país é outro ensinamento importante. “A conectividade aérea é um fator importante para o sucesso de qualquer destino e Portugal entendeu isso. Imagino que mais ações neste sentido devem melhorar a situação do turismo nacional”, afirma.

Ainda assim, Jeanine relativizou o caso de Portugal, que tem proximidade terrestre com mercados emissores na Europa importantes. “É difícil compararmos situações assim, mas penso que o passo primário é estabelecer ações contínuas no setor turístico”, avalia. “Investimentos em promoção internacional para destinos com melhor deslocamento até o Brasil, por exemplo, é um caminho bastante viável”, finaliza.

(*) Crédito da capa: Vita Marija Murenaite/Unsplash

(**) Crédito da foto: Samuel Zeller/Unsplash

(***) Crédito da foto: Acervo Pessoal/Mariana Aldrigui