IMG_0069Melissa Oliveira na poltrona policromática recém-chegada ao Unique
(fotos: Dênis Matos)

Dallas, Estados Unidos. Melissa Oliveira tinha 20 e poucos anos e trabalhava num hotel pertencente à rede de luxo Rosewood. Foi lá que a então debutante no mercado hoteleiro atendeu Ruy Ohtake, famoso arquiteto brasileiro, com os mesmos préstimos que destinava aos demais hóspedes.

A princípio parecia acaso: ela não fazia ideia das linhas que a vida tomaria a partir disso – achava-se “muito jovem” para assumir algo concreto até então.

Hoje, passadas algumas primaveras e com experiência consolidada, Melissa orquestra o Unique, hotel paulistano que é uma das referências estéticas da cidade e um dos poucos do País a figurar no portfólio da conceituada Design Hotels. O edifício do empreendimento, que completou dez anos em 2012, leva a assinatura de Ruy Ohtake – daí o acaso.

“O dono do Unique, que naquela época era terra ainda, meados de 2001, se hospedava muito neste hotel de Dallas. O Ruy Ohtake, também”, relembra. Ambos foram atendidos pela profissional e, meio ao acaso, seis meses depois, Melissa recebeu uma ligação do idealizador do projeto.

Fazia um calor ardido de dezembro quando falamos com a executiva. Sentada no lobby do conhecido prédio em forma de melancia da capital paulista, a diretora de Operações fazia algumas ligações para tentar encontrar uma sala vaga para a entrevista.

Apesar do desfile de executivos quase cults e celebridades se acotovelando pelos subsolos da unidade, onde ficam as áreas de eventos, havia espaço vago para uma conversa de quase uma hora numa das salas do prédio que leva o nome do primogênito da artista plástica Tomie Ohtake.

Daí, por si só, nasce a referência icônica do Unique para o mercado lifestyle: o hotel é coqueluche entre arquitetos, músicos, designers, ilustradores e demais profissionais que flertam com a arte.

São 95 quartos – alguns com metragem superior a 300 m² – e o restaurante Skye, que tem vista panorâmica para o Parque do Ibirapuera e é reconhecido como o crème de la crème da noite paulistana. Nos subsolos, salões disputados para casamentos, shows e eventos corporativos. Vinte e sete metros para o alto e 25 para baixo compõem a estrutura.

Há dez anos Melissa começou seu flerte oficial com o Unique. O posto, no entanto, não foi alcançado sem arestas. Saiu do Brasil aos 20 anos, já formada pelo Senac São Paulo. Foram necessários três anos na Suíça, época em que se tornou bacharel em Hotelaria pelo Centre International de Glion, para que seus primeiros passos profissionais ganhassem forma.

Colocou em prática as labutas hoteleiras na recepção do hotel de Dallas, logo após a temporada no rigoroso frio suíço. “Eu já tinha algumas referências mas não tinha noção do que queria. Estava me descobrindo”, menciona.

Em coisa de seis meses, assumiu outra função, no setor de Alimentos & Bebidas, que, pela ironia do destino, a colocou em contato com a casa que hoje administra.

Passado um ano entre negociações e algumas viagens para acertar detalhes com o proprietário do hotel que apagou recentemente sua 10ª velinha, Melissa se tornou parte da equipe Unique. Nesta reportagem especial, ela falou com exclusividade ao Hôtelier News de como foram estes processos em sua carreira e de como é a vida de um dos hotéis mais emblemáticos do País.

Por Dênis Matos

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A fachada do Unique, que já virou atrativo turístico de São Paulo

“Eu decidi largar tudo nos Estados Unidos. Eu estava bem, adorando o meu trabalho, mas resolvi apostar”. Mais ou menos assim a história de Melissa com o Unique ganhou forma. “Era um projeto apenas: podia ser um sucesso ou não ser. E não era uma rede internacional que estava por traz, por isso houve receio. Mas foi a melhor aposta que eu fiz”, celebra.

A euforia não é para menos. Com diárias médias de R$ 1,1 mil, o Unique manteve uma ocupação anual de 70% em 2012. “Desde que assumi a diretoria tivemos períodos bons. Mas 2012, por incrível que parece, estava melhor do que o ano anterior”, enfatiza. Porém, mais do que dividendos, o status do meio de hospedagem é a grande questão – chamado pela Forbes de “o hotel mais surpreendente da América do Sul”, por exemplo.

E quem é o cliente que paga por este status? “Nós costumamos dizer que nosso hóspede é jovem de cabeça. A maior parte é formada por pessoas de 30 a 55, sendo cerca de 60% homens. Ele costuma ser alguém viajado, que já viu hotéis com o conceito do Unique em Paris ou em Nova York”, explica.

“É um hóspede que conhece o mundo, gosta das boas coisas da vida, gosta de ter uma experiência, aprecia uma boa arquitetura e uma boa gastronomia”, enumera.

Tais números e perfis vêm sendo ainda mais lapidados desde a chegada de Melissa à casa. Durante os seis primeiros anos no hotel, a profissional esteve no comando do setor de Alimentos & Bebidas. À época, a hotelaria ainda estava desabrochando por aqui e, ela diz, fazer a coisa ganhar força foi complexo. Foi ela a responsável pelo desenvolvimento do Skye, referência no hotel e na cidade quando se pensa em alta gastronomia. A executiva, ainda hoje, comemora os louros e tem o espaço como espécie de filho.

O deck do Skye
(foto: divulgação)

Estória
Mas a inquietação, demasiada humana, veio. “Dentro do hotel, depois desses primeiros seis anos, eu não tinha muito como crescer. Coincidentemente eu recebi a proposta de ir para a Nespresso, que estava abrindo lojas no Brasil”, conta. “Era algo interessante, pois apesar de ser café, aparentemente um produto comum, era para trabalhar com varejo e um conceito diferente numa multinacional”, completa.

O resultado foi deixar o Unique, com uma pessoa devidamente treinada em seu posto e as portas abertas. Foram pouco mais de dois anos na Nespresso, tocando eventos, aberturas de lojas e uma experiência com uma empresa estrangeira – que ela define como “fantástica”.

“O coração bateu de novo quando eu recebi a proposta do dono do Unique para voltar”, relembra esboçando sorriso no rosto. “E eu voltei, analisei as duas propostas e retornei, mas como diretora, praticamente na função de gerente geral”, rememora.

Como todo gerente geral, o desafio foi ampliar a visão macro. Como era lidar com todos os departamentos no início? “No passado eu me cobrava muito, achava que tinha que conhecer tudo. E o meu diretor na Nespresso me disse uma vez algo que eu carrego: ‘Existem os especialistas e os generalistas. É preciso uma visão ampla e saber delegar'”, parafraseia.

Daí, ainda que de forma superficial, os conhecimentos recém-adquiridos pela executiva: manutenção, segurança, contratos e afins. “O desafio é ter bons profissionais tocando as áreas específicas. Claro: é preciso ajudá-los na tomada de decisão, ajudá-los a tocar o departamento, ajudá-los a serem bons líderes”, aconselha. “Hoje eu aprendi e sei tirar o melhor de cada um e o meu melhor também”, assegura.

Tais nuances deram maturidade não só à executiva, mas também ao hotel. Ainda assim, ela diz que as mudanças devem ocorrer sintomaticamente. “Precisamos nos manter interessantes”, alerta, “tanto para o cliente que vem sempre como para o cliente novo”.

Este hóspede novo tende a visitar o hotel com uma expectativa grandiosa, que normalmente vem sendo fomentada há tempos. “Ele quer um bom serviço, quer ser mimado, quer tudo impecável. Ou seja, tudo é em excesso e superar a expectativa virou regra”.

IMG_0070“Não é um serviço da luva branca, não é algo extremamente engessado.
Ele é impecável pela sinceridade, porque eu quero fazer bem feito”

Dinâmica de trabalho
No rol de ações neste sentido, está o próprio lema de oferecer “um hotel para não se sentir em casa”. Particularidade primeira vem da própria equipe. Os funcionários não são “engessados”, não há muitos scripts – justamente para que as pessoas, ainda que em situações profissionais, mantenham suas personalidades e tratem o hóspede de forma natural.

“Há uma linha muito tênue para que isso não se transforme em algo informal. É possível ser profissional, cordial e manter sua personalidade”, garante.

A diretora Operacional afirma que tal sistema só é viável por não haver grandes questões hierárquicas. No Unique, gerente geral não é Deus, as portas ficam abertas e as decisões, segundo a executiva, são tomadas com opiniões coletivas.

Melissa esclarece que tais posicionamentos são responsáveis por cerca de 95% de guest comments positivos, inclusive de heavy users que vivem saracoteando em hotéis do mundo todo – e, de acordo com ela, frisam não ter visto um atendimento nos molde do Unique.

“Não é um serviço da luva branca, não é algo extremamente engessado. Ele é impecável pela sinceridade, porque eu quero fazer bem feito”, ressalta, exemplificando que as regalias podem ir de uma simples bala de coco, se ela for predileção do hóspede, à disputada champanhe Veuvet Clicquot.

IMG_0098A imponente porta que dá acesso à recepção do hotel

Para tanto, 390 funcionários circulam dentro da melancia Unique. A maior parte deles é fixa. Para suprir a demanda do Skye, por exemplo, é preciso um número elevado de profissionais. Melissa revela que cerca de 600 pessoas são atendidas por noite no restaurante, daí a necessidade de uma equipe ampla. Some-se aí cafés da manhã e almoços, inclusive.

Colaboradores terceirizados, neste formato, são poucos. Segundo a linha de frente do meio de hospedagem, apenas metade dos seguranças é de empresas contratadas e, eventualmente, alguns garçons para eventos de maior porte. “De uns dois anos para cá cortamos em quase que 90% este tipo de profissional”, frisa. “O terceiro não presta o mesmo serviço. Vez ou outra ele até quer, mas entende que o funcionário contratado tem mais benefícios. Por isso, não trabalha tão bem”, acredita.

Treinamento
Notadamente, capacitar estes profissionais é parte infindável da labuta. A diretora explica que, por não ser um hotel de rede, uma imersão é feita logo quando um novo funcionário é admitido. São cerca de 45 dias de treinamento, com passagens por praticamente todos os departamentos de front da unidade.

A ideia, ela enfatiza, é que o hóspede seja atendido por pessoas com propriedade para explicar os conceitos Unique. Desde seu retorno à casa ela tem buscado inclusive capacitações com outras empresas, no intuito de ampliar os olhares que se tem em relação à indústria do bem-servir e até mesmo do próprio empreendimento.

As equipes de recepção, departamento que é a referência primeira do cliente, passam por processos de aprimoramento no mínimo duas vezes ao ano.

“Estamos até mesmo alinhando parcerias para obter permutas de diárias para que, com isso, nosso funcionário conheça outros hotéis emblemáticos da cidade”, adverte.

Pseudoconcorrência
Os empreendimentos icônicos citados por ela, em tese, são os poucos que concorrem com o Unique. Melissa brinca dizendo que, dependendo do ponto de vista, “todos são concorrentes”, porém ressalta que o contato direto deles é com o Emiliano, com o Fasano e, mais recentemente, com o Tivoli Mofarrej.

“São produtos ainda muito diferentes, mas que têm uma mesma faixa de preço e são relativamente próximos uns aos outros. Há clientes que adoram os três, há os que gostam mais do Fasano e também há os que adoram o Unique e não trocam de jeito nenhum. Ou seja, é algo saudável”, expõe.

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Retrofit infindável
Para que todos estes trâmites corram em ordem e a concorrência continue sendo algo benéfico, a estrutura é ponto chave. Devido ao seu formato, o Unique tem andares com mais ou menos apartamentos – alguns têm três UHs, outros, 19, para citar baixo a disparidade. Isto, por si só, impossibilita reformas no tradicional sistema hoteleiro – que comumente mantém um ou outro andar fechado, em manutenção, e opera apenas alguns pavimentos.

Por isso, segundo a hoteleira, sempre há três quartos passando por melhorias no decorrer do ano. Em 2012, esta revolução atingiu também as suítes presidenciais.

Religiosamente nos meses de janeiro as áreas de eventos são reformuladas durante cerca de 20 dias – época em que a procura é menor. “Neste ano trocaremos toda a iluminação por LED e as madeiras das paredes”, revela.

Câmeras de segurança de toda a unidade também foram substituídas no ano passado, e a mobília da piscina foi trocada por equipamentos novos, porém do mesmo modelo.

As mudanças irrefreáveis vão ao encontro também do conceito Unique, chancelado pela Design Hotels. A unidade é a única paulista com o selo. Melissa Oliveira explica que a arquitetura, neste aspecto, é primordial.

“É algo muito mais conceitual do que uma série de regras. Recebemos um analista praticamente seis vezes ao ano. Eles pontuam se há algum problema, mas é um sistema que funciona muito mais como uma instrução”, esclarece.

Este coletivo de burburinhos, enfim, é o que mantém na lista de habitues e admiradores do Unique dondocas da moda, cinéfilos, boêmios, milionários, socialites e afins – um marketing pra lá de funcional e, aparentemente, infindável.

“A grande maioria das pessoas gosta de ver o burburinho, de ver o artista, enfim. É algo saudável”, conclui.

Serviço
www.hotelunique.com.br
www.ruyohtake.com.br