Almoçar com Carl Emberson é em si uma aula de hospitalidade. O gerente geral do Grand Hyatt São Paulo – ele fez a abertura do hotel em 2002, foi para o Park Hyatt Mendoza, na Argentina, e voltou há poucos meses para cá – é o carisma em pessoa. Em meio às delícias do novo menu do restaurante Eau – com assinatura do chef francês Laurent Hervé -, a nossa entrevista teve algumas interrupções… para dar boas-vindas à hóspede australiana que havia acabado de chegar, cumprimentar o CEO mundial da GE, e um dos diretores da Accenture.

Com a mesma naturalidade com que recebe os hóspedes, ele conta sua trajetória profissional, fala do mercado de São Paulo, dos números do Hyatt, dos desafios da carreira ou de como saiu cedo da casa dos pais, já que nasceu nas ilhas Fiji, no meio do Pacífico, e foi estudar na Austrália. Confira abaixo os principais trechos desta divertida conversa.

Por Chris Kokubo

 
Carl Emberson, gerente geral do Grand Hyatt São Paulo
(fotos: Gabriel Guirão)

 
Hôtelier News: Qual foi o balanço do Grand Hyatt São Paulo em 2007?
Carl Emberson: Historicamente, foi o nosso melhor ano desde a abertura do hotel, em agosto de 2002. A diária média de 2007 ficou em torno de US$ 163 e a ocupação chegou próxima dos 70%. É um hotel jovem, deve estar chegando ao seu ponto ideal, seguimos crescendo ano a ano. E o crescimento não é somente na ocupação, mas também na área de eventos. Tivemos vários meses com recordes no espaço Grand Hyatt. 

HN:
Qual o público alvo do hotel?
Emberson: É o hóspede a negócios. Nosso público é principalmente brasileiro, que representa mais ou menos 40%. Depois, com aproximadamente 20%, vem o mercado dos Estados Unidos, um mercado importante, é aquele passageiro que gosta do padrão Hyatt. Depois, vem a Inglaterra, Alemanha, Argentina, Chile, Venezuela, México. Se somamos os países, recebemos mais europeus do que americanos.
 
HN: Como é a relação com a concorrência?
Emberson: O mercado de São Paulo é muito competitivo, é uma cidade atípica se comparamos com Buenos Aires ou Londres. Nessas cidades, os hotéis têm a vantagem de receber hóspedes de negócios durante a semana e muitos a lazer no sábado e domingo. No entanto, em São Paulo sai o business e não chega muito turista. É diferente do Rio, por exemplo, onde vemos uma mistura de negócios e lazer. São Paulo não é assim, é a característica do mercado. Nossos concorrentes são muito bons. Hilton, Renaissance, WTC, estamos todos no mesmo nível. A relação com a concorrência é saudável, estamos sempre de portas abertas, queremos sempre melhorar o destino. Inclusive, podíamos um dia organizar um almoço entre os gerentes gerais dos principais concorrentes, seria interessante.
 
 
 
HN: Quais são as metas do Grand Hyatt SP para 2008?

Emberson: Financeiramente, queremos manter o posicionamento do Grand Hyatt São Paulo como um hotel líder não só de São Paulo, mas do Brasil, referência de qualidade, de gastronomia, produto e serviço. Além disso, queremos ter um crescimento de 2 ou 3 pontos na ocupação e seguir o aumento natural da diária média. Se a economia do país cresce, nós crescemos. É importante focar o crescimento sem perder na qualidade nos serviços. Não adianta ser ganancioso, querer crescimento de 30% e sacrificar a qualidade. Depende muito do comportamento do mercado. O objetivo é sempre ter um crescimento superior à inflação, um crescimento natural. O valor do dólar também influencia, já que a nossa tarifa é nessa moeda.

É importante ressaltar que o crescimento não é resultado somente da diária média. É uma mistura de eventos, da gastronomia, do RevPar, do gerenciamento dos gastos – como entregar um produto de qualidade com um preço rentável, que traga lucro, que satisfaça os sócios. Não adianta ter uma diária média alta e gastos abusivos sem planejamento. A diária média é mais um ingrediente do sucesso do negócio.

HN: O setor de eventos representa quanto da receita?
Emberson: Eventos no Hyatt é um negócio por si próprio, é muito forte, representa cerca de 40%. O nosso grande desafio é manter qualidade nos dois segmentos, já que nosso posicionamento é forte tanto na área de eventos quanto na área de hospedagem.

 

Emberson e Silvio Araujo, diretor de Marketing do hotel
 
HN: Quantos colaboradores tem o Grand Hyatt SP hoje?
Emberson: São cerca de 500, entre fixos e temporários. Pensar nos colaboradores é muito mais importante do que pensar na diária média. Sempre fazemos investimentos, treinamento, focamos bastante nos recursos humanos. Uma vez por mês fazemos um almoço e um café da manhã da gerência com eles, temos academia de treinamento, programa de incentivo e retenção, cursos de inglês, comemorações. E as festas para os colaboradores têm a mesma qualidade das que fazemos para os clientes. Temos também o programa Celebrando nossa gente, que acontece no final de março e é uma ação da Hyatt no mundo inteiro, em que as pessoas mudam de funções, nós celebramos os colaboradores. Cada ano tem uma temática diferente. Promovemos também intercâmbios entre colaboradores. Daqui, já saíram algumas pessoas para os Emirados Árabes, para a Austrália… Temos também o programa de trainee gerencial da Hyatt, de dois anos, em que a pessoa sai do país. Os colaboradores se inscrevem e passam pelo processo seletivo.
 
HN: Como funciona a hierarquia da Hyatt?
Emberson: Todos os hotéis da América Latina se reportam ao México, onde está a base da Hyatt América Latina, onde fica o Myles McGourty, vice-presidente da Hyatt para América Latina e Caribe. Ele confia no nosso trabalho, sabe que vamos seguir o padrão da marca. Aqui, a minha função é levar adiante o bom trabalho que vem sendo feito, construir sobre a boa base que o McGourty deixou no Grand Hyatt São Paulo, levar esta base para outros níveis com o time que ele preparou.
 
Myles McGourty, vice-presidente da
rede para América Latina
(foto: arquivo HN)

HN: Quais são os novos projetos da rede na América do Sul?
Emberson: Hoje temos dois hotéis na Argentina, um no Chile e um no Brasil, e os planos são abrir mais unidades nos três destinos. Além disso, há projetos no Uruguai e na Costa Rica.
 
HN: Quais são as ações ambientais e sociais que o Grand Hyatt São Paulo realiza?
Emberson: A Hyatt acaba de nomear um vice-presidente para cuidar da parte de sustentabilidade e nós temos várias ações ambientais, como reciclagem de papel e de lixo, é algo que já faz parte da nossa filosofia.

 
Um exemplo das nossas ações sociais são as bolsas de estudos que o hotel oferece para alguns colaboradores, como curso de inglês instrumental, e a nossa participação no Youth Career Initiative, do qual já fazem parte a Marriott e a InterContinental Hotels Group. Aqui em São Paulo, o pioneiro nesse projeto foi o Renaissance. São quatro horas de aula teórica e depois mais quatro de prática, tudo no hotel. A idéia é empregar essas pessoas depois. É um programa de origem inglesa que traz pessoas de baixa renda para o hotel e oferece durante um ano um curso de capacitação e auxílio para a família.
 
HN: Como foi que o senhor começou na hotelaria?
Emberson: Eu nasci nas Ilhas Fiji, no meio do Pacífico, e fui educado na Austrália. Meu pai é das Ilhas Fiji e minha mãe é australiana. Comecei a estudar Direito em 1980, minha mãe viu que eu não gostava daquilo e sugeriu que eu fosse trabalhar como barman em Sidney. Foi aí que comecei, era um restaurante temático que simulava um cruzeiro pelas ilhas do Pacífico: Samoa, Fiji, Tonga. Como eu nasci em Fiji, adorava aquilo, era algo que eu conhecia. Foi bem legal. Queria começar a estudar hotelaria, mas meus pais não deixaram. Eles diziam que, como eu já tinha me frustrado uma vez na faculdade, deveria primeiro trabalhar por três anos e, se gostasse, eles me mandariam estudar na Suíça.
 
Ilhas Fiji, no Pacífico Sul
(imagem: lib.utexas.edu)

Com 22 anos, fui da Austrália para a Europa estudar. Primeiro trabalhei no Hilton de Londres como garçom e durante as minhas práticas profissionais, comecei no Hyatt. Ficava seis meses na Suíça estudando na Les Roches e seis meses em outro país, trabalhando. Passei pela Bélgica, pela Inglaterra de novo… Foi quando conheci minha esposa, estudávamos na mesma escola. Ela é uruguaia e foi em Punta Del Este onde abrimos nosso primeiro restaurante, para onde escapávamos no verão, nas férias escolares. Eu fui o chef durante os dois primeiros anos, gostava de cozinhar. Tivemos este restaurante durante oito temporadas. Durante o verão ficávamos em Punta e no inverno íamos trabalhar no centro de esqui Las Leñas, na Argentina, muito chique.

Quando não tínhamos filhos funcionava bem, mas depois que a nossa primeira filha nasceu, vimos que não dava para continuar com aquela vida cigana. Era divertido, mas muito duro, a gente trabalhava sem parar e viajava muito. Quando os filhos vêm, as coisas mudam. Tenho duas filhas, uma de 15 anos, que nasceu em Montevidéu, e outra de 13, que nasceu em Buenos Aires.
 
Tivemos esta vida dividida entre Las Leñas e Punta del Este por seis ou sete anos, e era divertido porque muito do mercado que frequentava a Argentina depois ia para Punta. Nessa época conhecemos muita gente porque o brasileiro que queria esquiar, por exemplo, ia para o Uruguai no verão.

 
Bom, depois, em 1994, abrimos um restaurante italiano em Porto Madero, Buenos Aires, quando ainda não tinha nada por lá – hoje são mais de 100 restaurantes. Depois, abrimos outro em Buenos Aires e em seguida um em Pinamar, no litoral argentino. Ou seja, fiquei no mundo dos restaurantes de 1994 a 1998, mais ou menos. Foi quando me cansei e decidi voltar à hotelaria. Em 1999 comecei no Hyatt Acapulco, no México. Daí em diante, não saí mais da rede. Fiz a abertura do Grand Hyatt São Paulo em 2002, depois fui para o Park Hyatt Mendoza, e agora voltei a São Paulo. Já me sinto latino, não vou a nenhum outro lado.
 
HN: Como foi administrar o Hyatt de Mendoza?
Emberson: Foi uma experiência ótima. Implantamos o Masters of Food & Wine South America ano passado, uma idéia do Hyatt da Califórnia, e foi um enorme sucesso. Este ano teremos a segunda edição. Em breve queremos trazer algo parecido para o Brasil, um evento gourmet durante uma semana, adaptado à marca Grand Hyatt. Este tipo de realização faz parte da cultura Hyatt. Não é somente um hotel, é a gastronomia, o serviço, o coffee break. Um diferencial dos hotéis da rede são os ótimos restaurantes, freqüentados não somente pelos hóspedes. A Hyatt é uma rede mundial, muito grande, mas preza o tratamento personalizado, diferenciado. É lindo fazer algo assim, implantar algo desse nível. Você vai embora e o evento fica lá por anos.
 

Park Hyatt Mendoza, na Argentina
(foto: hyatt.com)
 
HN: E como o senhor vê a formação profissional hoteleira no Brasil?
Emberson: A base da formação em hotelaria no Brasil é bem sólida. Isso pode ser confirmado pela procura das renomadas escolas de hotelaria mundiais por convênios e acordos com universidades do Brasil. Há também muitos brasileiros que estudam no país e conseguem bons cargos no exterior.
 
HN: Que conselho o senhor dá para os recém-formados que querem alcançar uma posição como a sua?

Emberson: Cada etapa tem que ser cumprida, não se pode queimar nenhuma. É preciso trabalhar de garçom, de recepcionista, camareira… tem que começar de baixo e ter paciência. É importante saber de tudo um pouco, entender o processo a partir da base, entender do operacional, do marketing, de vendas. Se a pessoa tiver oportunidade, é fundamental viajar e conhecer o mundo. E, principalmente, estar seguro de que você gosta de pessoas. Tem que gostar, não é uma profissão fácil. São 11, 12 horas diárias. Você chega às 7h da manhã, vai embora às 8h, 9h, 10h da noite.

É preciso ter flexibilidade também. Quando você muda muito de país, vê que as culturas são diferentes. Mexicano é diferente de brasileiro, que é diferente de argentino. É necessário ter jogo de cintura, saber se adaptar ao meio ambiente em que você está.

Além disso, hotelaria é uma área bem ampla, não são só os hotéis cinco estrelas. É preciso gostar. Em outras profissões, você até agüenta mais tempo se não gosta. Na hotelaria não. Não tem natal, ano novo, carnaval, feriado. Em São Paulo o natal não é tão cheio, mas imagine um hotel no Havaí, um resort na Bahia. Você tem que ir servir os hóspedes e a sua família fica em casa. Tem que gostar muito da área e saber que terá que se sacrificar em muitos aspectos.
 
Grand Hyatt São Paulo, na zona sul da cidade
(foto: hyatt.com)
 
HN: Quantas línguas o senhor fala?
Emberson: Quatro línguas: inglês, português, espanhol e francês. O fijiano não conta, né? Tonga, Samoa, Fiji, cada uma tem uma língua. A minha avó morava em Tonga, e quando íamos para lá eu entendia algumas palavras. Eu sempre misturo um pouco as línguas. Quando temos algum colega novo estrangeiro, nós fazemos algumas reuniões em inglês, mas eu particularmente não gosto muito.
 
HN: O que o senhor gosta de fazer quando não está trabalhando no hotel?
Emberson: Eu jogo golfe, jogo golfe, jogo golfe… bom, eu gosto de jogar golfe, gosto de churrasco, vinhos, restaurante, família… não, é melhor começar de novo: família, golfe, churrasco, vinho, restaurante, amigos, esporte… gosto de todos os esportes, de futebol, fórmula 1, sou corinthiano, gosto de ir ao estádio. Gosto de concertos. Aliás, isso é algo muito bom em São Paulo, que promove muitos concertos. Tenho uma turma de amigos que vai a um concerto a cada duas semanas mais ou menos. É preciso curtir a vida.
 
O gerente em um evento no Grand Hyatt São Paulo
(foto: Chris Kokubo)
 
HN: São Paulo ou Mendoza?
Emberson: Adoro o hoje. A regra tem que ser essa. Eu me mudo a cada três, quatro anos. Nos primeiros meses você fica com saudades. No entanto, desde pequeno eu me separei dos meus pais, já que eu ia para escola na Austrália e eles moravam em Fiji, e acabei me acostumando. Tenho muitos amigos, isso é importante. Por isso, sempre que me mudo, a cada seis meses mando minhas filhas passearem onde moramos anteriormente, para que elas possam cultivar as amizades. Eu disse a elas: vamos ao Brasil, mas no carnaval vocês voltam, para elas não ficarem tristes.

Quando fui a Mendoza, não sabia que voltaria a São Paulo. Queria, mas não sabia. Minha família também gosta da cidade, e é muito importante que a família esteja feliz.