Sobrados com mirantes tomam os olhos de transeuntes que circulam pela capital maranhense
(fotos: Dênis Matos)

Às três da manhã, a capital maranhense vivia um silêncio orgânico. Foi com esta percepção que fui recebido pela cidade: ruas inóspitas, uma quietude aguçada e luzes enfileiradas que davam tom à negridão em meio ao vazio que se via nas casas coloniais do centro de São Luís. Um casal hipponga, que parecia estático e vivendo os idos da década de 1960, dormia junto à praça principal num coreto. Nem mesmo gatos ou ratos, irrequietos seres da noite, caminhavam pelo ar taciturno que se desenhava nas ruelas de paralelepípedo.

Com o chegar do dia, esta suavidade aguda perdia espaço para o sol de mais de 35 graus. Era hora de ver São Luís sendo, suas cores, o Cais da Sagração virando areia, as casas coloniais já revitalizadas contrastando com as ruínas de residências carregadas de anos de decadência, o povo com sorriso largo acenando como se vissem amigos de um tempo incontável. Mesmo nesta fervura, o município seguia harmônico.

Daí se vê por que é desforme por essência a chamada "Ilha do Amor". Tal insígnia plural começa a fazer verão por lá. Única do País fundada por franceses, nos idos de 1612, a cidade descrita acima tem atraído turistas de outros estados e países interessados nestes paradoxos aparentes. Tal momento não é via de regra, mas parece começar a ganhar corpo.

No final dos anos de 1990 foi dado o pontapé para o nascimento de um turismo local, com o chamado Centro Histórico de São Luís sendo reconhecido como Patrimônio Mundial pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) por seu conjunto arquitetônico colonial português.


Caminhando pelas ruas, ainda é possível cruzar alguns
casarões abandonados à mercê do tempo

Ah sim, os portugueses colonizaram a capital maranhense, em 1621, após expulsarem seus vizinhos francófonos e elevarem o município à sede do Estado do Maranhão. Em 1641, foi ocupado por holandeses, que até fevereiro de 1644 permaneceram por lá. Nessas idas e vindas, uma ebulição cultural transformou São Luís num lugar sincrético, de origens amálgamas. Daí a arquitetura dos mais de cinco mil prédios distribuídos nos 220 hectares do Centro Histórico – grande parte deles sobrados com mirantes – ter traços dos preciosos azulejos portugueses e, em contrapartida, seguir de mãos-dadas com uma personalidade estética que vez ou outras está para o tupiniquim. Mais de cinco mil casas foram catalogadas.

Contudo, com o desmoronar de algumas delas e a restauração de outras, este número não é tão preciso. Preciso é o fato de que tal momento fez nascer o turismo para o destino ludovicense e que, notadamente, o mercado local está banhando-se nesta cachoeira de águas ainda brandas – mas correntes. Some-se a isto o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, criado nos idos de 1981 e próximo a Barreirinhas, cidade a cerca de 260 km de São Luís, outro atrativo desconcertante do Estado, e uma frente política que descobriu no turismo um meio possível de desenvolvimento.

No ano em que São Luís apaga sua 400ª velinha, o Hôtelier News foi ver in loco esta nova fase do turismo e, inevitavelmente, entender seu nascimento e o que é a vida no Estado do Maranhão.

Por Dênis Matos*


Pela manhã, as águas do Cais da Sagração dão lugar à areia úmida

Da ficção para o real
Preta de Souza Lambertini vendia ervas numa barraca junto de sua mãe. Numa roda de Tambor de Crioula, a moça negra dançava com seu vestido rodado e colorido, adornado por decotes e babados. O rodopiar da garota tomou os olhos de Paco, que se apaixona por Preta e, sim, era amor à primeira vista.

O clichê descrito acima foi uma das coisas que levou o Maranhão para o resto do País – quiçá do mundo – quando a atriz Taís Araújo fez par com o ator Reynaldo Gianecchini para contar a história do casal protagonista de Da Cor do Pecado, novela global exibida em 2004; época em que o turismo começava a despontar como receptivo no Maranhão.

Quando estive por lá, pude ouvir tal explicação de João Marcelo Rodrigues Barbosa, turismólogo e guia de turismo que me trouxe à luz muitos pormenores da região.

Passado recente
Em 1980, ele contou, o Centro Histórico de São Luís era sinônimo de descaso, com problemas de limpeza urbana, casas invadidas e uma população de indigentes que vivia do consumo de drogas desenfreado pelas ruas da capital. O Projeto Reviver, criado pelo então Governo do Estado, foi minguando tal situação.

Dividido em fases distintas, o programa reestruturou as fachadas de importantes pontos da cidade. Posteriormente, as redes de água, esgoto e drenagem foram renovadas, e as fiações de telefonia e energia elétrica retiradas e substituídas por novas instalações subterrâneas. Também os postes de concreto da iluminação pública cederam lugar aos de ferro fundido, arandelas e lampiões. Todo o projeto foi tocado com esmero, tendo como baliza fotografias do início do século 20 para preservar ao máximo a unidade do conjunto arquitetônico, restaurando o aspecto original descaracterizado ao longo dos anos.

Cerca de 8 mil m² de imóveis foram revitalizados. Antes dessa época, havia alguns indícios de turismo de negócios por lá, estimulado por um desenvolvido setor industrial e por grandes corporações e empresas que se instalavam na cidade devido a sua privilegiada posição geográfica entre as regiões Norte e Nordeste do País. Contudo, isto ainda era imaturo.


Com o título da Unesco, o centro de São Luís começa a
recobrar a tradicional estética dos azulejos portugueses

Conscientização de um programa turístico
Com a chancela de Patrimônio Cultural da Humanidade, em 1997, o município começa a ganhar novos olhares. “Entre 1998 e 1999, com este título, trabalhamos com a população a conscientização do que poderia ser modificado. Cerca de 5,5 mil casas foram catalogadas, mas as chuvas derrubaram alguns desses casarões”, relembra o guia. “Muitos deles foram invadidos há muito por famílias locais, que estavam lá há mais de 20 anos e exerciam o direito de usucapião [quando o cidadão toma posse de determinado bem em decorrência do uso por tempo específico]”, completa. Daí reverbera um problema ainda presente em São Luís.

Alguns moradores começaram a alugar estes casarões, agora Patrimônios Históricos, ou a tentar vendê-los para europeus – que se dispunham a pagar mais do que o Estado. Outro ponto, segundo Barbosa, é que o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) exige inúmeros padrões para restauração do imóvel, o que inviabiliza muitas vezes a compra. Estes detalhes ocasionam, ainda, um ostracismo quanto ao que vai ser feito com alguns imóveis.

Consolidação
Apesar dos entraves, o setor turístico já conseguiu elevar sua condição no Estado. Por volta de 2000, redes hoteleiras iniciaram um processo de incorporação e construção de hotéis em São Luís. A CVC criou voos fretados. Anos à frente, surgiram opções de voo saindo de São Paulo e do Rio de Janeiro. Em meados da década passada, construtoras ampliaram o mercado imobiliário local, o que começou a atrair o turista de negócios.

Esta série de processos ainda reverberam uma nova realidade para a indústria turística ludovicense – e, por consequência, para todo o Estado. A fundação francesa, por si só, tem atraído muitos europeus para o destino, principalmente pelo mês de agosto, época de férias na Europa. Os festejos populares, como o junino e o de Bumba meu Boi, são outros fomentadores.

Cidade de pedra
Claro, a arquitetura é o primeiro grande chamariz. O guia turístico me explica o porquê disto: Pedras, azulejos, guirlandas e fachadas de séculos passados são parte do gosto dos turistas. Tudo, sublinhe-se, ranço da intervenção portuguesa. À época de colonização de São Luís, Portugal passara por um desastre natural e ganhara ruínas de pedras lioz, um tipo raro de calcário existente naquele país.

A medida era simples e ainda hoje praticada, com tom trágico, sublinhe-se: as pedras – entulhos – eram trazidas para o Brasil a cada viagem e despejadas em São Luís.

Por serem transportadas em navios de escravos e ficarem se chocando umas às outras, as rochas emitiam um som, reza a lenda, que deu a elas o nome de “cantaria” – apelido adotado pelos ludovicenses. Os casarões da capital maranhense foram construídos utilizando as tais pedras, principalmente nas paredes.

Ocorre que – e aqui vale a piada contra os portugueses –, com o cair das chuvas, elas acabavam fertilizadas e ganhavam indícios de um mato que crescia pelas paredes, o que não funcionava muito bem nem do ponto de vista estrutural nem do ponto de vista estético. É aí que os azulejos entram em cena, tanto para minguar o matagal quanto para dar novos traços arquitetônicos. Mosaicos começam a ser feitos com os azulejos, sob influência da estética francesa do século 19, e São Luís ganha os ares que deslumbram até hoje os visitantes.

Lençóis Maranhenses
Mas se o fato histórico por si só não faz o gosto do visitante, é a visita aos Lençóis Maranhenses que deve trazer jus à viagem ao Maranhão. São ao todo 155 mil hectares às margens do Rio Preguiça, região nordeste do Estado, cerca de 270 km², com dunas de 40 metros e lagoas de água doce. A visita ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses é algo que foge à objetividade da atividade jornalística, o discurso não dá conta.

A aproximação com o natural é tanta que soa até irreal o que se vê. Para um paulistano – a exemplo deste que você agora lê – que não consegue nem mesmo se apaixonar por uma esquina da metrópole sem que na próxima semana ela se altere, a experiência é desconcertante.


Azul que cega os olhos nos Lençóis Maranhenses

As águas transparentes, os castelos de areia que se formam aos olhos e o resquício de vegetação seca que aparece em meio ao caminho são estonteantes. Uma particularidade, que faz coro à ilogicidade perfeita do que é a natureza, é que essas lagoas secam em épocas de estiagem. Por isso, em tese, os peixes que ali figuram virariam lenda. Porém não é o que ocorre e, quando as chuvas retornam, os animais retornam.

A especulação é que ovos permaneçam abaixo da areia e, com o calor e a retomada das chuvas, acabam se transformando em seres vivos. Questões biológicas à parte, os Lençóis ocupam uma área que abrange os municípios de Barreirinhas, Humberto de Campos, Primeira Cruz, Santo Amaro do Maranhão e Paulino Neves. São regiões extremamente simples, cuja população vive ou do turismo – ainda incipiente – ou do comércio local. Há até mesmo algumas populações ribeirinhas que moram às margens do Preguiça, em cabanas de sapé, sem saneamento básico e, em sua grande maioria, sem energia elétrica.

Turismo representa 70% da economia local
À época da reportagem, Albérico de França Ferreira Filho, prefeito de Barreirinhas, recebeu a imprensa para falar sobre o crescimento do turismo local e sobre o momento de estruturação que ele afirma ocorrer. Articulou que atualmente 95% do esgoto sanitário é tratado.

Disse que no ano passado a cidade recebeu 186 mil turistas – sendo 80% deles do próprio Brasil (do total de viajantes domésticos, 30% são do Maranhão e mais de 50% de São Paulo) e 20% estrangeiros (principalmente europeus, com destaque para italianos e portugueses).

Atualmente, 60% dos 56 mil habitantes de Barreirinhas vivem do turismo – atividade que representa entre 70 a 80% da movimentação econômica do município. O restante é proveniente de artesanato, pesca, agricultura e da produção de Tiquira (cachaça de mandioca tradicional no Maranhão).

Se desenvolvida, a atividade turística local tende a minguar a pobreza da região, melhorando a condição de vida dos moradores e, em contrapartida, deteriorando estes patrimônios naturais se não feita de forma sustentável. Daí o paradoxo.

Serviço
www.saoluis.ma.gov.br
www.ma.gov.br
www.barreirinhas.ma.gov.br
www.parquelencois.com.br
www.skalbrasil.org.br

* O jornalista do Hôtelier News viajou ao Nordeste do País a convite da Skal.