Mônica Sâmia, diretora Executiva da Braztoa, e Margaret Grantham,
diretora 
de representação de Marketing Brasil do DZT
(fotos: Filip Calixto)

Devidamente paramentados, participantes de um bike tour pela capital alemã ouvem instruções do guia que, como se prevê, fica responsável por escolher o caminho e as atrações mais indicadas para apresentar aos visitantes. Germânico de Berlim, Mathias Petersclarf, faz as honras num inglês quase natural, intercalando com algumas frases em espanhol e palavras em português. O grupo que ele acompanha é formado por brasileiros. Representantes de operadoras turísticas e jornalistas do segmento que durante seis dias emprestam seus ouvidos e olhos a lições e cenários variados numa viagem guiada por um tema: sustentabilidade. Avisados sobre as características da jornada, os participantes são previamente orientados a levar sapatos leves, bagagens compactas e disposição, tanto física quanto intelectual. Do local onde a caravana sai – um centro cultural com atrações de distintas modalidades -, outros tantos passeios semelhantes partem diariamente com estudantes, turistas, moradores da cidade; sempre em grupos de, no máximo, 15 pessoas. Petersclarf abre o caminho da pedalada enquanto o conjunto luta para coordenar pernas, braços e olhos, na intenção de sincronizar equilíbrio e visão periférica suficiente para gravar na memória como são as esquinas da cidade e não desabar.

Não à toa, a atividade tem sentido maior que apenas o passeio. É fragmento de uma programação específica e conjunta que convidou representantes de empresas historicamente engajadas e aparentemente interessadas em praticar métodos de preservação ambiental, acessibilidade e conservação do laço que une ações sustentáveis e turismo. Realizada pela terceira temporada consecutiva, a viagem é de iniciativa e organização da dobradinha Braztoa (Associação Brasileira de Operadores de Turismo) e DZT (Centro de Turismo Alemão), que justifica a ideia como uma maneira de provocar entidades privadas para o assunto utilizando como exemplo uma nação que convive habitualmente com essa realidade. 



Não de hoje, a preocupação alemã com o chamado regime sustentável tem a Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, como página a ser lembrada. Desde este período, o governo do destino vem se mobilizando nesse sentido. A prova maior do compromisso foi a criação da Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável, que se baseia em quatro princípios: equidade entre as gerações, qualidade de vida, coesão social e responsabilidade internacional. Presente no Rio+20, também realizada na capital fluminense, Peter Altmaier, à época ministro Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento e desde 2013 ministro de Assuntos Especiais da chanceler Angela Merkel, frisou a importância do episódio da década de 1990 e fez menção a um conceito transformado em diretriz, a economia verde. "Combina o crescimento econômico com o manejo eficiente dos recursos limitados do nosso planeta", definiu Altmaier, em entrevista publicada pelo portal da Representação da República Federativa da Alemanha no Brasil. 



Explorada com facilidade pelos governantes, a temática excede o universo político e paira nas conversas comuns de habitantes. Responsável pela primiera atividade da programação sustentável organizada por Braztoa e DZT, Christian Tänzler, que cuida da relação com a imprensa dentro do Visit Berlin – entidade turística do município -, enumera fatos corriqueiros que escancaram o quão arraigado o pensamento sustentável está no raciocínio do cidadão germânico. "Chamo Berlim de cidade verde por conta da maneira de viver que o morador tem. Mas a Alemanha em si também é assim", diz. Como argumento para definir o lugar onde vive, Tänzler cita a preferência que transportes coletivos e bicicletas tem no trânsito em detrimento dos automóveis; fala sobre um projeto aparentemente impensável na realidade brasileira que é compartilhamento de automóveis; a respeito do cuidado com a alimentação que dá preferência a especiarias totalmente orgânicas; e cita a preocupação que as contruções têm em adaptar formas de evitar desperdício e otimizar os recursos naturais.


Atual centro de atividades culturais, o Kultur-braurei abriga um projeto que desvenda Berlim sobre duas rodas

"Entendamos Berlim como exemplo. Estamos falando de uma cidade que oferece 28 restaurantes veganos, que congrega ateliês de moda com foco na utilização de material reaproveitado, tem 20 empresas fornecedoras de carros para aluguel, tem média de 386 carros para cada mil pessoas, cerca de mil quilômetros de ciclovias, carros híbridos e cujo tráfego diário pelas ruas é composto em 20% por bicicletas", comenta o representante do Visit Berlin, durante um jantar num restaurante vegetariano responsável por inaugurar o cronograma de atividades da viagem. No entendimento dele, todos esses elementos são partes de uma engrenagem que não nasceu pronta e apenas agora começa a funcionar automaticamente. "Tudo é parte de um estilo de vida. Que inclui a gastronomia, passa pela hotelaria, pela moda [há dentro da semana de moda do município desfiles dedicados 'modelos verdes'], por transporte, arquitetura, consumo de água e assim por diante".

Hoje natural, tanto envolvimento social nem sempre foi assim mas a recente história de um país dividido ajuda a compreender melhor as razões para o comportamento coletivo. "Levou alguns anos para chegarmos a este nível de conscientização", admite. Um exemplo frequentemente usado por Tänzler para traduzir o estilo de vida alemão vem dos costumes gastronômicos. "Depois da guerra e durante a separação feita pelo muro não havia muitas opções de comida. Nos tornamos, dentro da Europa, um dos países que tinha menor gasto médio por cidadão com alimentação, extamente pela ausência de qualidade. Agora, vivendo outra realidade, com acesso mais fácil a diversos produtos, uma cultura diferente de alimentação passou a fazer mais sentido e incentivou a melhor alimentação da população". 

A mesma atenção empenhada no cuidado com a alimentação vale também para outros ramos pouco parecidos e isso foi o que a viagem colocou frente aos participantes. Imadiatamente após ao passeio de bicicleta, iniciativas comerciais regidas pelo conceito de sustentabilidade surgem como o centro das atenções. Abrindo a parte de produtos eco-lifestyle dentro do cronograma, dois ateliês de costura. No primeiro deles, uma estilista com origem oriental utiliza peças de roupa usadas e prestes a serem descartadas para construir coleções de moda inteiras. Dúzias de araras com peças de todo tipo mostram que não é o fim da linha para calças jeans que viram jaquetas, camisetas que são transformadas em saias, numa imensidão de possibilidades que partes do "lixo". Algumas ruas ao lado está a loja recém-aberta de Isabel Vollarath, também estilista e não menos criativa. Conhecida no cículo social da moda europeia, Isabel usa materiais bem distante do convencional para mostrar seu talento com a alta costura. Dentro de sua loja estão vestidos feitos com câmaras de bicicleta usadas, sapatilhas de balé gastas, sacos de pão, fardas antigas e fios de eletricidade.

Seguindo a agenda, um restaurante completamente vegano e algumas lojas com produtos certificados ambientalmente passam sem prneder totalmente a concentração. No entanto, de passagem pela região central da metrópole, em Kreuzberg, aberta para quem quiser conhecer, está a Prinzessinem Garten. E esse sim prende a atenção. O local é um parque que mescla atividades culturais com culto a natureza. Além do aspecto inusitado qjue a localização confere, o ambiente se faz interessante pois foi construído por iniciativa dos moradores da região que enxergaram no terreno baldio a possibilidade de construir um espaço comum e agradável evitando inclusive a construção de edifícios no lugar. 


Dentro da capital alemã, há pelo menos 16 ruas que tem as bicicletas como
veículos preferenciais. Nelas, os carros precisam andar com mais cautela

Sempre de ouvidos atentos e no pelotão de frente, ao lado de Margaret Grantham, diretora da DZT para América do Sul, seja lá qual for a atividade, está Mônica Sâmia, diretora executiva da Braztoa e uma das organizadoras da expedição. De acordo com ela, a ideia de reunir representantes de empresas e promover a interação com novos métodos de exercer a sustentabilidade é, mais que qualquer outra coisa, uma maneira de provocar o setor todo para o raciocínio dessa problemática. "A gente ainda não sabe a resposta que queremos receber com esta ação. Mas o que sabemos é que precisamos tentar fazer coisas novas. Precisamos nos exigir e olhar pra frente pensando sobre o que vem por aí, no que podemos mudar, melhorar, entender qual é a parcela individual de responsabilidade de cada um como turista e como empresa que promove o turismo".

A diretora fala como representante da entidade que, por meio das operadoras e agências associadas, comercializa cerca de 90% dos pacotes turísticos vendidos dentro do Brasil anualmente. Na sede da organização, em São Paulo, nasceram algumas ideias que convergem para esta seara. O maior exemplo dessas ideias é o Prêmio Braztoa de Sustentabilidade que busca mostrar iniciativas inovadoras de desenvolvimento sustentável ligadas ao turismo. Em 2014, o case premiado foi o paulista Hotel Fazenda Parque dos Sonhos que esteve representado na viagem por um dos proprietários, Sérgio Franco.

"A gente sabe que não poucos destinos no Brasil estão deteriorados porque receberam quantidades enormes de turistas sem ter estrutura necessária. E qual a ação que a gente está fazendo sobre isso? Como é que podemos ajudar esses associados a ganharem dinheiro mas não necessariamente contribuírem para um processo de deterioração desses destinos? Ou para que eles possam trazer mais consciência para esses lugares e conscientizarem esses turistas para na hora que estiverem lá saibam respeitar e conviver com a cultura, a viver de um jeito mais harmônico, não causando impactos tão negativos", pondera. 

Os questionamentos e afirmativas de Mônica não reverberam no vazio. Pelo menos não durante a viagem e não para as empresas que permanecem inscritas no prêmio da entidade e acreditando na eficácia de ações de preservação. O roteiro segue para o Leste alemão, mais precisamente a região da Saxônia, cuja capital, Dresden, concentra as principais atividades econômicas, reúne o maior fluxo turístico e serve de sede para os principais acontecimentos históricos da região há séculos.

Qualquer experiência de conhecimento por Dresden envolve o forte apelo histórico que a cidade sugere naturalmente. Lá nasceu e morreu o Rei Augusto, o Forte, que em meados do século XVIII transformou a capital do Estado numa metrópole de arte no mais alto nível europeu. Por ali ainda estão construções barrocas e neoclássicas suntuosas que resistiram às pelejas históricas nas quais o País esteve envolvido durante o século passado.



Dresden não precisa de produções para encantar.
No ar pairam sensações históricas

Na nova cidade a agenda segue apinhada e a primeira ocupação agendada é uma caminhada noturna por uma das áreas históricas do município – atividade que não faz menção direta ao tema mas resvala nele se levado em conta o quão conservados são os edifícios da região. Há prédios construídos em meados de 1700 e totalmente utilizados até hoje, além de inúmeras curiosidades, principalmente para quem viva sob os costumes de outra cultura. Eis o cenário: ruas pavimentadas com paralelepípedos, prédios baixos de no máximo três andares, fluxo intenso de pessoas, sol brilhando até 21h30 e muitas mesas distribuídas pelas calçadas, cada qual com sua pilha de cervejas. 

Também em Dresden foram revelados alguns meios de hospedagem que seguem a risca as normas ecológicas daquele país. Pertencentes ao mesmo empresário – que aposta fortemente no ramo imobiliário -, Pullman Dresden Newa e o The Westin Belevue Dresden, apesar de serem de redes diferentes, têm cuidados parecidos na questão ambiental. Tanto um como outro respondem de maneira positiva a um questionário que reúne mais de cem axigências sobre aproveitamento de água e luz, normas sustentáveis de construção e manutenção, diminuição de consumo de comida e redução de resíduos, compromisso com a geração de emprego local. Todos os itens cumpridos sob a supervisão de um grupo de fiscalização ligado à prefeitura.

A regressão temporal que o centro histórico da capital da Saxônia obriga o viajante a fazer pode ser elevada a maiores intensidades quando as atenções se voltam para o trecho do Rio Elba que corta a cidade. Navegando por ele, a programação da viagem, que neste momento já está em seu quinto dia, num barco a vapor leva à singela Radebeul, onde se chega a Rota do Vinho de Sachsen. Nas adjacências, o principal produto fabricado, com 80% do total de produção, é o vinho conhecido como riesling, que vem da uva branca e é próprio do território europeu. A fabricação é de baixa escala principalmente por conta da estrutura modesta de confecção e do tipo de processo empregado. Tudo, desde 1977, é feito sem química extra, no que é chamado de plantação biológica. "É um tipo de processo que não utiliza agrotóxicos. O processo é conduzido com a utilização de substâncias naturais", anuncia Antze Nowakowski, gerente da produção e responsável por apresentar toda a estrutura da principal vinícola do município.

O lugar não tem proprietário. É de posse de uma cooperativa que conta com moradores da própria cidade e da capital. Essa associação é responsável por manter o local funcionando e também é quem divide os lucros obtidos com a venda do vinho. Além de financiar a manutenção da produção essa cooperativa também foi a responsável pela conservação da estrutura que integra a fazenda. Lá há um pequeno local de hospedagem com alguns quartos, um restaurante e um acanhado museu que celebra a tradição do vinho junto à comunidade local. Dentro da principal construção – que já foi uma espécie de casa de refeições do Rei Agusto -, há itens que ilustram o quão forte é a tradição enológica por ali. São quadros com gravuras de antigas festas ao deus Baco, maquinários antigos de colheita, e objetos de quando o lugar ainda era propriedade real.


Antze Nowakowski mostra a história da importância do vinho para a região

Seguindo sob o sol inclemente da Primevera alemã, a trupe ainda passa pela pacata Moritzburg, onde, provevelmente, os três mil habitantes acompanharam o passeio de charrete, e depois chega a Schmilka, que fica a alguns passos da República Checa. Nessa segunda localidade o exemplo sustentável foi cedido pela iniciativa de Hitzer Moritz, um empresário local que começou sua saga um hotel e agora movimenta o povoado de 400 habitantes com mais quatro modalidades de negócios criadas a partir do princípio da união de forças para um fim. Vestindo roupas simples e com as bochechas avermelhadas pelo sol, o alemão revelou que o investimento partiu da família, que inaugurou um hotel tradicional há 50 anos. Contudo, apesar de funcionar em modelo tradicional durante muito tempo, o meio de hospedagem começou a ser adaptado e a privilegiar medidas que cooperassem com o meio ambiente. "Hoje existe um sistema de calefação instalado dentro das paredes, inclusive nos corredores, impedindo que tenhamos aparelhos externos e independentes para cada quarto, além de manter a temperatura constante. Outra medida comum tem a ver com o consumo de energia elétrica. Quando o último aparelho é desligado e permanece assim por algum tempo, todo o fornecimento de energia do apartamento é interrompido porque o sistema entende que não há ninguém no quarto ou que o hóspede está dormindo", explica.

Tal cuidado com as questões de preservação pode ser verificado já no ato de contsrução. Os lugares para abrigar novos quartos do hotel e a recém-lançada casa de sobremesas e chás são totalmente construídos com barro e madeira, sem gesso, e equipadas com placas que captam a luz solar para convertê-la em eletricidade. Mas não para por aí. A principal demonstração de aproveitamento calor para mais de um fim é dada no centro do povoado: em meio ao vilarejo, uma padaria, uma cervejaria, um restaurante e mais alguns quartos hoteleiros fazem uso compartilhado da energia produzida para fabricar os produtos. "Temos aqui um grande forno usado, primeiramente para assar nossos pães mas que colabora no sistema de aquecimento de todas as outras áreas", resume.



O que há na verdade é um esquema complexo de engenharia que direciona o calor do forno de pães para o sistema de calefação de toda a estrutura, fazendo as vezes de aquecedor para a maior parte das dependências e cooperando com as caldeiras da cervejaria no processo de fermentação. Na produção de cerveja outro exemplo engenhoso de como fazer uso de possibilidades que a natureza oferece. Construída sob uma formação rochosa, a fábrica de cervejas mantem os seus produtos em temperatura fria contando com o auxílio das paredes naturais conservadas dentro da construção. As bebidas, depois que engarrafadas, permanecem num estoque, próximas às rochas e separadas do ambiente de produção por portas de vidro que fazem a função de geladeira.


Hitzer Moritz

A vila chamada de Moinho de Schmilka, recebe cerca de 300 mil turistas por ano, muito em função das atrações criadas por Moritz que emprega cerca de 50 moradores com o seu conjunto de estabelecimentos.

"Em síntese, com essa viagem, buscamos um novo olhar para uma ideia que pode funcionar ou não para nós e tirar proveito com a observação mais ampla", resume Mônica sobre a verdadeira motivação da viagem. 

Anfitriã em território alemão, a representante da DZT também faz uma reflexão sobre os resultados da viagem e destaca a importância das histórias e de como as ideias foram concebidas até alcançar o resultado agora aparente. 

Serviço
braztoa.com.br
www.germany.travel
www.brasil.diplo.de