Em geral, destinos lotados parecem sinais de bons ventos para a indústria do turismo. Agora, e quando alguns locais de interesse se tornam tão visados que o ônus da exploração turística passa a superar o bônus? A esse fenômeno se dá o nome de overtourism. Hoje, cidades ao redor do mundo estão alertas à questão, com autoridades municipais buscando alternativas para mitigá-la.

Os efeitos indesejados são de muitos tipos e incluem a degradação do ambiente natural, a sobrecarga na infraestrutura turística e preços inflacionados que podem levar a uma redução do poder de compra e da qualidade de vida de quem vive por ali, além de tornar a experiência de quem visita um pouco mais estressante.

De olho nas últimas notícias que repercutem uma eventual queda na demanda turística em tradicionais destinos nacionais frente a anos anteriores, como é o caso de Gramado (RS), o Hotelier News decidiu conversar com gestores e especialistas a fim de entender melhor a situação. Mais ainda, ouviu hoteleiros para compreender como o segmento pode colaborar na prática.

Overtourism no Brasil

Professor da USP (Universidade de São Paulo), Mario Beni é responsável pela criação do primeiro curso de turismo do país e idealizador do SISTUR (Sistema de Turismo). Para ele, esse é um problema que ainda não se observa no Brasil. “Na verdade, eu acho que ainda não temos um fenômeno significativo de overtourism no Brasil”, comenta.

overtourism gramado

Gramado teve alta expresiva na oferta de leitos

Beni explica que o termo overtourism poderia ser traduzido para o português como algo próximo a “turismofobia”. “O viajante apresenta certa resistência em viajar pelos problemas que esse fenômeno provoca”.

Edson Cândido, diretor de Marketing e Vendas da Aviva, destaca que a superlotação observada em alguns cidades brasileiras se relaciona diretamente com a divulgação em massa de destinos exóticos e de natureza exuberante. “O mesmo ocorre em períodos de grande concentração de pessoas, como Carnaval, Réveillon e grandes shows e festivais”, avalia.

Já Beni teceu considerações sobre o caso de Gramado, muito discutido recentemente, que considera não se enquadrar como um caso de overtourism clássico, já que a cidade possui picos e vales de demanda ao longo do ano.

Quem confirma a avaliação do professor é Cristiane Mörs, diretora de Vendas da Laghetto Hotéis. Segundo ela, alguns destinos como os da Serra Gaúcha possuem o desafio de lidar com as constantes variações da demanda. “E, em função disso, pensar estrategicamente é essencial”, diz.

O Comitê de ESG do Hot Beach Hotéis & Parques, que é composto por Viviane Rizzatti (gerente de Operações), Vinicius Vilela (head de Marketing Corporativo), Marcelo Zamariolo (gerente de Auditoria Interna) e Ana Lucia Gallete (gerente de Suprimentos), também respondeu aos questionamentos sobre o tema do overtourism.

Os executivos destacam que a propriedade, apesar de enfrentar períodos de lotação intensa, ainda não sofre os efeitos do overtourism, já que há um controle sobre o número de pessoas que podem acessar o parque, garantindo a qualidade do atendimento.

Este limite também foi tema do comentário de Edson Cândido, que chamou atenção para a diferença entre a capacidade máxima do Hot Park, no destino Rio Quente (GO), e o número de visitantes que efetivamente é admitido. “O parque aquático tem capacidade para receber cerca de 6 mil pessoas por dia, mas limitamos o acesso a 4 mil pessoas para não comprometer a experiência”, releva.

O Comitê do Hot Beach também destacou a necessidade de colaboração entre o poder público, a comunidade e as empresas do segmento na tomada de decisões sobre políticas que possam ter impactos estruturais em Olímpia (SP). “Buscamos um alinhamento ativo e colaborativo com as autoridades locais, entidades de classe e a comunidade, participando ativamente de discussões e iniciativas que visam ao desenvolvimento sustentável do turismo na região”, comentam os executivos.

Segundo Beni, a colaboração entre autoridades locais, empresas do segmento e a sociedade em geral tem sido a solução encontrada por destinos onde o problema do overtourism já se faz sentir há algumas décadas, como é o caso de Veneza. O professor ainda defende o que chama de “clusterização”, ou seja, a criação de concentrações geográficas em que há colaboração entre os envolvidos.

“Essa governança de controle do cluster só é possível com a contribuição efetiva da iniciativa privada, fornecendo os dados e investindo, porque o poder público sozinho não é capaz de controlar o overturism”, destaca o professor.

Variações de demanda

Entre os personagens ouvidos pela reportagem, a necessidade de colaboração para enfrentamento do overtourism é consenso. “Um ponto importante é o uso de dados para entender o comportamento do turista, o que auxilia no conhecimento das demandas, necessidades, chegadas e partidas e padrões de visitação”, comenta o Comitê de ESG do Hot Beach.

Os executivos também defendem que se criem experiências na cidade capazes de beneficiar moradores e visitantes, além da adaptação de horários de funcionamento e investimentos em infraestrutura, de maneira a amenizar os efeitos do alto volume de turistas.

overtourism fernando de noronha

Beni acha Fernando de Noronha um bom case

Beni cita Fernando de Noronha como exemplo deste tipo de colaboração. “É um modelo perfeito. Por ser uma ilha, devemos ter controle sobre a capacidade de carga, até para preservar o meio ambiente.”

Outra alternativa capaz de incentivar uma melhor distribuição de visitantes ao longo do tempo é a gestão tarifária, avalia a diretora de Vendas da Laghetto. “Um plano de crescimento progressivo das tarifas, de acordo com a antecedência de compra e o período de hospedagem, é a forma mais efetiva de incentivar que nossos hóspedes optem por vir em datas menos concorridas”, acredita Cristiane.

Entretanto, a executiva ressalta a necessidade de evitar que as promoções prejudiquem a qualidade do serviço. Por isso, defende que esse tipo de ação deve ser executada em um volume limitado. “Em paralelo, é importante fornecer informações aos visitantes, de maneira que sua experiência seja mais agradável, tratando dos melhores horários para certos deslocamentos e dos hábitos culturais da região”, diz.

“Dessa forma podemos contribuir para que a convivência entre turistas e moradores se dê de forma mais tranquila, sem que um interfira no objetivo do outro, seja desfrutar das merecidas férias ou simplesmente descansar após um dia de trabalho”, continua.

Cândido, por sua vez, também tratou da necessidade de uma estratégia de comunicação efetiva e capaz de estabelecer um diálogo com o público final. “A Aviva está sempre buscando se aproximar dos parceiros do setor e oferecer informações sobre os destinos”, conta.

Taxas de turismo funciona?

A cobrança de taxas de turismo pode parecer uma forma óbvia de combate ao overtourism, ainda mais quando um número crescente de cidades com grandes atrativos turísticos decide pela sua adoção. Entretanto, a medida na maioria das vezes tem por objetivo financiar melhorias na infraestrutura da região, a fim de tornar os efeitos da grande circulação de pessoas mais suaves.

“A taxa de turismo não deve ser encarada como um fator determinante para a redução da demanda em períodos de pico”, comenta Cristiane, da Laghetto. “Ela é mais uma forma de viabilizar os investimentos necessários para a sustentabilidade da atividade turística no destino”, completa .

O Comitê de ESG do Hot Beach alerta que taxas muito elevadas podem desestimular a visitação da parcela da população, especialmente a de menor poder aquisitivo. “O impacto da taxa na demanda por quartos em períodos de lotação extrema depende de diversos fatores, como o valor da taxa, o perfil do turista e a atratividade do destino”, observa. “As taxas de turismo podem ser uma ferramenta valiosa para a gestão do turismo, mas não são uma solução única”, finaliza.

(*) Crédito da capa: Divulgação/Ministério do Turismo

(**) Crédito da foto: Renato Soares/Ministério do Turismo

(***) Crédito da foto: Bruno Lima/Ministério do Turismo