Gabriel Pedrosa, gerente de Recursos Humanos do InterContinental São Paulo, em entrevista no restaurante Tarsila
(fotos: Chris Kokubo e Peter Kutuchian)

Os pais de Gabriel Pedrosa eram hoteleiros, proprietários de um empreendimento em Campos do Jordão, na região serrana de São Paulo. Ele, por sua vez, não queria se ver trabalhando em um meio de hospedagem e vivia fugindo. Foi estudar Psicologia clínica e, assim que se formou, no início da década de 90, passou a trabalhar com educação de crianças carentes e menores infratores na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem).
 
Depois, “por ironia”, como ele mesmo define, realizou o programa de trainee do Maksoud Plaza, na capital paulista. Após um ano na empresa deparou-se com um anúncio no jornal que trazia uma vaga num hotel de grande rede internacional. “Eu já tinha sido contaminado pela hotelaria e não pensei duas vezes ao me candidatar. Com essa área é assim: ou você ama ou sofre muito”, afirma.
 
O empreendimento era o InterContinental São Paulo, onde atua desde então. Em 2008 Pedrosa completou 13 anos na rede. De recrutador de RH, passou por diversos cargos, acumulou outros e hoje responde como gerente de Recursos Humanos, Treinamento e Segurança do hotel e coordenador de Treinamento do InterContinental Hotels Group (IHG) no Brasil. Além de tudo isso, ele consegue, ainda, atender em seu consultório à noite, principalmente executivos do mercado financeiro.
 
Por Chris Kokubo e Peter Kutuchian
 
Hôtelier News: Qual a principal mudança que aconteceu na área corporativa em relação ao setor de RH nos últimos anos?
Gabriel Pedrosa: As empresas começaram a repensar os seus conceitos. Antes o que era levado em conta era o quociente de inteligência (QI), ou seja, era preciso preencher um número x de requisitos, como ter graduação, mestrado, línguas, experiência. A pessoa era contratada pelo intelectual, mas demitida pelo emocional.
 
Hoje, sabe-se que é imprescindível levar em conta o emocional. Uma estatística apresenta que, em média, de quatro a cinco executivos do mercado financeiro dão entrada toda segunda-feira no pronto-socorro por problemas cardíacos. De dois a três vêm a falecer, o que é um índice impressionante.
 
 
 
É preciso saber como lidar com as variáveis culturais, emocionais, o quanto o extra-sensorial representa. É necessário fazer uma busca do que muitos não visualizam e administrar o quociente emocional em prol da empresa.
 
Para um gestor de Recursos Humanos, o QI é essencial, mas o emocional deve ser levado em conta. Quem lida com RH precisa saber quebrar rotinas, equilibrar emoções conflituais da equipe da empresa. A pessoa que geralmente tem obstáculos e dificuldades e percebe que o seu lado pessoal interfere começa a desarmonizar o grupo. Muitos profissionais ainda superestimam a intelectualidade e não vêem que prejudicam sua desenvoltura devido ao lado emocional.
 
HN: Qual é sua formação acadêmica?
Pedrosa: Depois que terminei Psicologia, fiz uma pós-graduação em Estratégia organizacional na Fundação Getúlio Vargas. Trabalhei com crianças carentes, menores infratores e fui para a Inglaterra estudar. Entrei na hotelaria depois que voltei de Londres.
 
Meus pais foram aos poucos vendendo o hotel de Campos antes de falecerem. No final das contas, com certeza foi uma experiência bastante gratificante para eles.
 
HN: E o que você sente que mudou na hotelaria desde 1995, quando começou nessa área?
Pedrosa: Mudou muita coisa. Na década de 90 as grandes redes internacionais de hotéis vieram para o Brasil, onde a demanda por bons meios de hospedagem era muito grande. Elas chegaram com outra carga, com filosofia internacional de como mensurar resultados, melhorar o clima organizacional. Aquela imagem de departamento pessoal começou a ser quebrada. Hoje, esse termo foi abolido, não usamos mais. “Recursos Humanos” demonstra melhor que a porta está aberta para receber as pessoas, para ajudar.
 
 
 
HN: Quantos profissionais em cargos gerenciais tem a equipe IHG no Brasil e qual o turn-over de vocês?
Pedrosa: Atualmente são 85 postos de responsabilidade. Nosso turn-over é muito baixo. Claro que no começo, para poder decolar, todo novo empreendimento entra com uma massa de gordura e vai se adequando à realidade da cidade, do país, do mercado.
 
O InterContinental São Paulo tem 189 apartamentos, é um hotel business sem grande estrutura de lazer, embora a gente crie um clima para incentivar o cliente a aproveitar a cidade de São Paulo, com seu grande diferencial gastronômico. Hoje contamos com 180 colaboradores nesta unidade e cerca de 1.450 no Brasil, incluindo os empreendimentos franqueados.
 
HN: Por que usar o termo “colaborador” e não “funcionário”?
Pedrosa: A palavra ‘funcionar’ traz algo de subalterno, é mecânico, enquanto o ‘colaborar’ carrega um sentido de maior comprometimento. O colaborador soma, colabora, contribui, enxerga o trabalho de uma maneira mais horizontal.

 
Um dos programas do IHG é o Idéias Brilhantes, pelo qual incentivamos nossos colaboradores a antecipar a necessidade do cliente. Antes de gerar a pergunta, as respostas já são dadas. Premiamos as pessoas que têm boas idéias.
 
Recepção do InterContinental São Paulo
 
HN: E como funciona a questão da pirâmide de hierarquias?
Pedrosa: Costumo dizer que se você não tem um bom alicerce, nunca vai conseguir chegar ao topo. É a base que dá segurança e estabilidade. Enquanto as pessoas da base executam, a parte de cima pode se preocupar com a conexão de todos que estão envolvidos na empresa. Não se constrói uma casa pelo telhado, mas pelo alicerce. Aqui no hotel mantemos uma pirâmide saudável.
 
HN: Qual é o departamento mais importante de um hotel?
Pedrosa: É o RH, sem dúvida. Sem capital humano não se tem vendas, hospedagem, alimentos e bebidas, não retenho talentos. É ele que segmenta a missão, visão e os valores do empreendimento. É claro que todos os setores são importantes, mas eles nascem no RH. A mão-de-obra é necessária e tem que ser treinada. O colaborador precisa estar apto para atuar. E é preciso estar pronto 24 horas por dia, já que São Paulo, assim como Tóquio e Nova York, entre outras cidades, não dorme.
 
HN: Como será um departamento de RH daqui a dez anos?
Pedrosa: Será uma das grandes vigas para qualquer empresa ter uma bom planejamento estratégico. Atualmente já existem consultores de Recursos Humanos que participam de reuniões estratégicas de algumas empresas.

 
 
 
HN: E para o hóspede, qual é o departamento mais importante de um hotel?
Pedrosa: A recepção é o epicentro para o cliente, é para lá que ele recorre quando tem qualquer dúvida ou problema. É no local que tudo o que foi vendido para o hóspede se confirma ou não.
 
Por outro lado, é um ponto tenso do empreendimento. Os recepcionistas precisam ter comprometimento cultural com cada cliente, que passou horas viajando, que traz uma bagagem diferente conforme seu país de origem, que quer receptividade de respostas imediatas.
 
Entre as grandes moedas que estão em largo crescimento e valorização estão o respeito e a satisfação. Por isso, mesmo num dia de muito movimento no hotel, um simples olhar pode amenizar a pressão da indiferença e já recebe de uma boa maneira o cliente.
 
HN: Se você fosse gerente geral, o que mudaria?
Pedrosa: Se possível, eu aumentaria o Priority Club, que é o nosso programa de fidelidade. Procuraria conhecer mais preferências dos clientes habitués, se gostam de chocolate, de qual tipo, se preferem frutados, se causam problemas facilmente. Assim, tentaria sempre superar as expectativas, ser cada vez mais hospitaleiro, mais anfitrião.
 
 
 
Além disso, concordo que a recepção acumula muito trabalho burocrático. Talvez instant check-in e check-out amenizasse o problema. A recepção tem muito espaço para crescer e melhorar enquanto ponto central do hotel. Por outro lado, não acredito que a jornada de oito horas seja o maior problema dos recepcionistas. O bancário, por exemplo, atua por seis horas e tem carga de trabalho dobrada do que a encontrada num meio de hospedagem. Muitos empreendimentos já adotam os termos guest relations e guest service agent ao invés de recepcionista.
 
HN: Você acha que o brasileiro é hospitaleiro por natureza? Isso é levado em consideração pelo IHG?
Pedrosa: Somos latinos, tupiniquins, temos inerente a questão de bem receber. No entanto, os padrões vêm pré-moldados de Atlanta e Londres, onde estão as bases da rede. Algumas coisas mudam, são adaptadas. Por exemplo: aplicar os conceitos Be my guest e Customer comes first aqui no Brasil é um pouco chover no molhado. No exterior é outro comportamento, mas por sermos hospitaleiros é mais fácil administrar isso localmente.
 
Não adianta, por outro lado, ser receptivo por natureza e não ter criatividade. Se você não cuidar do seu cliente, ele não volta mais. Mais de 67% da população abandona uma marca depois de ter alguma decepção. Hoje, prestação de serviço é uma arte. Se você não inova, acaba caindo.
 
HN: Quanto vocês investem em treinamento?
Pedrosa: Cerca de 30 a 40% do nosso orçamento é direcionado para treinamentos. Nós investimos muito, acreditamos bastante na capacitação das pessoas. A rede tem um hotel-escola no Panamá e, aqui no Brasil, utilizamos o Holiday Inn Parque Anhembi para essa função. Há casos espetaculares, como a moça que começou como auxiliar de Limpeza e hoje está em um programa de três meses no Panamá para gerentes de A&B. O próprio Paco (Francisco Garcia, gerente geral do InterContinental São Paulo), começou como auxiliar de Administração em Madri, bem como o Flavio Andrade, que também começou como auxiliar no InterContinental Rio e hoje é gerente geral do Holiday Inn Parque Anhembi.
 
Flavio Andrade, gerente geral do
Holiday Inn Parque Anhembi
 
Nós nos preocupamos em formar e reter talentos. Nossa rotatividade é muito baixa, em 2007 foi de 4%, que é muito pouco em hotelaria. Contratamos de fato para desenvolvimento de carreira.
 
Francisco “Paco” Garcia, que ocupa o
mesmo cargo no InterContinental SP
 
Treinamento é dar consistência e engajamento ao prestador de serviços, é mostrar a visão de que a pessoa que trabalha num hotel está em cena, que deve sorrir. A hospedagem muitas vezes é um sonho de consumo e o atendimento deve ser o mesmo numa rede, não importa se o hotel é em Paris, em Roma, Madri, Atenas, São Paulo. É preciso mostrar que os padrões têm um sentido. Por exemplo: nós ensinamos a pessoa a atender o telefone dizendo “Bom dia, hotel InterContinental São Paulo, departamento de RH, Gabriel, em que posso ajudá-lo?”. Cada parte dessa frase gigantesca tem um sentido e quando eu explico isso para o colaborador, ele se sente motivado a fazer dessa maneira, pois sabe o por quê.
 
Além disso, é importante destacar que todos os cargos num hotel são vitais. O profissional deve ter a percepção de que o importante é estar na festa, não importa em que papel. Infelizmente o brasileiro ainda tem essa coisa de status, de poder.
 
HN: Como são os seus treinamentos?
Pedrosa: Eu viajo muito, trago coisas de fora, adapto e implanto. Dou o treinamento no horário e local de trabalho do colaborador. Tem que ser algo constante. Eu vivencio o momento, incorporo, motivo o pessoal. Há alguns que duram 16 horas, divididos em dois dias, outros, três horas. Se precisar vir aqui às 2h da manhã para falar com os colaboradores do turno da madrugada, eu venho. Preciso obedecer o relógio biológico de cada um. Realizo cerca de 20 a 25 treinamentos por ano no corporativo.
 
Cada atividade tem uma razão, seja quebrar paradigmas, inovar, provocar vivências. Alguns profissionais passam por reciclagens a cada cinco meses. Todos devem fazer um treinamento de cinco em cinco anos obrigatoriamente.
 
HN: Como você vê a formação universitária de Hotelaria no Brasil?
Pedrosa: Vem melhorando muito. O Senac é um grande propulsor dessa mudança, tem reconhecimento internacional. Obviamente que a tradição de uma escola suíça ainda pesa. O IHG tem, mundialmente, parcerias com diversas universidades de renome e promovemos estágios e intercâmbios entre países. Temos uma hostess que veio para uma experiência de três meses, estudante da Les Roches, e está deslumbrada com o trabalho aqui.
 
HN: O que pesa mais na hora de você selecionar um currículo?
Pedrosa: Eu analiso que tipo de experiência a pessoa tem. O que influencia mais não é onde a pessoa se graduou, mas quanto tempo ficou em cada cargo, quais são suas experiências. Tem muita gente que está na hotelaria mas não tem formação acadêmica na área e isso não pesa para mim. Por outro lado, aquele ‘profissional-sagüi’, que pula de empresa em empresa, de cargo em cargo, eu logo descarto, pois isso demonstra que quer de tudo e não quer nada, é superficial.
 
Para posições estratégicas é preciso ter pelo menos um ano de experiência, pois nesse período é possível vivenciar a sazonalidade e a operação dinâmica de um hotel. Gosto também de saber o motivo da pessoa querer sair da outra empresa na qual está.
 
HN: E quando o candidato é recém-formado?
Pedrosa: Aí o fator que mais pesa é o idioma. A pessoa precisa saber falar inglês. Se ele apresenta outros talentos e não fala a língua, o hotel pode pagar o curso.
 
HN: Como você lida com indicações?
Pedrosa: Eu procuro aproveitar talentos. Analiso o currículo, chamo para entrevista, dou oportunidade da pessoa se apresentar, mas não é porque ela é indicada que terá sua candidatura enfatizada. Por outro lado, se é um candidato competente e que está nos nossos padrões, por que não chamar?
 
Participamos também, com outros hotéis do Brasil, de um programa mundial de treinamento para jovens carentes, o Youth Career Initiative. Pessoas que jamais teriam oportunidade de vivenciar um hotel como o nosso passam por cinco meses de treinamento. Este é o terceiro ano em que participamos, sempre com dez jovens. Além da parte operacional, oferecemos aulas de postura, cultura, comportamento.
 
HN: Como funcionam as promoções?
Pedrosa: Eu sempre estimulo primeiro as internas. Realizamos muitos cross-training para ter um banco de dados de talentos atualizado. Convidamos a pessoa a mudar de área ou damos o feedback negativo, para que o treinamento não tenha sido em vão.
 
Existe também muita transferência para a Europa e os Estados Unidos. Somos exportadores de talentos humanos. A Renata Rossi, por exemplo, entrou como estagiária, era order taker, e hoje é gerente de Room Service em Chicago. A Cristiane Lemos é outro exemplo. Ingressou no hotel como garçonete e em cinco anos atingiu o cargo de gerente de Operações do InterContinental Miami.
 
Fachada do InterContinental Miami, nos Estados Unidos

(foto: ichotelsgroup.com)
 
HN: Alguns hoteleiros dizem que o profissional brasileiro não possui comprometimento, trabalha superficialmente. Qual a sua opinião?
Pedrosa: Tendo a não concordar. Uma coisa é falar em dom, com o qual a pessoa nasce. Outra, é talento, que pode ser adquirido. Uma vez, uma das nossas camareiras reparou que o lixo do quarto de uma hóspede vivia cheio de papel do chocolate Prestígio. Falou sobre isso com a governanta e sugeriu que oferecêssemos esse chocolate na abertura de cama da cliente, que ficou absolutamente encantada.
 
Quando atitudes assim acontecem, nós reconhecemos e premiamos. Estimulamos nosso pessoal a agir dessa maneira.
 
 
 
HN: Qual é o maior desafio em ser responsável pela equipe de segurança do hotel?
Pedrosa: É preciso manter a equipe sempre unida, os profissionais têm que ser amigos uns dos outros, sentir que podem contar com os demais. Eu tento deixar a equipe sempre motivada, pagamos treinamentos, preparamos de verdade para o mercado. Caso a rede abra outro hotel, posso transferi-los sem problemas.

 
Contato