A restrita equipe que trabalha com Jacques Métadier
(no centro de camisa laranja), na sede da Académie Accor
América Latina, em São Paulo
(fotos: divulgação Accor)

 
Capacitação e treinamento são palavras que passaram a figurar nos holofotes do setor hoteleiro nos últimos anos. Seja por conta da vinda de grandes eventos internacionais ao País, seja pelo motivo óbvio: a necessidade de mão de obra qualificada.
 
O MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) define o tema da seguinte forma: Prática coordenada de gestão de pessoas e de gestão do conhecimento tendo como orientação a estratégia de longo prazo de uma organização.
 
Apesar de parecer uma temática atual, a Accor Hotels, por exemplo, já trabalha a questão há tempos. Em 1985, a rede criou o conceito de Academia, em sua sede, na França – no intuito de formar seus próprios colaboradores. Hoje as escolas estão presentes em 16 mercados significativos para a cadeia hoteleira – tais como França, Inglaterra, Ásia, Alemanha e América Latina, cuja sede está em São Paulo.
 
Na prática, mais do que oferecer ou implementar treinamentos como regra, trata-se de articular as competências num contexto mais amplo da empresa. Desta forma, as aplicações da educação corporativa estão também relacionadas ao processo de inovação contínua dos empreendimentos que as adotam, assim como ao aumento da competitividade e do lucro.
 
Aos poucos, o mercado da hotelaria ganhou espaço em cursos livres, técnicos e universitários, o que gerou aumento de profissionais à procura por empregos no setor e criou-se, por consequência, a cultura de que o diploma é a garantia de uma melhor colocação. O equívoco é percebido hoje pelos empregadores, que reclamam constantemente da falta de profissionais experientes e qualificados.
 

Lançada na sede francesa, a Accor diz ter sido
a primeira universidade corporativa do mundo
 
Atuar e bem-servir a qualquer tipo de demanda é uma necessidade que os profissionais do setor precisam suprir. Este é o tipo de objetivo que, se não for resultado de anos de experiência e dedicação, somente pode ser alcançado com esforços no sentido de treinamentos e de capacitações oferecidos pelo estabelecimento ou pela rede onde o profissional atua.
 
Seguindo a mesma linha de raciocínio, nota-se que oferecendo tais recursos, apesar de algum investimento – seja com tempo ou dinheiro – feito, o hotel ou a rede em questão acabam por lucrar, afinal, a satisfação do cliente é o que garante o seu retorno.
 
Com base nestes argumentos, o Hôtelier News dá início a uma série de reportagens especiais sobre redes hoteleiras que investem em verdadeiras escolas de formação – com o intuito, de certa forma, de doutrinar seus colaboradores.
 
Nesta primeira reportagem, visitamos a Académie Accor América Latina que monitora, desenvolve e aplica treinamentos em diversos países, inclusive, no Brasil.
 
Há 10 anos à frente da diretoria, o francês Jacques Métadier afirma que, prestes a completar 20 anos, a escola se encontra numa fase de mudanças – na qual a tecnologia dita regras.
 
Por Thais Queiroz

 
 
(foto: gpportal.com.br)

 
No ano passado, a Accor ofereceu formações para cerca de 12 mil funcionários na América Latina. Neste ano, a meta passou para 20 mil, como revela Jacques Métadier. O diretor diz que a grande novidade deste ano é a implantação do sistema de e-Learning (ensino via internet) na Académie América Latina; que atende países como Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Peru, Colômbia, Equador, Guatemala e México – além do Brasil.
 
O sistema já vinha sendo utilizado desde 2006, porém com restrições. “Esta foi uma decisão pesada e cara, mas que trará resultados”. Métadier alega, sem divulgar investimentos, que os cursos oferecidos serão adaptados para o modelo on-line; já executado em diversas academias da rede em outros países.
 
A explicação deste modelo não ter sido adotado antes é simples:
“Não tínhamos uma plataforma adequada”. Ao que parece, o novo sistema foi bem aceito. Somente em janeiro deste ano, foram realizadas mais de 6 mil treinamentos nos países latinos. Em fevereiro, a ideia é fechar o mês com 18 mil.
 
Apesar do uso da tecnologia ser praticamente inevitável nos dias atuais, ele afirma que as aulas presenciais não serão extintas. Neste contexto, o e-Learning entra em cena para garantir uma formação 100% controlada com redução de custos considerável em despesas e viagens.
 
Questionado sobre o investimento feito nesta mudança, o diretor desvia e prefere responder sobre os lucros da empresa. “Com a redução de despesas, vamos faturar R$ 5,02 por colaborador, por mês. Faça as contas”. Ao final do ano, considerando que 6 mil pessoas realizem, todos os meses, um curso, o faturamento da Accor será muito além dos R$ 360 mil.
 
(foto: itilnapratica.com.br)
 
Formações sob medida
Feitos para todas as hierarquias, os cursos ganham os colaboradores – que veem nesta uma atitude que denota respeito e oportunidade por parte da empresa.
 
“Os treinamentos fazem toda diferença na minha formação. Aprendo muito como participante e como multiplicadora, porque percebo a responsabilidade da Academia e a preocupação no desenvolvimento de cada pessoa do grupo”. Esta é a opinião de Silda Raguse, governanta de um dos hotéis da Accor, que teve o último treinamento realizado em novembro passado, com a temática Formação de Formadores. Junto a ela, outros entrevistados expressaram a mesma opinião.
 
Numa breve reflexão, é possível concluir que tal ação se faz, no mínimo, justa – já que os que figuram em cargos tanto executivos quanto operacionais acabam por gastar grande parte das 24 horas diárias no ambiente de trabalho.
 
Como é feito
Sobre o processo de elaboração, o diretor explica que os treinamentos são feitos por consultores que realizam constantes estudos com os colaboradores, montando as propostas de formação, desenvolvendo e aplicando. “Este processo pode ser feito por eles – consultores – ou por multiplicadores internos”.
 
O grupo de multiplicadores é formado por profissionais identificados pela diretoria, dentro dos hotéis, com capacidade para propagar informações da rede aos seus colegas.
 
Para funcionários que não são alfabetizados ou desconhecem o uso de computadores e da internet, a Accor elege, dentro de cada hotel, um “guardião da Academia”. Este profissional ajuda os colegas com maiores dificuldades para garantir que todos participem dos programas.
 

O treinamento sobre Hospitalidade é um dos que praticamente
todos os colaboradores devem realizar, independente da função

 
Quanto ao processo de criação e compartilhamento dos cursos, Métadier explica que não há regras, mas eles devem passar por aprovação da sede francesa. “Nós usamos modelos de outros países quando achamos interessante e os adaptamos para a nossa realidade. O contrário também acontece”.
 
Ele indica que há alguns pilares estabelecidos na Académie América Latina. Um deles é o plano de formação corporativa, no qual são propostos, para todos os níveis hierárquicos, um ou dois programas por ano. Na mesma linha, há os programas de cunhos técnico e comportamental, exclusivos para cada marca Accor. Por fim, estão os projetos para dificuldades específicas, entre eles, o supletivo, que hoje já é aplicado por meio do e-Learning e disponível no sistema para ser iniciado a qualquer momento, sem seguir necessariamente a um programa pré-estabelecido pela empresa ou pelo gestor da equipe.
 
Há também cursos pré-estabelecidos para os que ingressam na rede em unidades em processo de abertura. Independente do cargo ou do hotel onde irão trabalhar, as equipes de chefia e operacional recebem, de 30 a 60 dias antes da inauguração, orientações que garantem afinidades, para seus colaboradores, com a identidade da rede desde o primeiro dia de funcionamento do empreendimento.
 
Uma parceria da Accor com a The Code rendeu
o treinamento de combate ao turismo sexual
 
Em meio a tantas formações, a Accor se mostra preocupada – além de preservar a identidade de suas marcas – com assuntos da atualidade que infelizmente envolvem o Turismo e chegam à hotelaria. Para o turismo sexual, por exemplo, há um programa próprio. “A Accor Hotels fez um trato com a entidade The Code e declarou que todas as escolas da rede deveriam aplicar o programa em regiões onde há registros da prática do turismo sexual”, conta.
 
Alguns cursos são montados em módulos, principalmente para os colaboradores que têm contato direto com o cliente. O diretor cita um caso no qual o primeiro módulo tratava do atendimento a pessoas com necessidades especiais. “A gente ensinou que não atendemos um surdo como atendemos um cadeirante, por exemplo”. Na continuação, foram utilizadas vídeoaulas focadas em religiões e diferentes culturas. Na próxima etapa, os temas famílias, mulheres e homossexuais foram os assuntos pautados.
 
Moeda de troca
O diretor da Académie América Latina relata que além dos treinamentos focados na Accor, a empresa subsidia parte dos custos com cursos de idiomas, técnicos, de graduação e pós-graduação. Mas há ressalvas: para usar o recurso é necessário ter ao menos um ano de casa, e o aval somente é concedido caso a temática seja classificada como útil para a multinacional.
 
Após cada curso, mesmo que realizado em outra instituição, são feitas avaliações que medem o aproveitamento. Nada mais justo, já que, segundo Métadier, esta é uma das únicas formas de qualificar o trabalho realizado assim como o rendimento dos colaboradores. “É muito difícil avaliar o retorno sobre um investimento em formação. Um dos recortes possíveis é a avaliação de reação imediata. Em média, registramos aproveitamentos acima de 90%”, assegura.
 
Ele acrescenta que pesquisas divulgadas por órgãos competentes também são usados como medidores. Um exemplo é participação da Accor, anualmente, no prêmio Great Place to Work (Melhores Empresas para se Trabalhar, em inglês), realizado pela revista Época. “Estamos há 12 anos consecutivos com 100% de aprovação por nossos funcionários”.
 
Roland de Bonadona, CEO, e Odair Roque, diretor
técnico e de Implantações, ambos para América Latina
comemoram o prêmio Great Place to Work 2010

 
Maturidade aos 20
A rede francesa garante ser dela o título de primeira universidade corporativa da América Latina. Foi num prédio em Campinas, ao lado de um Novotel, que em 1992 a Académie Accor abriu sua segunda unidade no mundo: São Paulo foi escolhido como o local que iria centralizar e coordenar os treinamentos realizados em países da América Latina.
 
À época, a estrutura contava com dois andares, restaurante, teatro,  
dez salas de aula e laboratórios de estudo para os consultores que desenvolviam formações para o conjunto de marcas da multinacional – que, antes de ter a hotelaria como foco dos negócios, detinha também marcas relacionadas a restaurantes.
 
Em 2005, o Novotel de Campinas foi vendido, chegando ao ponto de a Accor ter que hospedar quem iria realizar os cursos num hotel agora administrado pela concorrência. Quando este ponto foi observado, a diretoria logo decidiu vender também a estrutura física da Académie e trazê-la para o escritório corporativo da empresa, localizado em Pinheiros, na grande São Paulo.
 
(foto: nsrainha.com.br)
 
A partir de então os consultores passaram a ir até os hotéis para realizar os treinamentos, conforme necessidade. Esta é uma das despesas que deverá ser cortada do budget da rede.
 
No Brasil, o diretor diz não ter dúvidas de que, durante 20 anos de funcionamento, ela deixou seu legado e hoje se encontra completamente madura.
 
“Nunca vamos parar de aprender e aprimorar, mas hoje sabemos onde pisamos, com quem lidamos e quais as melhores formas de atingir nossos colaboradores”, discursa. “Após anos de trabalho e foco, conseguimos consolidar o título de Academia Corporativa”, conclui.