Jorge Rebelo no lançamento oficial
do Vila Galé Cumbuco Resort
(fotos: Chris Kokubo)
 
Quando aquele senhor se sentou ao meu lado no transfer entre o hotel e o centro de convenções do Nordeste Invest deste ano, em Recife, talvez uma das últimas pessoas que eu acreditasse que ele fosse seria presidente de uma grande rede hoteleira, tamanha a sua simplicidade. Só vim a saber quando ele me entregou o cartão de visitas.
 
A proximidade e o carisma se confirmaram há alguns dias, quando voltei a vê-lo, desta vez no lobby do Vila Galé Fortaleza. Ali, personagem principal da noite, já que lançaria oficialmente um novo empreendimento no Brasil, ele estava saindo para fumar um cigarro e, ao me encontrar, logo cumprimentou com um largo sorriso: “onde foi que nos conhecemos mesmo? Nordeste Invest?”. “Quase isso”, pensei. “No ônibus”.
 
Jorge Rebelo de Almeida, presidente do conselho administrativo do grupo português Vila Galé, lembra das pessoas e cumprimenta pelo nome. Gosta de dançar e de ensinar – não foi apenas uma vez que ele interrompeu nossa conversa, novamente realizada num ônibus, de Fortaleza a Cumbuco: “Esta é a melhor boate da cidade. Olhe ali, este já é um destino mundial de kitesurf”. O sotaque português é um detalhe que não interfere em nada na comunicação. Conheça um pouco mais deste empresário lisboeta na entrevista desta semana.
 
Por Chris Kokubo
 
Hôtelier News: Quando foi a primeira vez que o senhor veio para o Brasil?
Jorge Rebelo: Em 1987, de férias. Meu irmão trabalhava como piloto da Votec Helicópteros, em São Paulo, e eu vim visitá-lo. Na época, estava construindo o primeiro hotel em Portugal, o Praia da Galé, próximo à Lisboa, daí o nome da rede. Em duas semanas visitei o Rio, Curitiba, Blumenau e Florianópolis.
 
HN: E qual foi impressão que teve do país?
Rebelo: Foi amor à primeira vista! Mas na época eu nem imaginava ter negócios aqui. Só voltei ao Brasil em 1995, dessa vez para Maceió, novamente de férias. Mas meu contato com a cultura brasileira é anterior. Eu fiz faculdade entre 1968 e 1973, em plena época do Salazarismo. A Revolução dos Cravos só aconteceu em 74, por isso minha geração foi muito influenciada pelos músicos brasileiros socialmente engajados, como Chico Buarque, Vinicius, Caetano. Eu inclusive cheguei a conhecer o Vinicius em Lisboa.
 
Rebelo, de camiseta escura, com sua equipe no
futuro Vila Galé Cumbuco Golf Resort
 
HN: E como foi o início dos negócios na hotelaria?
Rebelo: Eu era advogado e, com dois amigos, abri a Sociedade Vila Galé. Antes disso, eles tinham frigorífico, trabalhavam na área de embutidos. Nunca pensei em ter uma grande rede, minha idéia era abrir um hotel. Fui ganhando gosto, as coisas foram dando certo, mas desde o começo eu tinha um segundo objetivo, caso os negócios fossem mal. Não tínhamos plano estratégico nenhum e caso fosse necessário venderíamos os apartamentos. Quando você começa um negócio, tem que ter duas ou três saídas em mente.
 
HN: Quando começou a pensar em trazer a rede para o Brasil?
Rebelo: Quando vim para Maceió vi que o lugar tinha um enorme potencial, era lindo, mas não tão conhecido em Portugal quanto Porto de Galinhas, Bahia e Rio. Fiquei empolgado, mas achei melhor esperar a rede ter força suficiente na Europa para iniciar a internacionalização dos negócios. Na época, estávamos inaugurando o sexto empreendimento por lá, todos na região do Algarve. Em 2000, já com dez meios de hospedagem, o Brasil veio de novo aos meus planos. Vim para cá, visitei alguns destinos e escolhemos comprar um hotel em Fortaleza, o Vila Galé Fortaleza, um destino próximo a Portugal. A estrutura estava abandonada e na época investimos o equivalente a 16 milhões de euros para concluí-la. Como sou muito ansioso e havia mão-de-obra abundante, conseguimos inaugurar no dia 5 de outubro de 2001.
 
Vila Galé Fortaleza, a primeira
unidade da rede no Brasil
 
Posteriormente, em 2004, adquirimos e reformamos a unidade de Ondina, em Salvador, e no final daquele mesmo ano iniciamos as obras do Vila Galé Marés, na praia de Guarajuba, a 12 Km da Praia do Forte. O governo cumpriu o cronograma, realizou as obras de esgoto, infra-estrutura, estrada e inauguramos o resort em fevereiro de 2006.
 
HN: Qual a principal diferença entre a hotelaria brasileira e a portuguesa?
Rebelo: Em Portugal, temos uma operação que ainda é mais segura, ou seja, o fluxo turístico está consolidado. Aqui no Brasil o turismo ainda é muito sazonal, há muita flutuação. Mesmo assim nosso desempenho está muito bom. Devemos fechar 2008 com 72% de ocupação em Salvador, 60% no Marés e 65% em Fortaleza. Estamos trabalhando muito com o mercado internacional e agora, devido à crise financeira mundial, o público nacional deve ser prioridade. Aqui, comemoramos índices de 60%, mas em Portugal, a média geral sempre fica acima dos 70%.
 
HN: Como esta crise financeira pode afetar os negócios do Vila Galé no Brasil?
Rebelo: A queda do Real frente ao Dólar é benéfica para o Nordeste. O serviço all inclusive que nós oferecemos é bastante comum entre os hóspedes europeus. É preciso ter mais vôos fretados dos Estados Unidos e Canadá para cá. Em Portugal, para manter o turismo, pagamos uma taxa de cerca de 5 euros para a Ryanair a cada passageiro transportado. É preciso fomentar o transporte aéreo, pois sem ele não há viagem. Há alguma razão lógica para que o México tenha 23 milhões de turistas e o Brasil bem menos que isso? Não, a não ser o planejamento que eles realizaram por lá.
 
Outra questão é a imagem que os brasileiros passam para os estrangeiros. Vende-se e divulga-se muita coisa negativa do país lá fora, e são os próprios moradores que fazem isso. Eu nunca fui assaltado no Brasil, o que já aconteceu na Espanha, por exemplo. E a Espanha está muito desenvolvida no turismo. O Brasil tem a vantagem de ter um enorme mercado interno. Se uma crise afeta Cuba, por exemplo, e deixa de atrair os estrangeiros, o país tem muito mais dificuldades que aqui.
 
Lobby do Vila Galé Marés, na Bahia
(foto: vilagale.pt)
 
HN: Quais são os mercados mais fortes para os hotéis de Portugal?
Rebelo: Temos muitos clientes brasileiros, ingleses e alemães, além dos próprios portugueses. Hoje administramos 15 unidades por lá, a grande maioria voltada ao segmento de lazer. Aqui no Brasil, o mercado interno é nosso principal cliente, principalmente os paulistas.
 
A hotelaria local está crescendo, se valorizando, cada vez mais profissional. Não tem outro jeito: começa amadora e aos poucos se ajeita. Eu acredito que no futuro a oferta vai se concentrar nas grandes redes. Para ser independente é necessário ter muito dinheiro, é algo bem mais difícil. Uma rede dilui os custos em várias áreas e facilita a comercialização.
 
O Brasil ainda não levou o turismo a sério, pois tem muitas outras atividades econômicas importantes. Mas a criação do Ministério mostra que mudanças estão acontecendo. O Mares Guia entrou sem saber nada, mas era uma pessoa muito inteligente e em seis meses já entendia do assunto. O Brasil precisa se conscientizar de que o setor não gera somente empregos, mas também a valorização das pessoas.
 
Quando começamos a capacitação da mão-de-obra para o Vila Galé Marés, aquelas pessoas eram culturalmente diferentes do que são hoje. Convivendo com hóspedes e colegas de outro nível social e cultura, a pessoa cresce muito além do que profissionalmente. O turismo é uma atividade que preza pelo bem estar das populações. Caso tenham sido feitos estudos de impactos rigorosos, é uma das atividades que menos vai prejudicar o meio ambiente.
 
  
 
HN: Como está a unidade de Fortaleza, a primeira do Vila Galé no Brasil?
Rebelo: Depois de investimentos de cerca de R$ 500 mil, estamos relançando o hotel no mercado brasileiro. Trata-se de um resort de cidade, com boate, boa área de lazer para famílias, em frente a uma praia limpa e com bom espaço para eventos. Temos novidades na área da gastronomia e agora oferecemos as noites temáticas, com apresentação musical e pratos típicos todos os dias da semana. O Vila Galé tem crescido muito por causa da política de reinvestimento.
 
HN: Quantas vezes por ano o senhor vem ao Brasil?
Rebelo: Venho umas dez vezes. Posso dizer que fico 2/3 do meu tempo por lá e 1/3 por aqui.
 
HN: Quais são os próximos passos da rede no país?
Rebelo: Tenho uma vontade louca de ter um hotel no Rio. Tínhamos um negócio quase fechado na Barra, mas o terreno apresentava muitos entraves jurídicos, os seis proprietários deviam impostos, e não foi para frente. Eu já tinha separado o dinheiro, já tinha até feito um projeto lindo. Além disso, para nós é muito importante estar em São Paulo. No Rio, nós queremos construir, mas na capital paulista, comprar um edifício pronto e reformá-lo. Estamos em busca de boas oportunidades nas duas cidades.
 
Com exceção de São Paulo, por enquanto não pensamos em ter hotéis que não sejam no litoral. Eu gosto do mar, não moraria nunca muito longe da praia.
 
 
Os pontinhos escuros são os hotéis
Vila Galé em Portugal e no Brasil
(imagem: vilagale.pt)
 
HN: Há planos de expansão em outros países de língua portuguesa?
Rebelo: Por enquanto não. Temos acompanhado o mercado africano, que está em plena expansão. Moçambique, por exemplo, é um país muito bonito. O turismo europeu, no entanto, não está muito voltado para a África ainda. Há um grande receio em relação à falta de segurança, de atendimento médico, por isso vai demorar um pouco para vermos um Vila Galé por lá.
 
Eu, pessoalmente, adoro o continente africano. Passei uma semana na Tanzânia e foi uma das viagens mais marcantes que já fiz na vida, com um céu maravilhoso, noites fabulosas. Cabo Verde é um destino bem interessante, que fica na metade do caminho entre Portugal e Brasil. A Angola é muito rica, mas está um bocadinho confusa ainda, passando por uma fase de transição.
 
HN: Como é a relação com os grupos concorrentes portugueses que também estão investindo no Brasil?
Rebelo: A relação é muito boa. Eu sou uma pessoa que gosta de partilhar, não tenho problemas em mostrar os projetos, os planos. Digo que nos negócios o importante é fazer a coisa bem feita. Quanto mais produtos de qualidade o destino tiver, mais turistas vai atrair. Quanto mais cabra, mais cabrito. O Brasil precisa de muitos investimentos hoteleiros.
 
HN: E a vinícola do Vila Galé, tem distribuição no Brasil?
Rebelo: A Casa de Santa Vitória, em Portugal, produz ótimos vinhos e azeites. Os produtos podem ser consumidos nos nossos hotéis e estamos também vendendo em supermercados principalmente de Salvador, mas um pouco também no Rio e em São Paulo. Temos ainda negócios imobiliários, no setor de escritórios, lá em Portugal.
 
Rebelo apresenta um de seus vinhos
comercializados no Brasil
 
HN: O senhor tem filhos?
Rebelo: Tenho uma filha médica, a Joana, e um filho, Gonçalo, que trabalha comigo na área de marketing e vendas. Falo com eles quase diariamente, mais até com a minha filha, e temos uma relação muito boa.
 
HN: O que o senhor faz nas horas em que não está trabalhando?
Rebelo: Há tantas coisas que eu gosto de fazer! Dançar, escutar música, ópera… Inclusive, temos o Vila Galé Ópera, em Lisboa, que é temático. Jogo tênis três vezes por semana, faço exercícios e depois fumo um cigarrinho (risos). Eu adoro viajar, mas também adoro voltar. Lisboa tem uma luz maravilhosa.
 
Vila Galé Ópera, em Lisboa
(foto: vilagale.pt)
 
Além disso, sempre tento arranjar tempo para ir a uma exposição de arte, ao cinema aos domingos, gosto de ler. Dos brasileiros, gosto do Machado de Assis e do Jorge Amado. Eu sou muito organizado, porque tenho pouco tempo livre. Com o passar dos anos, você aprende a separar o essencial do acessório e gere melhor o dia. Eu aproveito as coisas de forma muito sôfrega, dou valor a pequenos hábitos cotidianos.
 
HN: Quando criança, o que o senhor queria ser quando crescesse?
Rebelo: Havia uma série americana na televisão com um advogado que eu adorava e por isso eu sempre quis ser criminalista. De fato, estudei Direito mas nunca trabalhei na área criminal, achava detestável. Eu sempre atuei na área comercial.
 
HN: Quais são os seus defeitos?
Rebelo: Eu sou teimoso e falo o que penso na hora, o que às vezes pode trazer muitos problemas. Além disso, hoje sou um pouco egoísta: não abro muito a mão de coisas que são importantes para mim pelos outros.
 
 
 
HN: Quantas línguas fala?
Rebelo: Além de português, falo francês, inglês e espanhol. Entendo um pouco de alemão e de italiano.
 
HN: De todos os lugares que conheceu, qual marcou mais?
Rebelo: Puxa, são muitos lugares especiais. Como disse, a Tanzânia é sensacional, com todos aqueles animais, os safáris. Gostei muito da Índia, mas é um soco no estômago, porque o país tem muita miséria. Os bangalôs sobre o mar nas Maldivas também me encantaram. Indonésia, Bali, Malásia, China, todos esses lugares são bonitos.
 
Eu adoro o Cumbuco, onde estamos construindo o Vila Galé Cumbuco Golf Resort, que deve ser inaugurado no final de 2009, o sul da Bahia, Caraíva com dois ou três hoteizinhos… O Brasil tem muitos lugares de destaque. Em algumas áreas com vegetação, como Itacaré, a paisagem é peculiar.
 
  
  
Cumbuco em quatro tempos. No buggy,
Rebelo é o primeiro à esquerda
 
HN: Qual dica o senhor dá para estudantes de hotelaria que queiram alcançar uma posição como a sua?
Rebelo: Na hotelaria é preciso saber os pormenores de cada área. Se mesmo sabendo é difícil, não tendo conhecimento é impossível. Além disso, é preciso começar por baixo, ter consciência de que não se sai da faculdade como gerente. É preciso muita humildade para aprender da melhor maneira possível.