João Annibale, o mandatário da Leading no Brasil
(fotos: Dênis Matos)

No final de 1997, João Annibale aterrissou no Brasil depois de mais de 15 anos vivendo na terra do Tio Sam. Além da mala, trazia três anseios: aproximar-se das agências de viagens, expandir os negócios com o mercado corporativo e entender quem era seu cliente. A aparente missão civilizatória, vale lembrar, não levava o nome do profissional, mas sim da Leading Hotels of the World, grupo no qual ele exerce a função de CEO no País desde esses idos.

À época, a empresa – criada em 1928 por hoteleiros europeus, no intuito de estabelecer padrões elevados do que se entende por hospitalidade – ainda engatinhava em terras tupiniquins e era o que Annibale definiu com uma “central de reservas”, que comercializava para os poucos clientes brasileiros os mais de 400 hotéis de luxo de seu portfólio.

Hoje, ainda que este mercado tenha tom incipiente para o consumidor do País, a coisa deslanchou e a incumbência aparente do executivo, além de alavancar as vendas, já é outra: mostrar que a empresa que ele representa é parceira dos agentes de viagem.

De acordo com o profissional, há um burburinho de que a Leading estaria mordendo uma fatia da comissão das agências de viagem – o que ele diz não existir, uma vez que a empresa não tem seu lucro proveniente das comissões, e sim das taxas pagas pelos hotéis membros.


“Não adianta ser brasileiro simpaticamente e ineficiente, isto não vende mais”

“Repitam comigo: se você não ganha nada e ainda gasta mais tempo com isso, quem seria não inteligente a ponto de querer atender um cliente que é da agência?”, indaga.

Sentamo-nos ao lobby do famoso hotel Fasano São Paulo, um dos poucos com selo Leading no Brasil. Annibale veste camisa bicolor, que orna com o sapato. Seu blazer, em tom pastel, carrega no bolso um lenço de um bordô que casa com o relógio do braço esquerdo. O cabelo, que pouco se move, aparenta estar bem assentado com algum cosmético.

Já ao início da entrevista, ele faz questão de enfatizar que a insígnia da entidade é manter o elevado nível dos associados, a fonte de renda da empresa.

Nessa mais de uma década de trabalho no cargo, o CEO coleciona algumas benesses – e alguns infortúnios, inevitavelmente. Quando assumiu o posto, o “brasileiro ainda era lanterninha em termos de geração de negócios para a Leading”. Atualmente, em termos de captação de hóspedes, o País aparece em terceiro lugar, atrás dos Estados Unidos e do Reino Unido, primeiro e segundo lugares, respectivamente.

Nesta reportagem exclusiva, o profissional fala sobre todo este processo de consolidação, sobre o início de sua carreira e sobre a nova fase do luxo para o brasileiro.

Por Dênis Matos


Ao fundo, fotos da equipe brasileira da empresa

Annibale veio parar no mundo hoteleiro ao acaso. Estudou Administração em San Diego, nos Estados Unidos, depois foi cursar um MBA, também na terra do Tio Sam, onde se especializou em Financial Management e em International Trade, na National University.

“Foi aí que me encontrei”, relembra. “Era uma época em que as empresas estavam começando a investir em produtividade e em qualidade, em meados de 1990, quando começaram a implantar projetos de ISO. Eu fui trabalhar com qualidade nesse período”, recorda.

Esse preciosismo por detalhes e pela excelência fez Annibale cruzar com o bem-servir. À época, quando ia visitar empresas para produzir análises, hospedava-se em importantes hotéis, daí o contato.

“A equipe da Leading leu uma matéria sobre alguns projetos que eu tinha encabeçado quando trabalhava na Alexander Proudfoot. Esta área de qualidade tinha tudo a ver com o trabalho da Leading”, pondera. “Fui convidado para vir ao Brasil e – num escritório que era só uma central de reservas – implantar vendas, marketing, segmentação de mercado e expandir a penetração da marca no País”, conta.

O ano era 1997 e a chancela de luxo, apesar de ter representação no País desde 1981, não tinha um setor comercial. O projeto foi, desde o início, ampliar os pontos de vendas possíveis, ganhando proximidade das agências de viagem. Foi algo possível, com um trabalho, literalmente, pesado.

“Eu ia, por exemplo, a Belo Horizonte fazer visitas. Preparava um mapinha da cidade, onde estava cada agência e levava, sim, os diretórios da Leading, que são pesados, numa malinha debaixo do braço, apresentando a empresa”.

Foi uma fase em que Annibale “gastava sola de sapato”, mas que deu certo. “Quando você quer fazer sua marca conhecida é preciso ser humilde, eu tinha que me tornar conhecido”, revela. “E por que eu falo isto? Porque vender é quando a necessidade encontra-se com a lembrança”, menciona, fazendo questão de frisar que o aforisma é de sua autoria.

Consolidado esse período, o próximo passo seria chegar ao mercado corporativo, e o namoro se deu, metaforicamente, com as secretárias de executivos que tinham potencial para usufruir das mordomias dos hotéis do selo. “Das secretárias executivas passamos para travel management, gerentes de viagens de grandes empresas, assistentes executivos”, cita.

Quem é meu cliente?
A peleja, no entanto, ainda não estava concluída. O CEO relembra que o próximo passo foi conhecer então quem era o cliente Leading. Era 2002, e a investida teve início com clubes de golfe e outros lugares refinados, quando o próprio CEO fazia muitas visitas, até que o boca a boca começasse a reverberar.

O Leaders Club, programa de fidelidade do grupo, também ajudou a radiografar este hóspede. “É importante frisar que a maioria desses clientes faz a reserva por meio de uma agência, mesmo que tenham cartão fidelidade”, enfatiza.

Desta frase, inclusive, nasce a aparente labuta atual da Leading no Brasil. Gesticulando como se estivesse com uma bola de tênis à mão, o linha de frente da chancela repete copiosamente que o intuito deles “jamais foi e jamais será tirar esses clientes das agências”.

“A Leading não ganha nada mais fazendo uma venda. Pelo contrário, ela perde em atender o cliente direto, pois leva mais tempo e não tem uma equipe dedicada a isso. Ao passo que a agência é rápida, dispõe de um profissional especializado em fazer isso”, argumenta. “Nós ganhamos zero com isso”, faz coro.


No escritório da entidade, em São Paulo

De quem é a comissão?
As justificativas antecipadas, ao que parece, têm cerne no fato de que alguns profissionais do turismo acreditam que a Leading tira o cliente da agência de viagens e ganha comissões em cima disso. Isto, ele afirma, foi um dos primeiros entraves e que, infelizmente, reverbera até hoje.

“Repitam comigo”, ele ressalta, “se você não ganha nada e ainda gasta mais tempo com isso, quem seria não inteligente a ponto de querer atender?”, questiona. “A Leading é contra, não acha certo, por exemplo, o que as empresas aéreas fizeram ao trazer para si o cliente final. Temos a obrigação de atende-lo se ele nos ligar e dizer que está insatisfeito com sua agência”.

Fazendo um contraponto, ele diz entender este “medo” das agências, que sofreram e sofrem até hoje com as novas dinâmicas do mercado – como o advento da internet e a queda das comissões. Contudo, afirma que sua empresa não tem intensão alguma de seguir este caminho.

Mas já que o intuito da Leading não é fazer lucro em cima disto, o questionamento próximo não poderia ser outro: quanto um hotel precisa desembolsar para ser associado? “Isto varia muito. Mas para se ter uma ideia, um hotel de 100 apartamentos vai pagar, em média, US$ 60 mil por ano”, diz.


O profissional no Fasano São Paulo, um dos hotéis membro

O papel da certificadora
Neste pacote estão não só a dedicação das centrais de reservas da certificadora para fomentar as vendas do meio de hospedagem, mas também todo o processo de análise feito para que o empreendimento receba o selo.

Os showcases, no entanto, quando os hotéis visitam clientes potenciais para alavancar mais negócios, são pagos à parte. O mesmo ocorre caso o meio de hospedagem figure no diretório do grupo.

Para manter a qualidade da análise, ela é feita por empresas terceiras, que visitam o hotel num sistema semelhante ao de um “cliente oculto” – sem que o hoteleiro saiba que está sendo avaliado. “São profissionais ‘secretos’, nem nós nunca conhecemos esses clientes”, garante.

Todavia, explica Annibale, já houve casos em que os empresários descobriam quem era esse profissional e, se houvesse falhas no hotel, criavam meios de burlar a análise.

Não às regras
“Infelizmente falta ética no mundo. Para mim, este tipo de hotel não merece respeito”, critica. “A Leading está aqui para investigar, para manter esta qualidade que é nosso padrão, isto é uma falta de ética, que existe em todos os mercados. Se nós descobrimos, vamos punir”, alerta.

Sediada em Nova York, a Leading possui hoje 23 escritórios internacionais, atuando em 82 países. No ano passado, a associação completou 30 anos de atuação no Brasil.

Em seu início, somava 38 membros no portfólio. Hoje são 430. Emiliano, Fasano Boa Vista, Tivoli São Paulo Mofarrej, Casa Grande Hotel, Fasano São Paulo, Fasano Rio de Janeiro e Copacabana Palace são as unidades com selo da empresa no País.

Mesmo após receber a chancela, o empreendimento é vistoriado anualmente para garantir o padrão exigido.

Esse afinco, inclusive, é empregado também em relação aos serviços prestados pelos hotéis membros. O CEO esclarece que mais do que bem-servir, o empreendimento deve provocar sensações nos hóspedes – sejam estas olfativas, visuais ou sonoras.

“Não importa se um hotel tem torneiras de ouro, se a porcelana é de barro ou chinesa. O que importa é como eu, hóspede, me sinto neste lugar. Se eu me sentir bem com o serviço e com as sensações, eu com certeza vou amar este hotel”, conclui.

Antes de despedir-se, Annibale enfatiza mais uma vez: “Hoje eu estou polêmico. Acorda Brasil, para de construir palhoça e constrói hotel. Um hotel é construído por pessoas, é feito de serviços, e não de coisas”.

E completa: “A tecnologia, a estrutura, isto é o básico. O que diferencia algo são as pessoas. Não adianta ser brasileiro simpaticamente e ineficiente, isto não vende mais”, finaliza – assinalando que esta “chatice” só existe na Leading, que em sua vida particular andar de shorts, tocar violão e cantar no karaokê são coisas mais importantes.

“Nada da matéria pode me comprar, luxo eu tenho no trabalho, fora dele eu só quero as coisas boas e verdadeiras da vida”.

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