(foto: divulgação)

Uma das matérias de capa dessa semana traz um artigo de Eraldo Alves da Cruz, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH). De acordo com ele, é preciso ter critério e bom senso na hora de dificultar a entrada de turistas no país. Afinal de contas, “se queremos transformar o Brasil num dos principais destinos do mundo, precisamos aproveitar os ventos favoráveis da conjuntura mundial do setor de viagens, no qual o turista busca lazer, entretenimento e quer desfrutar em paz momentos de prazer e liberdade, como podemos oferecer aqui.”
(Redação)

Turismo X Soberania
Por Eraldo Alves da Cruz

Cometem grandes equívocos os que se apegam à questão de soberania nacional para condenar aqueles que defendem a liberação de vistos para americanos que queiram vir fazer turismo no Brasil. O assunto, aliás, vira e mexe vem à tona, como agora, quando ocupou nos últimos dias alguns próceres da imprensa nacional. Todavia, para os que entendem técnica, política e economicamente a atividade turística, há que se analisar melhor a questão, na medida em que está em jogo alguns milhares de dólares que esses potenciais turistas poderiam deixar aqui, caso encontrassem facilidades para viajar e desfrutar das belezas brasileiras, a exemplo do que já fazem os europeus.

Portanto, o enfoque é outro e dispensa diferenças ideológicas, partidárias e qualquer justificativa que se afaste do pragmatismo dos números e estatísticas. Basta um dado para reforçar a posição que abraço: o Brasil é um dos poucos países do mundo que mantém suas fronteiras fechadas a 483 milhões de habitantes, número que corresponde à população somada da Austrália, Canadá, Estados Unidos, Japão e Nova Zelândia, que perfaz uma renda per capta de 37 mil dólares, o que quer dizer a metade dos consumidores mundiais. Esses são dados captados em estudo sobre o assunto feito pelo empresário Pedro Fortes, hoteleiro no Rio de Janeiro e diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis.

Portanto, confunde-se reciprocidade e soberania com fato superveniente, que supera regras adotadas internacionalmente. Partamos, pois, de uma suposição. Dois grandes aviões, ambos lotados de brasileiros, mas pilotados por xiitas oriundos de tribos beligerantes que, a qualquer pretexto, jogam as aeronaves em cima do edifício Itália, um dos mais altos na capital paulista. Tal e qual o episódio do World Trade Center de Nova Iorque, ícone do capitalismo, tomariam como alvo certeiro um símbolo brasileiro, provocaria a perda de muitas vidas e atingira igualmente nossa soberania nacional. A partir de um episódio como esse, tomado como exemplo, com toda certeza o governo brasileiro adotaria providências para aprimorar o controle do fluxo de nacionais e estrangeiros, com o intuito de coibir barbáries da espécie.

Temos, sim, que ser soberanos, mas para proteger nosso subsolo da extração criminosa de riquezas, contrabandeadas para fora do país; para defender nossas plantas medicinais que enriquecem laboratórios de além mar; para preservar a língua pátria, nossos usos e costumes, sabidamente tão aviltados.

Todavia, nos dispensamos dessa soberania arraigada quando está em jogo praticar a indústria da paz, no âmbito da qual as armas aceitáveis são o convívio fraterno, a hospitalidade, a troca de experiências de vida e de contextos sociais.

Princípio de reciprocidade não é para ser aplicado tão somente em razão do que nos é cobrado ou exigido, como no caso dos vistos para cruzar as fronteiras daquelas prósperas nações. Se o país protege suas fronteiras com
cães farejadores e guardas armados por potentes metralhadoras para intimidar os que arriscam ultrapassar a linha limítrofe, ele também pode muito bem optar por dar as boas-vindas aos turistas e visitantes por intermédio de baianas vestidas a caráter, sorridentes e distribuindo fitinhas de Nosso Senhor do Bonfim ou optar por mandar um ex-chanceler tirar os sapatos para ser “fiscalizado” e impor outros constrangimentos. Ou até opte por oferecer sandálias havaianas indispensáveis para proteger os pés na areia quente das praias, sob o sol maravilhoso do nosso país tropical.  E por ai vai. Existem formas inteligentes e ignorantes de aplicar o instituto da reciprocidade.
Não podemos é, em pleno século 21, ficar sob a égide da pena de talião, “olho por olho, dente por dente”.

Pela ótica do turismo, é claro que queremos abrir as portas do Brasil a todos, como declama o deputado federal Fernando Gabeira, proibido de ingressar em território americano por razões de Estado – questionáveis, no meu entender, embora respeitadas pelo próprio. Tamanho cerceamento imposto ao político, porém, não o faz assacar contra a liberação dos vistos diplomáticos para quem quiser viajar ao Brasil. Moderno e atualizado, Gabeira advoga que bastaria a carteira de identidade. Dispensa até o passaporte, e, sem exceção, quer garantir a todos os turistas estrangeiros o direito de ir e vir em território brasileiro. Posição atualizada a do parlamentar carioca, que externou durante audiência pública realizada pela Câmara para tratar da chamada Lei Cadoca, que flexibiliza os vistos para diversos países ditos grandes emissores de turistas.

Na ocasião, Gabeira surpreendeu até os petistas, apegados à ótica itamaratiana, que enxerga a questão pela receita de US$ 70 milhões obtidos com a concessão de vistos a 700 mil americanos/ano. Ironicamente, o deputado, dono de justas razões para defender vetos a facilidades nessa questão, demonstrou que no exercício do mandato importa mais defender os interesses do povo. Ou seja, entendeu que os países emissores de grande fluxo turístico podem gerar divisas e promover a inclusão social nos países visitados, entre outras boas conquistas que decisão como essa provocaria.

O Brasil só ganharia se viesse a receber mais um milhão de novos turistas estrangeiros, cujo gasto médio individual é US$ 1 mil, portanto, US$ 1 bilhão de receita adicional. O montante é suficiente para gerar milhares de novos empregos e oportunidades em futuros empreendimentos turísticos, desenvolvimento econômico e social, enfim, abrir aos jovens as portas do progresso.

Contudo, a questão da flexibilização dos vistos tem sido mal interpretada. Conquista apoios inesperados na mesma intensidade com que desperta resistência, objeções até de profissionais da melhor cepa, de intelectuais, onde incluo o jornalista Mauro Santayana que, em artigo reproduzido nos melhores jornais optou por desfiar um rosário de razões políticas contra a liberação dos vistos. Aliás, ele, que serviu como adido cultural na Embaixada do Brasil em Roma, ao lado do embaixador Paulo de Tarso um expert na abertura de portas e de novos mercados, exagerou ao condenar os que pleiteiam a dispensa dos vistos. São pontos de vista diferentes, mas com toda certeza os especialistas em turismo estão seguros dos benefícios que a liberalização pode oferecer.

Se queremos transformar o Brasil num dos principais destinos do mundo, precisamos aproveitar os ventos favoráveis da conjuntura mundial do setor de viagens, no qual o turista busca lazer, entretenimento e quer desfrutar em paz momentos de prazer e liberdade, como podemos oferecer aqui. Desse modo, acredito que formadores de opinião, como é também o respeitado jornalista Élio Gáspari, prestam um desserviço quando abrem fogo contra nossa tese. Dão lugar na primeira classe ao bombardeio, sem atentar para os nossos argumentos, o de que o turismo, essência da indústria da paz, só traz benefícios aos povos e não há nenhuma razão para aniquilar esse potencial.

Longe vai o tempo em que Benjamin Franklin, um dos fundadores dos EUA dizia que “a boa cerca faz o bom vizinho”. Hoje precisamos abrir fronteiras, difundir informações. Vale demonstrar também que o ministro Walfrido dos Mares Guia não prega sozinho quando defende a dispensa dos vistos para os turistas procedentes dos Estados Unidos, Austrália, Japão, Canadá, Nova Zelândia  e outros. Ele tem o apoio dos que entendem o turismo como economia, riqueza, geração de divisas e de benefícios para a população.