Márcio Moraes

 

Em 2009, quando o Peter me convidou para compor o quadro de articulistas do Hotelier News, pensei na dificuldade que teria ao escrever para um grande público diante da minha facilidade para comunicação oral. Porém, ele me desafiou a utilizar o meu talento num outro formato. Gosto de desafios!

Primeiramente, contratei uma jornalista para ensinar a escrever artigos para mídias como no caso do Hotelier News, mesmo com talento comportamental para comunicação, faltava a habilidade técnica. Compreendi o contexto da elaboração de artigos e caminhei no desenvolvimento dos primeiros, percebi que carregava ainda, mesmo de forma leve, um modelo acadêmico, uma linguagem apropriada para artigos científicos. Fiz alguns e depois parei, sentia necessidade de “suavizar” a linguagem, porém não sabia como. Havia um desgaste enorme para escrever algumas linhas, me trancava no escritório por horas para as vezes não sair nada de bom.  Não queria isso! Aprecio a linguagem oral, que para mim é natural, sem grandes esforços. 

Nesse meio tempo, me especializei em analisar competências comportamentais e minhas orientações são todas orais, tendo como instrumento ferramentas objetivas de análise de perfil profissional. Mesmo que sejam baseadas em relatórios técnicos, ao transmitir consigo deixa-la compreensível para todos os níveis hierárquicos. É meu habitat, conversar, palestrar, orientar. 
Interessante que nesse caminho encontrei inúmeras pessoas com problemas semelhantes ao meu, segurados por um fio, o seu principal talento direcionado a uma única função. Estava eu orientando-os para a descoberta das inúmeras formas de utilizar o mesmo talento. 

Lembro de uma coordenadora de eventos, que depois de muitos anos no mesmo hotel pediu demissão e seguiu a estrada para outro país em busca de respostas à sua inquietude. Retornou, sem respostas. Por que a sua angustia, independente de onde esteve, lhe acompanhou. 

Depois de uma análise comportamental algumas respostas chegaram à tona, os talentos foram as primeiras surpresas – Visionário, Inventivo, Idealizador.  Descobriu também sobre a sua angústia, como usar esses talentos numa empresa conservadora, pautada por regras rígidas? Entendeu porque pediu demissão, a habilidade técnica era compatível, o problema estava no desconforto com as características comportamentais exigidas pela empresa, tirou um grande peso das costas.  Percebeu a necessidade de construção de novo ambiente de trabalho, pautado pela valorização dos seus principais talentos. Precisava de liberdade, de condições de falar e ouvir ecos de suas ideias mesmo contraditórias “não dá nesse momento”, porém expressaria e seria ouvida, precisava do debate, com respostas fundamentadas, convincentes, sem amarras e tabus na comunicação.

A profissional em questão conseguiu uma oportunidade abaixo de suas expectativas salariais, numa empresa com alto grau de liberdade, totalmente diferente de tudo  ao qual tenha ouvido e trabalhado. Na Sessão de Orientação, percebemos a necessidade da experimentação desse mundo diferente, não haveria salas individuais, todos expressavam seus pensamentos sem julgamentos ou pré-conceitos, havendo um objetivo, além do lucro – se manter  no mesmo caminhar de uma  empresa contemporânea.  O olhar brilhou e um sentimento de medo transpareceu. É difícil sairmos do mundo que nos foi apresentado como “padrão” e ela precisava romper essa barreira.  Chegamos a um acordo, experimentar por três meses, se não gostasse, buscaríamos outra oportunidade. Desde a experimentação, passaram quase dois anos, atualmente a profissional conquistou o espaço de gestora, altamente produtiva, numa área (vejam essa!) de desenvolvimento de pessoas onde pode deslumbrar o crescimento da empresa e das equipes com inventividade e idealismo. 

Outra descoberta,  ela conseguiu perceber os diversos momentos que esses talentos surgiram na empresa anterior. Por vezes, pôde utilizá-los mesmo nas amarras do conservadorismo e da burocracia. Foi esses poucos momentos de liberdade, no pequeno espaço de autonomia conquistado, que a segurou por longos anos na mesma empresa. Com a maturidade, os anseios afloraram e com eles o crescimento do desconforto. 

A sua essência gritava pela necessidade de voar e saborear os seus talentos,  sentir a liberdade de expor suas ideias sem o receio de considerar-se uma intrusa ou uma figura em descompasso com a cultura da empresa. Conquistados na nova empresa que não é perfeita, porém é ideal para os talentos dela. É libertador e saudável se sentir confortável no ambiente de trabalho. 

Voltamos a mim, após alguns anos sem escrever artigos, Peter novamente pergunta se não estava na hora de voltar.  Lembrando-me das dificuldades de outrora,  fiquei preocupado, questionando minha capacidade de me comunicar confortavelmente pela escrita ao grande público. Novamente um desafio à vista! Agora chegou a minha vez de mostrar a mim o saborear dos meus talentos em outros formatos.  Por anos, mantive a vontade de compartilhar minhas experiências e aprendizados em palestras e cursos, agora o convite de voltar a escrever. Sabe de uma coisa? Topei novamente! Agora com um novo olhar. 

Descobri nesse caminhar que devemos ter a humildade de um aprendiz, curioso por um mundo ainda desconhecido, ao mesmo tempo responsável por cada palavra dita. Estava destinado a não rever os artigos antigos e mesmo mantendo a essência da metodologia aprendida, o objetivo era promover a minha identidade e assim o fiz. Transportarei para o papel meu talento comportamental, imprimindo a esse nenhum sacrifício de linguagem. Quero conversar com as pessoas através da escrita. 

Pensei em inúmeras técnicas para absorver da minha fala conteúdos interessantes para elaboração de artigos,  uma delas seria gravar meu discurso e depois transportá-lo para o papel. É muito chato! Precisava voltar a me sentir na leveza de uma criança ávida pelo aprendizado, aprender como expressar meus pensamentos em diversas formas, compreender meus sentimentos, sem receio de errar.  Precisava conversar,  mas com quem?  Comigo mesmo e com todos, olhar para tela do computador e compreender que essa fala chegará a inúmeros leitores e esses lerão como se eu estivesse conversando ao “pé do ouvido”.

Recentemente encontrei esse vídeo, mostra justamente todo esse olhar, a criança dominando o instrumento musical,  expressando seu talento numa sensação de liberdade.  Confesso, escrevo esse artigo, colocando continuamente essa mesma música. Não preciso mais ver o vídeo,  sinto a leveza do jeito dela dançar sem se preocupar com padrões ou estética de movimentos, se deixando levar pela emoção, pela paixão de conversar com todos os tipos de públicos, encantando uma plateia que não saiu de casa para assisti-la, não estava na agenda deles comparecer a um entretimento musical,  pararam porque quiseram dar-se de presente esse momento.  De testemunhar o uso do talento num formato diferente, de se surpreender.  Mesmo na rua, ela parece estar em seu habitat. Ela é o seu habitat! 

O que você pode fazer com o seu talento?  Sinceramente, a resposta está em você, em se aceitar e experimentar: o que quiser, o que sonhar. O seu talento tem inúmeras utilidades, uma delas é provocar a mudança de visão, de percepção, de objetivos. De mudar a si mesmo e os demais que lhe rodeiam. Um único instrumento encanta pelo uso absoluto da diversidade, de simplesmente fazer diferente. Saboreie a felicidade com muito gosto.

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Márcio Moraes é gerente de Carreira na QI Profissional, especializada no mercado de hospitalidade. Professor Universitário. Formado em Hotelaria,  especialista em Qualidade e Produtividade, Planejamento e Marketing, formação avançada em DISC (ferramenta de análise de competências comportamentais).

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