Michel Chertouh à frente do InterContinental Rio de Janeiro
(fotos: divulgação / arquivo HN)
 
O Brasil poderia ser página virada para Michel Chertouh. O francês, que faz recorrer ao jargão de que hoteleiro é cidadão do mundo, resolveu se debandar para outras paragens, e deambulação resultou numa nova fase na Indochina, especificamente em Hanói, capital da segunda maior cidade do Vietnã. Chertouh pulou para o lado asiático.
 
Notadamente o Brasil não é sinônimo de passado nessa história: a começar pela família, haja vista que Alessandra, esposa do executivo, é brasileira. Daí o laço se estende aos filhos: João Felipe, de nove anos, e Sophia, de pouco mais de três anos, são o que o pai chama de franco-brasileiros – assim como ele.
“Não posso virar a página, sou casado com brasileira, tenho passaporte brasileiro, sou franco-brasileiro. O Brasil é uma página que eu nunca vou virar”, garante.
 
Que não se assuste o leitor: a ida de Chertouh às terras orientais tem em seu gene assumir a gerência geral do Crowne Plaza West Hanoi – nada de peripécias que remetam à guerra ocorrida naquele país do início da década de 1960 até meados de 1975.
 
“É um país que foi fechado por muito tempo, mas que não leva ranços do passado. Há uma vontade de progresso muito importante, e isso é sentido no trabalho hoteleiro que se realizar por aqui”, vocaliza.
 
Chertouh e família completam hoje exato um mês no Vietnã. O cerne da mudança foi a venda do InterContinental Rio de Janeiro para o BHG (Brazil Hospitality Group), que deve assumir o hotel, antes gerenciado pelo francês, no final desta semana.
 
“A intenção profissional era decidir minha carreira junto ao IHG (InterContinental Hotels Group). Foram oferecidas possibilidades: América Latina, Europa, Oriente Médio – e a Ásia estava nisso. Era uma experiência que eu não tinha e um continente que sempre me fascinou”, esclarece. “Foi uma oportunidade que eu tomei rumo ao Vietnã, país emergente que tem semelhança de alguns lugares que já estive”, completa.
 
Justamente esse ar emergente, segundo o entrevistado, é que faz com que os vietnamitas sejam tão simpáticos e solícitos aos estrangeiros, haja vista a intenção de que o país se desenvolva com apoio externo.
 
A simpatia e a amenidade do povo local ganharam os olhos da família de Chertouh. Ele diz que neste curto período de tempo se impressionou com a capacidade de adaptação dos filhos. Sophia vez ou outra é interpelada pela rua para ganhar alguns cliques dos transeuntes locais. Já João Felipe, que estuda numa escola internacional, assim como fazia no Brasil, vai participar de um evento no qual será o único brasileiro do campus. O garoto já figura no time de futebol escolar; e Sophia, pasmem, estuda coisa de uma hora de chinês por dia. “Do ponto de vista pessoal, todos nos sentimos muito bem recebidos”, afirma o pai.
 
Com mais de 25 anos no setor hoteleiro, Chertouh escreveu sua história profissional no IHG. Espanha, Estados Unidos, Reino Unido, Caribe e Brasil – locais que fazem parte do currículo do executivo. Já foi chefe de Steward, controlador de Custos, gerente e diretor de Alimentos & Bebidas, e, notadamente, gerente geral. Especializado em Marketing e Finanças Hoteleiras, pela Cornell University, dos Estados Unidos, graduou-se em hotelaria pela Hotel School of Paris, na França. Aprendeu as línguas inglesa, espanhola e portuguesa.
 
No início deste ano, foi um dos profissionais homenageados no Prêmio VIHP 2010 (Very Important Hotel Professsional), ganhador da categoria Gerência Geral de Hotéis e Flats. A condecoração é realizada pelo Hôtelier News e pela QI Profissional.
 
Retomando a série de reportagens sobre profissionais da hotelaria, o Hôtelier News falou com Michel Chertouh sobre a consolidação desta trajetória, debatendo referências profissionais, a dinâmica do mercado hoteleiro, a equalização da vida social e profissional e as muitas pelejas para se consolidar neste setor.

Por Dênis Matos com colaboração de Márcio Moraes
 
 
Hôtelier News: No desenvolvimento da sua carreira quais foram os profissionais que serviram como referenciais (de modelo)?
Michel Chertouh: Considero-me com sorte, pois tive oportunidade de trabalhar com profissionais que me permitiram observar e discutir suas práticas, o que consolidou meu aprendizado acadêmico. Isto aconteceu não somente no início de meu trabalho, em Alimentos e Bebidas, como também em relação às áreas de Marketing, Finanças e Recursos Humanos.
 
HN: Foi difícil se adaptar à cultura empresarial do mercado hoteleiro brasileiro?
Chertouh: Acredito que no universo tão globalizado da hotelaria mudam os atores, mas os princípios e a dinâmica do mercado hoteleiro têm bases muito semelhantes e comuns a todos. A cultura empresarial brasileira tem a vantagem de oferecer certa descontração, o que torna o trabalho mais prazeroso.
 
HN: Quais ferramentas você utilizava para tomar as decisões? Quem são as suas bases na tomada de decisão?
Chertouh: Sempre procurei agir e mostrar à minha equipe que toda decisão tem que estar assentada no conhecimento da questão, no envolvimento das pessoas relacionadas ao assunto, na justiça e na honestidade. Somente assim, evita-se o risco de agir sem bases sólidas.
 
HN: Com tantas mudanças de endereços, como foi possível equalizar a vida social, familiar e trabalho?
Chertouh: Na realidade, a vida social fica bastante enriquecida com toda esta movimentação e troca de endereços. Vamos compondo amizades pelos quatro cantos do mundo. A riqueza da diversidade cultural que experimentamos de país em país nos dá sempre uma grande motivação. Por outro lado, creio que contar com o apoio familiar, ou seja, uma esposa disposta a compartilhar esta experiência e ajudar a passar esses valores aos filhos é a chave para a realização do trabalho que, por si só, já é um bom desafio.
 
Michel Chertouh recebendo, no início deste ano, o troféu
de Gerência Geral de Hotéis e Flats no Prêmio VIHP,
promovido pelo
Hôtelier News e pela QI Profissional

 
HN: Na construção de uma carreira há desafios a serem enfrentados, na sua, quais foram os principais?
Chertouh: Os desafios fazem parte de qualquer atividade humana, principalmente a hoteleira. Basta lembrar que trabalhamos com o espaço e o tempo: oferecemos quartos por noites. Assim, cada noite não vendida em um hotel nunca mais voltará. Será necessário, então, compensar essa deficiência com outras ações. Mas, creio que um dos meus maiores desafios foi chegar ao Brasil com 23 anos de idade, sem falar o português e ser responsável pela Área de Alimentos e Bebidas do InterContinental Rio, que, na época, era composto pelos restaurantes Monseigneur, Alfredo di Roma, A Varanda e Captain Cook, além da Boite Papillon, Bar Jacuí e outros dois bares menores. Foi realmente a construção do meu alicerce.
HN: Os lideres sonham com a eficiência de suas equipes, mas conquistá-la não é fácil. Há alguma receita?
Chertouh: Acredito que não existe uma receita. Cada líder terá que descobrir a si mesmo e buscar seu estilo próprio. Mas os princípios da liderança que os pensadores da Ciência da Administração nos colocam não podem ser relegados a segundo plano. O trabalho em equipe, o diálogo, o envolvimento, o reconhecimento, o apoio, um feedback constante e um coaching competente sempre deram certo comigo.

HN: Quais são os princípios para formar a sua equipe? 
Chertouh: Pode-se considerar novamente os aspectos da liderança que acabamos de destacar e acrescentar a eles a paixão pelo trabalho, para que uma equipe seja bem formada.

 
HN: Trabalhando numa rede hoteleira com padrões segmentados e consolidados, de que forma consegue imprimir a sua identidade profissional?
Chertouh: Numa companhia internacional como a IHG, poder contar com standards definidos é um facilitador para que a força da marca do grupo trabalhe positivamente. O desafio dos gerentes é exatamente fazer com que seu hotel seja a marca, sem ser mais um da marca. Aí está a oportunidade para se imprimir uma nova identidade.
 

O vereador Eider Dantas entrega a Michel Chertouh o
título de cidadão honorário do município do
Rio de Janeiro, em agosto de 2010
 
HN: Na hotelaria brasileira se fala da dificuldade de contratar profissionais qualificados. O que tem de verdade e de mito nessa questão? E nos demais países onde trabalhou, qual é a realidade?
Chertouh: A dificuldade da qualificação hoteleira, no mundo que conheço, começa pela própria diversidade de cargos dentro da atividade e pelas diferenças entre os perfis dos hotéis. Dificilmente, o perfil de um cargo para uma companhia é absolutamente igual ao perfil de outra. Sempre será necessário empenho no treinamento, formação e desenvolvimento a ser feito internamente. Isto serve para o Brasil ou qualquer outro país.
  
HN: Dizem que no Brasil provavelmente se construirão muito mais hotéis econômicos que nas categorias superiores. Assim sendo, como você acredita que ficará a carreira em hotelaria de luxo?
Chertouh: A hotelaria não está (e nem poderia estar) desvinculada do processo econômico em que está inserida. Os países considerados mais ricos do mundo vivem um momento de dificuldades econômicas. Por outro lado, dentre os emergentes – principalmente no bloco do Brics [Brasil, Rússia, Índia e China] assiste-se ao surgimento de uma nova classe média que aumenta o movimento e o fluxo turístico. Sob essa visão, é fácil entender que a categoria econômica de hotéis tenha um desenvolvimento maior do que antes, mas a chamada hotelaria de luxo possui seu espaço, uma vez que responde às exigências de uma classe social.

HN: A base da sua carreira foi em A&B, iniciou na base operacional e foi desenvolvendo até chegar a gerente geral. Há pesquisas que relatam que esse desenho de carreira será mais raro no futuro. Fala-se em ascensões mais rápidas e pulando algumas etapas. As transições nas etapas serão conquistadas muito mais com apoio das competências adquiridas no meio acadêmico do que na rotina da empresa. No seu caso, como a trajetória, galgando todas as etapas, fortaleceu a competência em gerenciar empreendimentos hoteleiros?
Chertouh: Na realidade hoteleira, as competências adquiridas por meio do conhecimento acadêmico são complementadas pela prática, confirmando a afirmação de que a teoria, na prática, é a teoria. No meu caso, busquei complementar a minha prática com cursos de pós-graduação em universidades consagradas no estudo e na pesquisa da Administração Hoteleira – como a Cornell University e a Open University, em Londres. Acredito que teoria e prática não se excluem em nenhum saber e, em hotelaria, isto se torna mandatório, em função da multidisciplinaridade que envolve a atividade.
 
HN: E de que forma o conhecimento adquirido no meio acadêmico poderá completar o perfil do profissional e atingir uma carreira de sucesso? Atualmente muito se fala em perfil de profissional com foco em resultados, com destaque para os financeiros. Como fica a competência em gestão de pessoas?
Chertouh: Não se pode conceber, na gestão contemporânea, a ausência de uma sólida base acadêmica, que permita aliar competência na gestão de pessoas com os resultados financeiros.
 
Chertouh junto à esposa Alessandra Chertouh

 
HN: A hotelaria obriga muito dos gestores a permanecerem por muito tempo isolados no escritório, isso não o distancia da realidade do hotel?
Chertouh: Na realidade, isolar-se ou não da operação e da dinâmica do hotel depende do comportamento do gerente – e não propriamente da natureza do trabalho. Compreendo que quanto mais distante da operação um gerente se colocar, menos oportunidades terá para pensar seu hotel estrategicamente, conhecer a performance de seus profissionais e como está sendo a experiência do hóspede em seu hotel.
 
HN: Na sua carreira há experiência de participar da abertura de empreendimentos hoteleiros, e sabemos que esse é um momento muito desgastante. De que forma essa experiência contribuiu para formar a sua competência em gerir empresas?
Chertouh: Esta é uma enriquecedora experiência de desenvolvimento e gerenciamento de projetos, além de uma vivência de processo de trabalho com princípio, meio e fim. Levar um hotel de seu projeto inicial ao recebimento de seus hóspedes é uma alegria que merece ser conquistada por todo hoteleiro apaixonado.
 

Chertouh junto de André Machado, à época gerente geral do ex
Holiday Inn Salvador, em 2009, no Festival de Turismo de Gramado
 
HN: É percebível que a hotelaria brasileira está em processo de mudança. Quais países você recomendaria como modelo de desenvolvimento hoteleiro?
Chertouh: É quase impossível determinar modelos, uma vez que cada país imprime em sua hotelaria um caráter próprio.
 
HN: E como os profissionais brasileiros poderão manter-se atualizados?
Chertouh: Como todo o profissional: conectando-se e trocando experiências.
 
HN: Suas atuações no Brasil ocorreram em dois momentos: de 1992 a 2005, e depois retornou em 2008. Dá para fazer um comparativo sobre a hotelaria brasileira da década de 1990 e do inicio deste século? Houve muitas mudanças?
Chertouh: O Brasil, nas últimas décadas, operou significativas transformações. Isto se fez sentir também na hotelaria. Hoje, contamos com um setor bem mais organizado, com um sistema educacional mais amplo para a atividade e uma competitividade mais ‘inteligente’.
 
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